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Matrix: Resurrections (2021): Qual a atualidade de Simulacros e Simulações para a realidade e o mundo virtual de hoje?




Dentro de Matrix, Thomas Anderson (Keanu Reeves) é um desenvolvedor de videogames de sucesso, criador de uma série de jogos baseada em sonhos de suas memórias fracas de ser Neo. Anderson continua encontrando Tiffany, uma mãe casada que o lembra de Trinity. Anderson luta para separar sua realidade percebida de seus sonhos. O terapeuta dele prescreve pílulas azuis para manter a sanidade. Anderson comanda um exemplo privado de seu jogo, fora da Matrix. Bugs, capitã da nave Mnemosyne, encontra o jogo executando o antigo código de Trinity. Bugs encontra um agente se comportando estranho, descobrindo que ele é um programa que encarna Morpheus, e ajuda a libertá-lo antes que o parceiro de negócios de Anderson, Smith, o apague. Bugs e sua equipe da resistência descobrem que Neo ainda está vivo, apesar de sua aparente morte no final da Guerra das Máquinas. Iludindo Smith, Bugs e Morpheus convencem Anderson que ele está vivendo dentro da Matrix, e Anderson concorda em ser extraído, novamente. Originalmente Matrix é inspirado no livro Simulacros e Simulação, do filósofo francês Jean Baudrillard



Neo acorda em uma cápsula e vê Trinity também confinada nas proximidades, mas grupos de máquinas enviadas por Bugs o recuperam antes que ele possa libertá-la. Neo é levado para a nave de Bugs. Morpheus revela que Anderson criou ele e Smith para ajudar Neo a se tornar o Escolhido. Neo é levado para o bastião humano, Io, onde ele encontra Niobe, que agora comanda a resistência. Niobe explica que 60 anos se passaram no mundo real desde a Guerra das Máquinas, e os sobreviventes humanos se aliaram a algumas das máquinas para combater uma anomalia que coloca em risco toda a Matrix. Niobe leva Neo para Sati, um programa de exílio que ele conheceu anteriormente, que explica que a anomalia foi criada após a Guerra da Máquina e de alguma forma ressuscitou Neo e Trinity e os isolou. Embora Neo queira resgatar Trinity, Sati adverte contra isso. Niobe ordena que Neo fique fora da Matrix. Eles desobedecem para ajudá-lo a libertar Trinity.




História por trás do filme


Enquanto faziam os filmes de originais de Matrix, as Wachowski disseram a seus colaboradores próximos que não tinham intenção de fazer outro filme para além da trilogia original. Em vez disso, deram sua bênção à produção dos games, que iriam "herdar o enredo". 


Rumores de um novo capítulo começaram a circular em blogs online e em 2011, quando foi relatado que os Wachowski estavam planejando dois filmes adicionais na série e tiveram discussões com Keanu Reeves sobre reprisar seu papel. 




Outro boato em 2014 dizia que as irmãs haviam submetido um tratamento de história para uma nova trilogia de Matrix à Warner Bros. Estes foram mais tarde confirmados como falsos. 


Em fevereiro de 2015, em entrevistas promovendo Destino de Júpiter (2015), Lilly Wachowski chamou um retorno a Matrix (1999) uma "ideia particularmente ruim nestes tempos" quando os estúdios preferem sequencias de franquias de fundo verde, reboots e adaptações sobre material original. Enquanto Lana Wachowski, abordando rumores sobre um possível reboot, disse que não tinha ouvido nada, mas acreditava que o estúdio poderia estar procurando substituir eles. 




Em vários momentos, Keanu Reeves e Hugo Weaving confirmaram seu interesse e disposição para reprisar seus papéis em potenciais futuros episódios dos filmes Matrix, com a possibilidade das Wachowski estarem envolvidas no processo criativo e de produção.


Personagem Niobe também está de volta


Segundo reportou a mídia estrangeira, Lana Wachowski, cocriadora de Matrix, teve a ideia de criar o novo longa enquanto estava em luto por seus pais e por um amigo. Ao participar de uma palestra no Festival de Literatura Internacional de Berlim, na Alemanha, em setembro de 2021, a cineasta contou que não tinha interesse em criar uma continuação para a trilogia até passar pelo processo de luto de pessoas tão próximas. “[A saga] estava concluída aos meus olhos e aos olhos de Lily [Wachowski]”, afirmou Lana. “Todo ano a Warner Brothers nos pedia para fazer um novo [filme] e todo ano eles nos mandavam um caminhão de dinheiro para as nossas casas: ‘Você poderiam ter isso!’ E dizíamos ‘não, não, não temos interesse”, brincou a diretora.




