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Bonequinha de Luxo (1961): Inspirado em livro de Truman Capote filme aborda os paradigmas das mulheres depois da revolução sexual do século XX


Bonequinha de Luxo é um filme americano de comédia romântica dirigido por Blake Edwards, escrito por George Axelrod, e adaptado do romance de 1958 de Truman Capote "Breakfast at Tiffanys". Estrelando a atriz Audrey Hepburn como a romântica e liberal Holly Holightly, uma dona de casa que se casou adolescente e que fugiu dessa vida, passou a viver entre a alta sociedade de New York tentando se encaixar, e no caminho, se apaixona por um escritor, também pobre como ela. Ela conhece um brasileiro rico e quer tentar aprender de novo a ser esposa para poder ficar com ele. Filme lançado pela Paramount Pictures em Outubro de 1961, foi nomeado para 5 Oscars e ganhou 2, como também foi aclamado pela crítica e obteve sucesso comercial, foi selecionada para a biblioteca do congresso americano e 2012.  


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A obra de Truman Capote Breakfast at Tiffany's foi o que inspirou o filme e é um livro de 1958.  A heroína Holly Golightly é descrita como uma "inovadora feminista" na visão de Capote, de representa a geração da segunda geração do feminismo dos anos de 1960, ela abandonou seu papel como dona de casa no interior para virar uma "bonequinha de luxo" na cidade e tentar fisgar um rico, no caso, um diplomata brasileiro (possível futuro presidente), ao se envolver com o brasileiro, Holly abandona o romance meio platônico com seu vizinho e passa a treinar para querer ser esposa do brasileiro e abandonar seus impulsos de liberdade nova-iorquina. 



Na manhã cedo, um carro estaciona em frente a loja Tiffany & Co. enquanto Holly Golightly aparece estonteante com uma sacolinha contendo o café da manhã. Depois de olhar as lojas, ela volta para seu apartamento e tenta abandonar o seu encontro da noite anterior. 


Depois de entrar, Holly não encontra suas chaves, e ela vai incomodar seu vizinho Mr. Yunioshi para deixar ela entrar.  Ela vai visitar seu amigo mafiosa Sally Tomato, que está cumprindo pena em Sing Sing. O advogado de Tomato paga para ela $100 dólares para entrar seu "relatório do clima", enquanto ela sai, se encontra com a senhora Emily Eustace Failenson, uma amiga de Paul que o banca. Holly descobre que Paul é um escritor iniciante. 


Visitando Paul ela descobre que ele tinha sido um escritor que publicou um livro sobre vinhetas cinco anos antes. Ela explica para ele que está juntando dinheiro para ajudar seu irmão Fred que está servindo no exército.  O casal dorme, mas acordam quando Holly tem um pesadelo sobre seu irmão. Quando Paul pergunta, ela diz para ele não espiar ela. 


Holly compra Paul uma máquina de escrever para se desculpar e  convida ele para uma festa em seu apartamento. Paul conhece a agente de Hollywood que descreve Holly e sua transformação em uma garota do interior para uma socialite de Manhattan, e lá ela conhece o político José da Silva Pereira e Rusty Trawler, o nono homem mais rico da América abaixo de 50 anos. Holly fala para Paul que sente que está sendo seguida. 





Ele diz que vai procurar saber, mas acaba é encontrando o ex marido de Holly, Doc Golightly que explica que o real nome dela é Lula Mae Barnes e que eles se casaram quando ela tinha apenas 14 anos. Agora ele quer trazer ela de volta para o interior do Texas. Depois de Paul se reunir com Doc e Holly e ela fala para Paul que seu casamento foi anulado. Ela dorme com seu ex marido, mas não volta com ele quando ele vai embora de ônibus. 


Depois de beber juntos no club, Paul e Holly voltam para seu apartamento, e ela bêbada diz para Paul que ela quer se casar com Trawler por conta de seu dinheiro. Depois de alguns dias, Paul descobre que uma de suas histórias curtas serão publicadas. Paul conta que Trawler já se casou com alguém. Eles saem para um encontro fazendo as coisas que Holly gostava de fazer. Eles dormem juntos e ela vai embora da manhã seguinte. 


