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A Odisseia dos Tontos (2019): Filme que aborda o "Corralito", roubo de poupanças na Argentina peca por visão estrangeirada sobre arquétipos do populismo na América Latina





No dia 3 de dezembro de 2001, no governo neoliberal de Fernando de la Rua (ex-presidente que morreu em 2019), moradores humildes, como Fermín Perlassi, um ex-jogador que vive de maneira pacata em uma cidade argentina onde , eles se unem com uma senhora mais rica também perdeu dinheiro e que conflitos com o filho, onde eles criam uma cooperativa de graus em um local distante. Eles se unem para reaver valores retirados de suas contas bancárias. Filme de drama/comédia argentino, do diretor Sebastián Borensztein,  inspirada na novela La Noche de la Usina, que em inglês ficou (The Night of the Heroic Losers), novela de Eduardo Sacheri, que participou também do roteiro, ele foi feito em parte com financiamento do departamento de cultura e lazer do governo da Espanha. O elenco conta com o famoso ator Ricardo DarínLuis Brandoni, Chino Darín (filho de Ricardo Darín), Verónica Llinás, Daniel Aráoz, Carlos Belloso, Marco Caponi, Rita Cortese, e Andrés Parra. Liberado no dia 15 de agosto. Sendo escolhido como representante argentino no Óscar, acabou não sendo nomeado.



Os moradores da região são modestos, com poucos recursos, de modo que o arrecadado nem de longe chega ao valor pedido pelo proprietário. Mesmo com o desconto que esse resolve dar diante do entusiasmo de estar negociando com um ex-jogador regional. 




Darín é Fermín Perlassi, um ex-jogador e hoje pacato cidadão, mas que já havia sido famoso. Eles moram na pequena cidade de Alsina, que resolve formar uma cooperativa de grãos depois do mesmo lugar já ter falido. 




 Os dois ex metalúrgicos José Gómes e Eladio, que ficaram desempregados por conta da crise industrial e que depois ganharam um emprego de Carmem, um emprego no setor de pecuária. Ao serem chamados para fazer parte da cooperativa agrícola, eles não sabem o que é uma cooperativa. 




Conhecemos o mecânico do trem que mantém a estação sozinho e que é o mais peronista de todos.




A resposta dos mais velhos era que uma cooperativa era como um bolo, de chocolate. A eles se une uma senhora dona de um negócio local, Carmem Lorgio, dona da transportadora local, sempre em conflito com o filho. Com a evidência de que terão de pedir um empréstimo para chegar ao total, Fermín deposita o que arrebanhou no cofre de um banco. 





O grupo conta ainda com Fontana, Medida que sempre tem sua casa invadia na temporada de chuva. Um dia antes do bloqueio dos ativos financeiros, ocorrido em 2001, o gerente Fortunato Manzi que tinha informação privilegiada aconselha a passar esse dinheiro para pesos e depositá-lo na conta particular de Fermín, ao ter o pedido de empréstimo analisado, a central enxergue ali, no saldo do solicitante, uma espécie de rastro dessa concessão. 



Depois que todo o sistema bancário sai do ar e todo mundo entra em depressão e pânico, a mulher do ex jogador de futebol morre em um acidente de carro agravando a situação. Eles arrumaram muito dinheiro em dólar de pessoas próximas, dono de mercadinho, dona da floricultura local e de várias pessoas que foram lesadas. 




Ao todo, o dinheiro perdido foi de $ 300 mil dólares. Depois do golpe do gerente do Banco Provincial de Desarrollo, que escondeu o dinheiro de diversas pessoas sabendo do bloqueio do governo em uma propriedade em um cofre no meio de um clarão de floresta, no meio de um pasto. Para se reunir eles utilizaram uma antiga instalação público que eles tiveram acesso.  





O grupo que formaria a cooperativa então formula um plano elaborado, que contaria com uma grande operação psicológica para manipular e confundir Manzi para ele ficar nervoso com a situação do alarme de seu cofre. Depois do roubo dos ativos da cooperativa e da morte da mãe, o filho de Perlassi se infiltra como jardineiro na casa do gerente Manzi e ele nem percebe.





Perlassi surge então com a ideia de confundir Manzi e depois como cartada final utilizar da estrutura do parque público e dos contatos de serviços desses membros que fariam parte da cooperativa, e então fazer uma operação de “apagão” para enganar Manzi enquanto ele estava em um casamento com a esposa para levar o dinheiro. 





Depois de estar em um casamento o gerente resolve parar de se preocupar tanto com o cofre, confiando ser apenas um raio que fez o apagão ocorrer, eles conseguem fazer a operação, por fim Manzi descobre e percebe eles de arma em punho, xingando nomes. 