Mas tudo mudou em 2018, quando, em um período de cinco semanas, Wachowski perdeu o pai, um amigo e a mãe. “Nós éramos realmente próximos”, lamenta Lana. “Eu não sabia como processar aquele tipo de luto. Eu nunca havia experimentado isso tão de perto.”


Em uma noite, a cineasta estava chorando tanto que não conseguiu dormir. Foi quando a ideia para um quarto filme de Matrix surgiu. “Eu não podia ter minha mãe nem meu pai… mas eu ainda tinha Neo e Trinity, indiscutivelmente os dois personagens mais importantes da minha vida”, relata. “Foi imediatamente reconfortante ter esses dois personagens vivos novamente.” Primeiro, Lana compartilhou sua ideia para o quarto filme da saga com sua esposa e, depois, com amigos. Vendo a empolgação de amigos mais próximos, ela decidiu levar a ideia à Warner Bros, que topou produzir a continuação da saga.


Lily Wachowski, irmã de Lana e cocriadora de Matrix, é claro, também foi consultada e ficou animada com o projeto, mas decidiu lidar com o luto dos pais de outra forma. “Havia algo sobre a ideia de voltar atrás e fazer parte de algo que eu tinha feito antes que era expressamente desagradável”, confessou Lily em um evento virtual ocorrido em agosto de 2021.




Além de questões pessoais, Lily também havia se envolvido com outros projetos cinematográficos de grande porte: dirigiu A Viagem (2012), O Destino de Júpiter (2015) e a série da Netflix Sense8 (2015). “Eu precisava de um tempo longe desta indústria. Eu precisava me reconectar como artista e fiz isso voltando para a escola [de cinema] e pintando”, disse.


Matrix Resurrections foi então dirigido e roteirizado apenas por Lana Wachowski, que dedicou a obra a seus pais. Ao final dos créditos, a cineasta deixa uma homenagem a eles: “Para papai e mamãe: o amor é a gênese de tudo”, escreveu. E é essa a mensagem que, entre os diálogos filosóficos e as cenas de ação, ressoa na ideia do filme.


Entretanto, nem tudo são flores, e vários fãs sentiram falta do ator Laurence Fishburne como Morpheus. Sobre sua ausência o ator comentou: "Eu não fui convidado a me juntar a eles, o que é bom", disse ele ao Entertainment Tonight, continuando dizendo: "Estou esperançoso de que será maravilhoso e que satisfaça o público e que as pessoas vão adorar".


Razões pelas quais ele não está retornando apontam para uma mudança criativa para o personagem, mas o ator acha que a resposta final está na co-criadora de "Matrix", Lana Wachowski. "Eu não estou no próximo filme de 'Matrix', e você teria que perguntar a Lana Wachowski por que, porque eu não tenho uma resposta para isso", disse Fishburne durante uma entrevista ao Collider. Sendo assim, ele foi substituído pelo ator Yahya Abdul-Mateen II, que está na continuação de Candyman de 2021.




Análise e crítica do filme


Originalmente Matrix é inspirado no livro Simulacros e Simulação, do filósofo francês Jean Baudrillard. Baudrillard era um foucaultiano decepcionado e que se descobriu um marxista quando já estava mais velho. Nesse livro, o autor aborda os símbolos e signos, assim como o modo que estes se relacionam com a contemporaneidade através de existências simultâneas. 


Baudrillard afirma que a sociedade atual substituiu toda a realidade e significados por símbolos e signos, tornando a experiência humana uma simulação da realidade. Além disso, esses simulacros não são meramente mediações da realidade, nem mesmo mediações enganadoras da realidade; eles simplesmente ocultam que algo como a realidade é irrelevante para nossa atual compreensão de nossas vidas.


Segundo Baudrillard, existem três categorias de simulacros. Na primeira, o simulacro é natural, baseado na imitação da realidade. É otimista e utópico, consciente da impossibilidade de igualar representação e realidade (como se via, no período pré-moderno, nas pinturas, por exemplo). Nas palavras do autor: o mundo atual "é a ilha da utopia oposta ao continente do real". 


Na segunda categoria, o simulacro é produtivo, mecânico, metalúrgico, materializado pela máquina, produtor de potência. Ele surge no período da Revolução Industrial. Aqui, a cópia, produzida massivamente, ameaça a fonte, o objeto real, a referência originária. 