Paul termina o relacionamento deles e ela aceita depois de concluir que ele estava apaixonado por outra pessoa. Agora Holly quer casar com um rico brasileiro, José por conta de sua fortuna, depois disso, ela é informada sobre a morte do irmão em um acidente de jeep e começa a quebrar seu apartamento todo. Alguns meses depois ela convida Paul para jantar e conta que ela está indo embora no dia seguinte para o Brasil para continuar seu relacionamento com José.


 Acontece que eles são presos por ligação com Sally Tomato e Holly acaba passando a noite na cadeia. Na manhã seguinte, O.J Bernan, um amigo de Hollywood paga a fiança de Holly, e insiste que ela irá para o Brasil. No taxi ela coloca o gato para fora e Paul vai atrás do gato, eles encontram o gato  e se abraçam na chuva. 


Minha Leitura do Filme


O livro foi notório e faz parte da leva de livros do chamado New Journalism. Isso fazia abordar temas do universo moderno dos anos 1950. A contradição está na forma abordada no filme, que de propósito tendeu a apostar na estética como forma de rebelião. Holly faria parte assim, da chamada Segunda Onda do feminismo


Houve também nessa época a explosão e liberdade sexual vinda da invenção dos anticoncepcionais, o advento de festivais da juventude como Woodstock e o movimento hippie. Na França, por exemplo, o voto feminino só foi conquistado em 1945 (no pós Segunda Guerra e depois do Brasil), as mulheres casadas só puderam trabalhar sem a permissão do marido em 1965. Em 1969, Carol Hanisch publicou o slogan que ficou marcado para o movimento "o pessoal é político". 


Emily Eustace Failenson é uma rica com quem Paul tem um relacionamento parecido com os que Holly também tem em seus encontros, relacionamentos onde os parceiros ricos os sustentam, ou dão dinheiro em troca de sexo. É uma relação de prostituição bem óbvia, mas não é mencionado e explicitado em nenhum momento.




 É como se ninguém pudesse jogar na cara, mas fosse óbvio que tanto Paul e Holly são reféns de uma realidade desfavorecida e por isso ela não quer se envolver com ele. A referência a esse tipo de comportamento no filme vem quando Holly diz que para sair com um cavalheiro, sempre pede 50 dólares para "ir ao banheiro". 


Há uma cena super interessante onde Paul e Holly estão na biblioteca público e ele mostra para ela o livro que ele tinha escrito que estava na biblioteca, como eles ficaram animadas achando o livro, foram repreendidos por estarem na biblioteca pública, coisa que não aconteceu enquanto eles estava passeando na loja cara e super tradicional de joias nos Estados Unidos que se chama Breakfast at Tiffanys, explicando o nome da obra. 


Para Holly, estar na Tiffany, ou em locais fúteis é sua própria diversão. Na cena onde ela leva Paul para seu lugar favorito, ela pergunta e é muito bem atendida, se teria algo na faixa de US$ 10 dólares, não tinha nada de ouro, mas ela achou uma lembrancinha de prata. Denota um certo "amor ao mercado" e liberalismo típicos dos Estados Unidos.




A escola da diva fofa, Andrey Hepburn, ajudou a neutralizar de certa maneira a sexualidade de Holly, sua interpretação ficou marcada na história do cinema, junto também com seu visual "moderno" de mulher. O livro foca na aparente força da superficialidade das aparência e de seu uso útil na sociedade O uso por parte de Holly de sua sexualidade para conseguir um lugar na sociedade. Em muitos sentidos, a Holly do filme não tem nada a ver com as mulheres da Segunda Onda do feminismo, por apostar na aparência, ela faz ao contrário das mulheres dessa geração, que foram de longe, o movimento feminista mais radical, queimando sutiãs e parando de se depilar.  