A cena da explosão é a mesma cena do início no filme, aí ela é passada novamente contando o que ocorreu para eles chegaram até ali, onde o narrador reflete sobre a ironia da materialidade, por isso uma odisseia de tontos, isso porque uma das pessoas roubou o dinheiro, tornando caricato, como se todo o esforço fosse em vão. 





O filme tem como fim a volta da cooperativa no dia 14 de setembro de 2003, com metade dos empregos de antes, empregando 57 pessoas, a ideia é de paz e que os sonhos se realizam ao fim quando vemos parte do grupo fazendo churrasco. Os ex metalúrgicos aparecem falando ao celular.



Minha leitura do filme e contexto histórico 


A pergunta que não cala é a seguinte, afinal quem é populista?, um artigo ainda da época Salada Cultural, onde o Matheus Bastos explica a contradição de chamar a esquerda na América Latina de populista, usando o caso argentino. Afinal, não seria a direita neoliberal os verdadeiros populistas?



A maioria das leituras sobre o filme é de como ele acertou em ser do tipo de filme sobre assalto, como "How to Steal a Milion". Pablo Scholz do Clarín chamou o filme de "grande adaptação" da obra de Sacheri. María Fernanda Mugica da La Nación escreveu "O roteiro atinge um grande nível de entretenimento no enredo, com uma reflexão sobre a natureza humana e participação de personagens que são impossíveis de não simpatizar". 


Apesar dessas leituras gostarem do filme, nenhuma delas reflete a intenção e o contexto político do filme, tornando-as críticas supérfluas em relação a seriedade do que é retratado no filme. 




As metáforas do filme são metáforas socioeconômicas clássicas do debate da ciência política. Isso envolve o entendimento clássico de que todos na América Latina são familiares
, e que se perdem por crença na política. A ironia é que quem roubou as poupanças foi um governante de direita. 


Os ex metalúrgicos lembram a metáfora dos trabalhadores industriais, que são mal tratados como 'burros' pelos outros, sendo os únicos "não brancos" do grupo, vale ressaltar que o filme associa os metalúrgicos com uma força decisiva na sociedade latina, e que são os primeiros a aderirem ao uso dos celulares, que parecem de coisa de outro planeta dos antigos peronistas do grupo. A família que mora no terreno alagado e não quer sair representa bem a ideia de subdesenvolvimento que se tem da América Latina. 




Como o administrator e último operador do trem que não opera mais, uma metáfora da sindicalização que é díspar em relação a oferta de emprego. Também é uma forma de crítica de direita o personagem do pai de uma família pobre que vive em um terreno alagado, e que não quer sair de lá, mesmo já sendo custeado para ele pelo Estado auxílio moradia para ele morar em outro lugar. O tom caricato de "rir da pobreza" e da "burrice" popular aqui não foge da regra da visão estrangeirada sobre América Latina típica. 


Então porque o filme não condena a política, mas sim as pessoas? Essa é uma reflexão que devemos fazer ao pensar no discurso de populismo, normalmente retirado de intelectuais estrangeiros que buscam taxar as instituições e a democracia latina dita como populista. Quando por fim, o grupo da cooperativa tem o dinheiro roubado por um de seus, a intenção do filme é bem clara, dizer que as pessoas se "perdem por dinheiro". Mas a realidade é que todos perderam por conta do governo, e não por conta de sua falta de compreensão política, como sugere o filme. Por isso "odisseia" já dá a ideia pejorativa no título. 


Existe um autor chamado Sebastian Edwards, consultor do BID, professor de administração na UCLA e que escreve sobre América Latina, sendo um dos antigos economistas chefes do banco mundial para a América Latina, um dos poucos que tem uma visão menos preconceituosa, comenta em seu livro: "The left behind in latin american" lembra em seu primeiro capítulo que a América Latina sempre foi ridiculariza por ser a "terra do futuro". 


A América Latina seria o lugar onde os projetos desenvolvimentistas são solapados por períodos de choque de austeridade quando a oposição chega ao poder. No capítulo 7, ele aborda a renúncia de Fernando de la Rua como um colapso gigantesco e econômico. Algumas semanas depois do calote na dívida externa, a Argentina passou pelo período de maior crise em sua história moderna. Depois de dois meses, o peso que estava "pareado" forçadamente, depois disso, um peso perdeu o valor em quase dois terços do valor anterior do peso. 


A crise foi tanta, que em 4 semanas, a Argentina teve 5 presidentes. A porcentagem da margem de pobreza da população média na área de Buenos Aires na Argentina saltou de 12% para 40% em 2002, e a desigualdade de renda aumentou significativamente. A Crise argentina, por contradição a visão do filme é um poderoso argumento contra as reformas da globalização. Durante a década de 1990-2000, a cifra de crescimento anual de apenas 3,3%.  