Na terceira categoria, o simulacro é cibernético, computadorizado. Ele se baseia na informação e controle total. Não há mais o "objeto real". O simulacro, aqui, precede qualquer referência e implode os modelos. Os signos saturam os valores simbólicos e escondem a realidade, que se tornou uma utopia inalcançável, tal como sonhar com um objeto perdido para sempre. O simulacro de primeira ordem é operativo; o de segunda, operatório; e o de terceira, operacional.


Capa do livro Simulacros e Simulações  no filme original de Matrix


As simulações são dificilmente dissociadas da realidade. Simular a loucura é estar louco. Simular um roubo será considerado roubo. Simular namorar, é namorar.


A verdade será uma simulação sempre que necessário, quando a simulação ainda não é hiper-real, ou quando deixa de ser hiper-real. Exemplos do Baudrillard: após a realização de vários sacrifícios em nome de um deus, será difícil que se reconheça que o mesmo não exista ou esteja errado, os sacrifícios perderam seus significados, sobrando apenas os prejuízos materiais e morais apenas aquele que realizou tais sacrifícios. Caso o mesmo deixe de acreditar, sairá da cenário ‘hiper-real’. Porém, poderá continuar a simular para conviver com o cenário hiper-real. Cultura e Contracultura são faces de uma mesma moeda. A Contracultura sempre será parte da cultura, relacionando-se entre si por meios dos mesmos simulacros, como a mídia.


O capitalismo como grande criador de simulacros e simulações, pode não só criar significados como resignificar os velhos. Como exemplo, a valorização de velhos costumes, que são vendidos segundo o autor como “faculdades perdidas”: veganismo, health e home food, valorização da comida caseira após a perda do hábito de cozinhar na rotina contemporânea. Essa seria a explicação técnica do “Raio Gourmetizador”. A valorização da caminhada como modalidade esportiva, após perda do hábito de caminhar como ação necessária; valorização de ver filmes na televisão mesmo havendo internet. Atividades que podem ser “romantizadas” para que haja desejo em sua prática como algo moderno, mas representam costumes já batidos e comuns ao arquipélago de coisas possíveis a se fazer, profissionalmente ou no tempo livre. 


Como na alegoria de Platão, afinal, como já contestam diferentes filósofos, o que garante que, ao sair da caverna, você estará de fato vendo a realidade? E se for uma simulação ainda mais sofisticada? Nesse ponto, que está mais alinhado à premissa de Matrix Resurrections, nada garante que “sair da Matrix” levará Neo à realidade. Aqui lembro também da importância do livro Construção Social da Realidade, de Berger e Luckmann. 


Neste sentido, pode-se dizer que a realidade social é uma construção simbólica desenvolvida por uma sociedade determinada. É importante entender a diferença entre a realidade objetiva (aquela que existe independentemente do observador) e a realidade subjetiva (“construída” de acordo com a perspectiva individual). A realidade social, neste sentido, é uma combinação de múltiplas subjetividades, que leva a que uma comunidade analise aquilo que acontece a partir de certos parâmetros, prejuízos, etc de sua própria visão cultural.


Após o primeiro filme da trilogia Matrix original, a produção convidou Baudrillard para ser consultor do segundo e terceiro filme, já que o filósofo havia criticado frontalmente o primeiro filme. Baudrillard recusou o convite, alegando que estava havendo um “mal-entendido” a cerca dos seus conceitos na adaptação dos filmes. “Matrix é certamente o tipo de filme que a Matriz teria sido capaz de produzir”, afirmou Baudrillard em uma entrevista ao “Nouvell Observateur” em 2003:


"O valor de Matrix é, principalmente, o de ser uma síntese de tudo isso (Show de Truman, Minority Report, Mulholland Drive). Mas a narrativa é muito crua e não verdadeiramente evoca o problema. Os personagens ou estão na Matriz, isto é, no sistema digitalizado de coisas, ou estão radicalmente fora dele, tal como em Sião, a cidade da resistência. Mas seria interessante mostrar o que acontece quando esses dois mundos colidem. A parte mais constrangedora do filme é que o novo problema colocado pela simulação é confundido com o tratamento clássico platônico. Esta é uma falha grave. A ilusão radical do mundo é um problema enfrentado por todas as grandes culturas e que é resolvido através da arte e simbolização. O que nós inventamos a fim de dar conta desse mal-estar é um real simulado, que doravante suplantará o real como a sua solução final, um universo virtual do qual tudo o que é perigoso e negativo foi expulso. E Matrix é, inegavelmente, parte disso. Tudo que pertence à ordem do sonho, utopia e ilusão é dada uma forma concreta, é realizado. Estamos na transparência sem cortes. Matrix é certamente o tipo de filme sobre a Matriz que a Matriz teria sido capaz de produzir".