A rebelião estética na figura de seu vestido pretinho básico diferia da estética da moda da mulher burguesa padrão (sempre exagerada), e do padrão de vestidos da elite (alta sociedade) americana feminina da época que era o vestido de algodão rodado das donas de casa. O interessante é que Coco Chanel já havia "refutado" o visual "bolo" na moda feminina  e as cores pastéis e óbvias e inventado assim o "pretinho básico", mas ninguém ficou tão marcada como ícone utilizando esse tipo de roupa do que Andrey Hepburn no filme. A ideia de prostituição de luxo e de utilizar da sexualidade para se dar bem é uma coisa cara ao tipo de literatura abordada no filme. 


Vale lembrar a famosa frase de Holly diz "Suponho que você acha que eu sou bem atirada. Todo mundo pensa, eu não ligo, é útil". O que demonstra que ela utilizava sua sexualidade de maneira consciente. No começo dos anos de 1960, o tipo de roupa mais atirada de Audrey Hepburn, sendo a personagem um grande modelo do estilo de sexualidade mulher moderna, foi o que disse Truman Capote em uma entrevista para a revista Playboy. 

 

Enquanto tendência literária, o personagem foi criado para ressaltar e promover a ideia de liberdade sexual feminina. Aparentemente, existe uma discussão profunda sobre o papel que escritoras e roteiristas feministas dão para o cultivo da imagem e a vaidade das aparências, como se a preocupação da aparência e o ganho de atenção por parte dos homens tornasse as mulheres que aderem a esse tipo de poderio masculino participantes do sistema de opressão de onde são cultivadas. A pergunta seria, era Holly feminista por ter fugido de um casamento forçada ainda adolescente com um homem que já tinha vários filhos de sua primeira esposa. 


Quando em 1958 o livro foi publicado, homossexualidade ainda era um tabu, e não era muito referenciado em filmes. A teoria de Foucault sobre a hipótese repressiva explica como a homossexualidade foi silenciada devido ao caráter controverso da natureza, anexada nos manuais como uma "doença mental". 


Isso tem a ver com a história por conta de personagens como Joe Bell (um garçom gay). Truman Capote achava que a maioria das prostitutas também eram lésbicas junto. Mas o filme matou um pouco o subtexto gay do livro de Capote. O narrador, chamado Paul Varjak, no livro é chamado de 'Maude', um termo para homens prostitutos nos anos 1950-60. Mas no filme o personagem é descrito como heterossexual. De acordo com o escritório de censura, temas ligados ao universo gay eram sistematicamente retiradas dos filmes. 


No livro há diversas sugestões de que Holly seria lésbica. A adaptação focou menos no caráter feminista de Holly e mais em seu envolvimento amoroso com Paul. A narrativa do filme tendeu para o abandono do caráter mais libertário do livro. Passando uma ideia mais de garoto conhece garota, tão comuns aos filmes, com um herói central branco, heterossexual comum, como é exigido para a indústria de cinema. 


Laura Mulvey, por exemplo, explica que a indústria americana sempre se utilizou de mulheres para fornecer prazer a narrativas de maneira que sejam agradáveis aos homens enquanto estética e narrativa. Ao colocar o papel do homem como maior, ao estilo "amor vence tudo" se diminui através do ponto de visto dos homens, sempre pressionados e ordenados para agradar audiências masculinas. 


O tema da superficialidade na literatura americana é antiga. A predisposição é associada com uma ideia de liberdade, mas não é somente isso. O ideal americano envolve também uma fantasia de fuga. A inovação presente no filme criou tendência e outros programas como Sex and the City seguem a mesma fórmula cosmopolita e de amor a cidade de NY que segue esse filme. 


O filme é extremamente ambíguo e aberta para diversas interpretações, como Holly escolheu o "amor" no fim, parece que o tempo todo sua busca era em torno disso. Mas no livro há um intenção maior na aleatoriedade de sua identidade, como se fosse necessário para sua sobrevivência o caráter blasé e frívolo de suas relações na grande cidade. Essa ideia de cosmopolitismo é muito viva no filme, onde todos se conhecem ou escutam falar dos problemas um do outro.  