Os países latinos passaram por problemas de inflação. A Argentina sofreu duramente com a inflação na história do século XX na Argentina, como também no Brasil houve isso. Mas na Argentina o caso é exemplar da falência do modelo direitista. Por exemplo. Hipólito Yrigoyen, da União Cívica Radical governou a Argentina na Primeira Guerra, e fez os índices de exportação do país cair drasticamente com sua política de neutralidade em plena guerra, gerando a mudança no eixo da política quando a população junto com os militares tomaram o governo contra essa instabilizarão. Mas isso não mudou depois de alguns anos,  a crise gerada por políticas de direita da União Cívica Radical ocorreu de novo em 1986 com o conhecido como Plano Austral. Em 1989, o índice inflacionário superou 3,000 porcento ao ano. 


Todas as críticas vão na mesma direção 'chapa branca' de crítica. A primeira coisa que reparei é como os personagens são descritos como metáforas de grupos políticos latinos. Temos o mecânico anarquista, o operador de trens que não tem mais trem para operar, o ex jogador de futebol famoso, porém sem dinheiro, o cara que perde suas coisas todas as vezes na enchente, e depois "pega dinheiro do governo" sem sair de sua propriedade, que sempre alaga. 


As metáforas são claras. Ao negociar coletivamente com os possíveis sócios da cooperativa (que aqui podemos ler como metáfora do próprio país), eles tentam angariar recursos para refundar a cooperativa antiga da cidade, uma clara referência ao passado nacionalista e estatal argentino, jogado na lama por intervenções momentâneas e esporádicas por governos de direita. 


Mas não é isso que vemos no filme. No filme, o que vemos são pessoas que foram enganadas pelo gerente do banco (aqui a metáfora são os políticos da Argentina), e que por isso se juntam para roubar do gerente, que antes de "investir" o dinheiro que eles juntaram na cooperativa, roubou o dinheiro junto com de outras pessoas e colocou em sua propriedade rural, com um alto esquema de segurança por perto. Eles descobrem a fraude e armam uma retaliação que conta com a ajuda do filho do ex jogador de futebol, que se infiltra na casa do gerente como jardineiro para sondar o gerente e informar o pessoal da cooperativa sobre as movimentações na casa. 



O apelo do F.M.I de apenas ajudar aos países que aderiam a sua ortodoxia. Na Venezuela foi Carlos Andres Perez e Rafael Caldeira, na Argentina, políticos como Fernando de la Rua e Carlos Menem, o ditador do Paraguai por quase 40 anos, Stroessner aderiu também ao estilo de política neoliberal. O que significa dizer que Fernando de la Rua, membro do conservador partido anti populista da União Cívica Radical (partido contrário as políticas peronistas), foi o presidente responsável pelo caos econômico do corralito, uma interessante contradição. A contradição é evidente, quando observamos a tentativa do filme de naturalizar os arquétipos de América Latina que são palpáveis na demografia da região. 


O corralito significa cercadinho, e foi estabelecido, na Argentina, para evitar a retirada de depósitos em contas correntes e poupanças, que seriam trocados por dólares ou transferidos diretamente para o exterior. Para tanto, congelaram-se os depósitos dos poupadores e estabeleceram-se limites semanais para a retirada de fundos. 


A justificativa secundária almejada por Domingo Cavallo, ao cargo do Ministério da Economia Argentina, foi conseguir um maior uso dos meios de pagamento eletrônico, isso causou comoção social na Argentina. Isso culminou com a derrubada do governo de Fernando de la Rúa que era o presidente da época. As pessoas protestaram contra a ganância do sistema financeiro.


Vários detalhes sobressaltam do filme, primeiro que ele foi feito com dinheiro de do governo da Espanha, o que explica a má intensão de dizer que "estão todos loucos correndo atrás dinheiro", quando eles mesmo foram roubados pelo governo. O primeiro é o título, que é já uma forma pejorativa de tratar das pessoas envolvidas no episódio traumático, que foi parecido com o que o Brasil viveu durante o governo Collor, outro direitista neoliberal. Então é de se esperar uma abordagem de "esquecimento" desse pequeno fator histórico, de ser uma escorregada econômica da direita, mais uma vez na história da América Latina. 



O período neoliberal marcou os anos de 1990 com uma forma de política econômica que visava a diminuição do papel do Estado, esse era o mote que muitos políticos da direita da américa latina utilizaram para se aproveitar do contexto de fim da União Soviética, em 1991. A visão do "fim da história" ou as ideologias neutras coroadas como triunfo do centro político levaram os países da América Latina a contextos inflacionários nunca vistos antes.


Disponível no Telecine.

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