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Belfast (2021): Diretor tentou retratar conflito entre protestantes e católicos na Irlanda do Norte, mas entregou apenas memórias de sua infância



Belfast é um filme de comédia/drama que retrata os tumultos de uma família protestante da Irlanda do Norte, escrito e dirigido por Kenneth Branagh, retratando sua infância em 1969 e Belfast na Irlanda do Norte, um local com alto índice de desemprego, e que a maioria dos moradores abandona e vai para a Inglaterra ou para os Estados Unidos em busca de melhores condições. O jovem Buddy (Jude Hill) sonha em um futuro melhor, comunitário e glamoroso, Pa (Jamie Dornan) e Ma (Caitríona Balfe), junto com os avós interpretados por Judie Dench e Ciarán Hins. O jovem vê a violência de perto e a sente como extrema, sua família é protestante, mas convive com a iminência de conflito a todo momento. Pa quer emigrar para Sydney ou Vancouver e deixar Belfast por ter melhores condições na Inglaterra, já Buddy quer ficar junto aos avós na Irlanda. Indicado a 7 categorias do Oscar 2022, contando melhor direção, melhor filme e melhor canção original

Acompanhe em qual streaming o filme está disponível


Kenneth Branagh é o diretor do filme e sua visão é de uma criança protestante no meio do conflito. A sua família deixou Belfast em 1970.  Belfast propõe uma visão de afeição do menino junto a seus parentes da classe trabalhadora, como seus avós. O filme foi filmado em sua maioria em preto e branco, e na localização da cidade capital do Norte da Irlanda. 


A música do filme é de Van Morrison, um também famoso irlandês de Belfast e está concorrendo ao Oscar na categoria de canção original.



O filme gira entorno da família de classe operária protestante Ulster, da perspectiva de um garoto de 9 anos. O pai de Buddy trabalha distante da família e sofre desconfiança dos vizinhos por causa disso. 






Ma, o irmão mais velho Will, os avós, todos vivem em Belfast. Durante os riots de 1969, um grupo de protestante leais atacaram as casas dos negócios dos católicos na rua de Buddy, e em uma das vezes, ele mesmo vai até a loja e rouba um "Omo" (sabão em pó). Os moradores fazem uma barricada para prevenir um conflito maior, e Pa acaba retornando para a casa da Inglaterra para ver como a família estava indo. 


A família vai a igreja, e o pastor faz uma retórica inflamada, típica dos protestantes. Buddy se apaixona por Catherine, garota local de família católica. Billy Clanton se aproxima do pai de Buddy e pede para ele se envolver mais "na causa", quando ele recusa, ele se torna agressivo enquanto a família deles luta para pagar as dívidas acumuladas. O pai de Buddy quer emigrar para Sydney ou Vancouver e fala isso pro filho no natal, mas a criança não quer se mudar e essa é uma das principais angústias do filme. Moira recruta ele para uma "gangue juvenil" e eles participam de um roubo no mercado, onde Buddy leva apenas um sabão em pó da Omo, que sua mãe faz ele devolver. 


No meio da confusão, eles fazem um abraço que funciona como proteção e que as crianças acabam se refugiando ali. O pai, Will e o exército britânico. Percebendo que eles não estariam seguros em Belfast, eles se mudam para a Inglaterra se despedindo de Catherine antes. 



Minha Leitura do filme


O filme foi bem, arrecadou de box office quase 42 milhões de dólares. Aborda também os tumultos (The Troubles) de 1969 e a campanha dos direitos civis. O exército britânico fez a partir desse momento ocupações. 


Os conflitos eram étnicos e religiosos, e duraram quase 30 anos, em um evento que é referido como "guerra de baixo potencial ofensivo". Grupos como o Ira (Exército Republicano Irlandês) em considerados terroristas(principalmente pelos ingleses) na visão do senso comum e todos os protestos da minoria católica de seguirmos a visão do filme, é injustificável e desnecessário pois iria contra a "família". 


Na história da Irlanda do Norte, esse evento de 1969 foi muito importante para definir a posição daqueles que não queriam que seus vizinhos católicos fossem linchados do lugar, por conta dos protestos sistêmicos organizados pela minoria católica. 




A situação só foi resolvida com a ideia do governo de "terceira via" representada por Tony Blair (primeiro ministro de 1997 até 2007), que era visto como um quadro aliado do grupo republicano e nacionalista da Irlanda, isso em 1998, e voltou a ser tencionada com o anúncio progressivo da saída do Reino Unido da união europeia. A questão é que devido ao passado de tentativa de independência e imperialismo inglês resultou na Irlanda do Norte hoje em dia ter ligação com a Europa e o Reino Unido formalmente não. 