Em um livro que aborda exatamente o carácter superficial desse tipo de liberação sexual mais capitalista do que exatamente feminista. O ponto era refletir que as mudanças drásticas da geração baby boomer trouxe novidades aos papeis representados por todas as mulheres, trazendo a possibilidade do divórcio e do trabalho fora de casa, quando muitas ainda tiveram que voltar depois da Segunda Guerra para o trabalho doméstico meio que forçadas, já que a guerra tinha terminado. 


Sua profundidade está no subtexto, enquanto o que vemos é um louvor falso a trivialidade e aleatoriedade. Na verdade, essas seriam as armas de Holly contra outros homens decidindo sua vida. Evidentemente, ela esconder que já foi do interior e casada muito jovem, demonstra essa mudança de perfil drástica e radical, isso demonstra a transformação de uma garota que casou apenas com 14 anos como dona de casa, e aos poucos na perda dessa identidade, como também na consequente perda da identidade de Holly, que quer viver uma terceira vida com o tal brasileira. 


No livro, On Lightness of World Literature, de Bede Scott (2013), relaciona Breakfast at Tiffany’s com o movimento artístico europeu do século XIX, denominado Esteticismo, considerando a novela de Capote superficial, através da sua transparência linguística e produção limitada de significados secundários. Algumas anotações podem ser observadas, a primeira é que existe um "culto da feminilidade verdadeira" nos Estados Unidos e Reino Unido, isso entre a classe média alta. 


Outro fator importante de referenciar é a publicação do relatório de Alfred Kinsey de 1948-53 que demonstrou a realidade das práticas sexuais de homens e mulheres para além do devir ser moral dos antigos manuais sexuais ensinados nas escolas. O relatório mostrava a diversidade real dessas práticas, como sexo antes do casamento e prática de masturbação, como também homossexualidade. Outro livro que agitou a época e provocou grande mudanças comportamentais foi o livro de Simone de Beauvoir, O Segundo Sexo


Bastidores da produção e contexto da época


O filme premiado foi escrito por George Axelrod, foi baseado na ideia bem modificada presente no livro. Capote que vendeu os direitos iniciais para a Paramount Studios, queria Marilyn Monroe como Hollt Golightly, que para ele era a descrição mais perfeita da personagem que escrevera no livro. Marilyn ia interpretar Holly, porém aconselharam ela que seria ruim para sua imagem interpretar uma "garota da noite", quando a Paramount contratou Audrey Hepburn, pegou Capote de surpresa e ele foi contra. 


O código moral da época e os críticos acharam que o filme ridicularizava a situação de prostituição e que na verdade, fazia uma caricatura materialista sobre como seria "natural" esse processo em uma cidade cínica e capitalista como NY, mas vai para além disso.


O testamento que Holly passa é um dúbio, ela é livre e independente, porém, ela pode trocar isso tudo se apenas o cara que ela se envolver for uma forma de "sugar dad", o que é nojento do ponto de vista da moral. Por outro lado, é o que garante sua vida moderna e sua liberdade sexual, no sentido da variedade dos seus parceiros. Alguns críticos dizem que a ambiguidade do jeito é tamanha, que é impossível formar uma opinião sobre. 


Foi oferecido antes o papel de Holly para Shierley Maclaine, mas ela também recusou, como também Kim Novak. Steve Mcqueen foi oferecido o papel de Paul Varjak, mas recusou por obrigações contratuais anteriores. O agente de Audrey queria um diretor mais famoso para fazer o filme e daí contrataram Blake Edwards para fazer o filme. 


A maioria das cenas exteriores foram filmadas na cidade de New York e todos os seus interiores, exceto para partes dentro da loja Tiffany's que foram filmadas nos estúdios da Paramount em Hollywood. Houve também um acidente que quase matou um dos membros da equipe de filmagem. 


Ao privilegiar o significado sobre o significante e ao dar mais atenção ao exterior do que ao interior, Scott acredita que Capote criou uma estética da legibilidade imediata, ao aliviar a sua narrativa de um peso suplementar, permitindo-lhe atingir uma qualidade libertadora, própria de um filme clássico da segunda geração de Hollywood.




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