Parece que foi esse o gancho mal explorado e explicado dos Matrix clássicos que gerou o quarto filme. Afinal, sempre me questionei se depois do terceiro filme Neo iria voltar a sua vida normal, pescar e fazer critica literária? Nem mesmo a história com Trinity foi bem resolvida na época, pois o foco dos filmes era criticar a estrutura. 


Acredito inclusive que foram essas brechas que deixaram livre para interpretações de incels e direitistas, que acreditam que Matrix falava para eles. Como ao ex-ministro da Educação do governo Bolsonaro, Abraham Weintraub, que se diz fã de Matrix e compartilhou em seu Twitter em 2020, que estava chegando a hora de "decidir", em referência da escolha entre a pílula vermelha e azul; e recebeu a resposta direta de uma das criadoras(Lilly): "Vai se foder!".



A questão é que esse ponto de inflexão entre revolucionar o sistema e felicidade pessoal, marcam o retorno de Matrix, onde agora a ideia é marcar que as criadoras possuem um pensamento progressista e mais à esquerda. É obviamente um filme mais democrata que republicano.


Sem dar spoiler, nessa versão de Matrix a vida pessoal dos personagens Neo e Trinity é melhor explorada dentro da blue pill, ou seja, dentro da Matrix. Pode parecer trivial, mas o fato de ele ser um programador é explorado pela primeira vez, e que pela repetição e estresse do seu trabalho já nem sente o efeito relaxante da pílula azul. Essa sequência serve perfeitamente para analisar profissionalmente a vida do artista, como um ator, e a repetição e o preparo para fazer um filme. A sequência onde Neo trabalha criando games, parece uma forma de expor para o público qual foi o clima de fazer os três primeiros Matrix, explicando inclusive os pontos negativos por uma técnica que envolvia um excesso de criatividade, mas que obviamente o filme Matrix em si era um projeto de esquerda. 



A Trinity dessa realidade é uma mecânica de motos e (só por sacanagem da Matrix) casada e com filhos. É bem legal explorar o fato da Trinity dessa versão não ser só uma "crazy girl with guns", tendo um backstage e profissão, mesmo que dentro da Matrix, e é essa a contradição do filme. 


Para ficarem juntos, eles vão ter que superar as barreiras tanto dentro, quanto fora do sistema da Matrix. Isso porque, o sistema da resistência se tornou complexo e burocrático, onde lutar por amor parece se colocar em risco atoa. Aqui há um foco maior no amor e sua relação com o mundo real e virtual de Matrix, algo só ensejado nos filmes clássicos.




Aqui voltamos a um debate que parece estar recorrente ultimamente nos filmes, sobre a revolução e o paradigma cultural romântico. Se a luta for totalmente real, não há pelo que lutar, mas se for meramente retórica e cultural, estará sempre fada ao fracasso. Isso significa que os novos filmes sabem que para agradar o público do cinema está difícil. Não basta entregar mais efeito especial e mensagem revolucionária sem desenvolver o pessoal dos personagens. 


Isso trouxe uma mudança sútil e interessante para Matrix: agora eles não apenas lutam desesperadamente para sair e enfrentar a realidade degradada do mundo real, da pílula vermelha. Eles também lutam para participar e usar a Matrix. 


Essa foi essencialmente a mudança que trouxe a importância e o peso para o personagem de Neil Patrick Harris, que está perfeito no filme e com um personagem que traz uma carga filosófica em seus diálogos, por ser o psicólogo de Neo, algo que trouxe uma profundidade genial ao novo Matrix. 




A essencial mudança é que também não basta despertar Neo que a mulher vai o "seguir" naturalmente, e o despertar de Trinity faz parecer que, na verdade, é Neo que a segue neste filme. Essa sequencia parece questionar: É possível uma revolução social sem incluir as mulheres? Não, por isso é necessário o romance, onde Trinity que ganha o destaque nessa sequência final, o que ficou muito bom por focar no público feminino e na desconfiança que esse público tinha com a trilogia original. Nessa versão ela exerce papel mais crucial que o de Neo na hora de "acreditar".