Além da questão simples da religião, era um conflito entre o grupo  dos Unionists protestantes  e os loyalists (trabalhadores da classe operária protestante), isso entre os próprios protestantes Ulster, que queriam que a Irlanda permanecessem no Reino Unido, por mais que visse mal o processo de ocupação, mas tinham a cultura protestante e a crença inebriante no progresso, típicas do ideário protestante. Ao contrário dos nacionalistas irlandeses e republicanos em geral, que em sua maioria, faziam parte da minoria católica e trabalhista. Como mostrado de maneira suave no filme, eram criadas as chamadas "pieces walls" que eram formas de separar as comunidades para evitar a violência. 


As crianças do filme, como normalmente o perfil daqueles que protestam são os chamados jovens, crianças, "aqueles que acreditam na revolução", e clichês do tipo "talking about my generation". E sermões sobre ser errado o vandalismo e o roubo em lojas durante riots, típicos da visão protestante de mundo que condena veementemente o roubo, ao contrário dos católicos, que sempre defenderam no mínimo o roubo de comida para subsistência pelo menos; foi meio ridículo por parte do filme. Reduzir um evento histórico tão marcante apenas a perspectiva inocente e bonita da criança, parece reduzir a importância da História e investir em uma narrativa de esquecimento em torno de uma cultura de um pacifismo capitalista hedonista que se retira da história e do conflito. Exemplo maior não há do que o governo de Jair Bolsonaro, que é completamente contra o jovem. 


O que é bem representado pela cena onde ele é obrigado a entrar em uma "gangue" para roubar primeiro chocolate, e pega o pior possível segundo as meninas, mas depois no meio da possibilidade do saque, ele não sabe o que fazer, pobre coitado, é um menino protestante, mas ele parece querer entrar no riot, afinal, todos sempre querem, não é mesmo?  


A mensagem do filme pacifista e culturalista, ilustrando uma ideia de irmãos do norte entre todas as tribos (o que é bem legal de verdade em certo sentido), mas quando a mãe de Buddy questiona o guarda britânico negro sobre a violência, o filme ganha contornos contraditórios de crítica aqui. O filme pode cair no esquecimento histórico e esquecer por exemplo que o pior ainda estava por vir depois, em 1973, ano que o Reino Unido entrou da União Europeia. Vale lembrar a principal questão. O primeiro ministro do Reino Unido em 1973 era o membro do Partido Conservador Edward Heath, tanto o Bloody Sunday, quanto a entrada no Reino Unido na União Europeia datam desse ano. Ou seja, acusar hoje em dia os conservadores de contra a União Europeia é forma forma de esquecimento histórico. 


A visão do filme é que a Irlanda do Norte e os trabalhadores da classe operária católicas estariam errados de protestar contra a entrada do Reino Unido na União Europeia. 


A ideologia protestante presente no filme é clara. O autor Max Weber escreveu um livro muito importante chamado "A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (1905)" demonstra a ideia de uma ascese diferenciada que os protestantes teriam com o trabalho e com o próprio capitalismo. Se os católicos trabalhavam apenas para sobreviver, os protestantes queriam produzir o máximo possível, e em menor escala temporal. A ideia aqui é que o trabalho edifica não somente a moralidade da família e do homem.


Por mais bem intencionada que a história pode ser, não consegue se livrar de uma falta de interpretação de História factual. A sentimentalidade evoca uma forma de ocultar a História aqui, tornando tudo aleatório demais. Não é analisado em nenhum momento as circunstâncias materiais do tipo de família e sentimento retratado. O que torna o filme um pouco vazio. Quando o conflito entre a minoria católica e a maioria protestante surge, Buddy como é jovem e bobo quer ficar ao lado dos "rebeldes católicos" que são minoria local e histórica da Irlanda. 


Existe uma concepção historiográfica que acredita que a História pode ser abordada ou reconstruída através de "formas de sentir e de pensar". Corrente historiográfica mais popularizada pelo historiador Lucien Febvre, essa proposta tenta ao analisar os meandros psicológicos em paralelo com eventos históricos, para tentar fazer uma sociologia histórica dos acontecimentos e fatos. O problema é que Belfast tenta associar isso com uma certa perspectiva de "costumes incomum", de E.P. Thompson, antes dos conflitos. Porém, essa visão já pode ser vista como apaziguadora, e logo soa inadequada, já que parece querer ver o que seria o "lado bom" do conflito, ou dizer que está tudo bem, quando para varias pessoas obviamente não estava. Mesmo que sejamos contra o conflito, não podemos apagar a factualidade da História.


O governo dessa época era do trabalhista Harold Wilson, um ferrenho defensor da não ligação do Reino Unido com a União Europeia. Ou seja esses jovens do Belfast são como o partido Lib Dem atual, jovens ao estilo "Partido Novo".  Logo, soa muito individualista e liberal a proposta do diretor.


Isso ocorreu no Reino Unido com a questão política da saída do Reino Unido da União Europeia, um grande evento, que foi completamente mal entendido e mal posicionado pela mídia britânica e estrangeira. Na época era considerado radicalismo de direita, dos apoiadores de Boris J. Mas este não se vinculou, por exemplo a invasão da Ucrânia, como a maioria das universidades no Brasil fez.  Esse filme tem uma visão neoliberal onde o católico é o louco culturalista que atrapalha a boa moral e os bons costumes protestantes.  A população protestava contra a discriminação contra os católicos. O governo trabalhista (Labour), dizendo defender os católicos, e então mandam tropas para a província e esse bloqueio durou 25 anos. Os bandidos que vem em seu bairro querem a expulsão dos moradores católicos, apesar dele e de sua família serem protestantes


Produção e bastidores do filme


Belfast é um filme sobre envelhecimento de drama e comédia, e foi escrito pelo diretor Kenneth Branagh. Caitriona Balfe interpreta a mãe de Buddy e Jamie Dornan o pai e eles tem problemas pelo pai não querer se envolver mais com os grupos protestantes. 


O diretor descreveu seu filme como "seu filme mais pessoal", vendo o desvelar de sua infância na Irlanda em meio a sua família. O filme foi bem recebido pela crítica, e está participando em 7 catogorias do Oscar desse ano de 2022. 


A vida de buddy inclui ir ao cinema e ver os filmes clássicos, como The Man Who Shot Liberty Valance (1962), Matar ou Morrer, High Noon (1952), e Chitty Chitty Bang Bang (1968), como também um take da entrada clássica de Star Trek. Ele e seus amigos brigavam na rua, ao estilo, brincavam com a violência. Ele pergunta em certo momento se ele poderia se casar com quem quisesse, e o pai diz que ele pode gostar de alguém Hindu, da igreja batista, ou vegetariana anti cristo também. 


As memórias datam de quase 50 anos, e passam por eventos como a chegada do homem da lua, tudo isso acompanhado pelos olhos impressionados do menino, uma forma de dizer que começa ali uma forma de cultura mundo. 


O problema de Belfast é que a política é deixada de lado, e a história da Irlanda do Norte, tão tradicional e complexa precisava de uma abordagem mais descritiva. A questão é sentimentalismo da criança é um tema comum em filmes, através da criança sentimos um pouco do sentimento de todos (senso comum), mas isso não funciona aqui, pois o sentimento passado no filme por fim é apenas de confusão mental. 


Em certo momento, Harold Wilson aparece ameaçando mandar tropas britânicas para a província, outro momento é mencionado a baixa taxa de emprego, ou a referência deque o avó tinha sido mineiro (uma profissão antiga da classe trabalhadora tradicional), mas são apenas flashs mal explorados. 


O pior é o tratamento silencioso que é dado ao exército britânico no Norte da Irlanda. O que era apenas "protestos infantis" como dito no filme logo se tornou quase 30,000 tropas para em tese proteger a população católica local, nada simples, como mostrado no filme. O filme poderia contar o que realmente sugere pela data, pois faz 50 anos do aniversário do evento Bloody Sunday quando as tropas britânicas massacraram manifestantes pró direitos civis em Derry, uma importante cidade, deixando 14 mortos.


O filme ainda termina com o slogan clichê de filme mais antigo, "Para todos que ficaram, que deixaram parentes para trás. e todos aqueles que foram perdido". A ideia de que era um conflito "light" é bem errada, e pega aquela visão clássica pró europeia que vê nisso a salvação da pátria, e os ingleses como imperialistas sanguinários. A questão aqui em vigor é na verdade, o imperialismo britânico, que sempre se pensou enquanto uma commonwealth, no sentido de governar o eixo dos países que participam do Reino Unido, o processo de independência da Irlanda do Norte sempre foi uma pauta até mesmo da esquerda local. 


Com a questão do Brexit, a divisão da classe trabalhadora do Reino Unido tomou um rumo absurdo. O partido trabalhista não é eleito há quase 30 anos, com domínio total da hegemonia do partido conservador. Porque isso ocorre? Acontece por que o partido conservador consegue motivar mais a classe trabalhadora do que o próprio partido trabalhista atual, que está preocupado com a ligação com a Europa, com o culturalismo e esse tipo de agenda.  


Branagh não é grande diretor. Ele foi ator por quase 30 anos, fez um papel em Much Ado About Nothing (1993), uma peça de Shakespeare. Apesar disso, seu trabalho como diretor não tinha sido completamente bem sucedido em termos de crítica, mas Belfast foi gostado, com uma pesada campanha que suscita o "melhor de nós", fez as pessoas acharem que estão indo ver um filme fofo. Se pensarmos filmes que também querem falar de política, mas erram em sua abordagem relativista, podemos citar o complicado filme Jojo Rabbit. 


Apesar da indicação de Melhor Filme e Melhor Diretor, o filme é um pouco menos técnico do que seus concorrentes, mas por querer agradar pela tentativa de falar de valores familiares e amor humanístico do que focar no aspecto histórico da trama. Não vai ganhar melhor filme, não deveria ter sido indicado para melhor direção, que é confusão e atrapalhada, mas vai levar de melhor canção original com certeza. Um filme que vale assistir, porém nada mais. Vai ficar esquecido, com certeza.



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