Porém nem tudo funciona. As lutas coletivas entre o pessoal da resistência, principalmente no início do filme, são sofríveis. Eu não lembro bem, mas na trilogia original não havia tantas lutas coletivas, a não ser aquelas com armas, como o icônico tiroteio da portaria do primeiro Matrix. Ficou parecendo uma cópia de X Men. O novo Morpheus também não convence. O ator é engraçado e irônico, e até encaixou bem, mas sua participação é inútil no filme, sendo muito mais para marcar a nostalgia do passado em torno do personagem e sua amizade com Neo. Na verdade, a Bugs parece cumprir a sua função. Os jovens também estão meio mal. Era para a gente se sentir representados por eles, como os jovens que tem a oportunidade de estar no universo que sempre sonharam ao terem a oportunidade de estarem ali fazendo o filme. Mas ninguém se esforçou muito não, tornando as vezes as transições da história sofrível de acompanhar. 


Fiquei na dúvida se foi legal ou preguiça, reencenar os movimentos de luta entre Neo e o agente Smith. Até que ficou esteticamente agradável, mas pareceu um pouco de desespero, tentando extrair até a última gota do néctar da nostalgia. Mas o agente Smith é feito agora por Jonathan Groff, de Glee, o que melhorou muito o personagem. Entretanto, a melhor cena de luta do filme foi a com Neil Patrick e o efeito de "tempo-de-bala" reverso. Bem criativo.



O filme brilha principalmente pela metáfora crítica que faz do próprio universo do entretenimento e do cinema. O filme questiona quantos filmes de fundo verde e super heróis ainda precisamos, uma vez que sabemos quem são os personagens e os resultados do final da trama. 


A indústria de mídia, o cinema atual, vendem a mesma história, com caras diferentes, e todo mundo aceita pois afinal questionar a ausência de tramas novas já uma forma de pílula vermelha: nem todos estão dispostos a tomar e aceitar que o espaço e papel deixado para o cinema dentro do sistema capitalista atual, o relega, como as artes em geral, para um status menor de puro entretenimento. O contraditório é que é a percepção dessa situação que está gerando novos filmes mais interessantes, como o próprio Matrix. 


O filme é mais claro ao que veio também. Obviamente quem tem uma visão mais conservadora ou negacionista, não vai curtir o filme. Ele é bem claro em ser defensor de pautas progressistas, vide o elenco muito mais negro, feminino, com atores abertamente gays como Neil Patrick e algumas posturas, como ser contra o linchamento, a polícia, e o julgamento social. 


Você vai ler ao contrário por aí, mas esse filme é muito mais amigo da internet e da tecnologia do que os outros três filmes de Matrix. Nos Matrix clássicos, o computador e a internet eram vilões, simulacros, que te mantinham em uma realidade pseudo. Agora, há obviamente uma visão de que parte de tomar a pílula vermelha implica saber utilizar as mídias e a internet de maneira estratégica e harmoniosa como ferramentas. Uma visão muito mais madura e realista. Obviamente a Covid-19 teve um impacto aí. A visão de simulacros e simulações da sociedade, que poderiam antes ser algo interpretado como apocalíptico, hoje se torna uma mentalidade que busca proteção e respeita a ciência, pois sabem que as datas e convenções sociais são simulações que podem ser adiadas. Ou seja, o pessimismo dos comunistas e dos paranoicos, assim como das teses de Baudrillard em Simulacros e Simulações, até que fazem sentido cientificamente no século XXI.




No final, Matrix Resurrections peca um pouco como filme de ação ao longo de sua trama, mesmo que o final seja muito bom e combine bastante com a proposta e o tom do filme. Os efeitos especiais até que são legais e bem empregados, mas não soam e impactam como na trilogia clássica. A fotografia, por sua vez, está bem melhor. A atuação, principalmente de Keanu Reeves e Carrie-Anne Moss, está muito boa, trazendo um pouco da imagem que o ator tem nas mídias sociais e memes de ser um cara humilde e gente boa, enquanto o Neo original era um pouco mais arrogante. E na dinâmica do grupo e dos novos personagens, há obviamente uma influência meio Marvel, como de Guardiões da Galáxia, onde buscam estabelecer uma pegada meio cômica para o grupo. Não funciona muito comigo, mas talvez funcione com os mais jovens e crianças.


Só que mais do que tudo, é um perfeito filme de fã! Corrige todos os pontos contraditórios e errados da mentalidade dos filmes clássicos, e que foram utilizados pela mentalidade golpista e bolsonarista utilizada no Brasil dos últimos anos. A ideia de "saia da Matrix" foi muito utilizada desde pelo menos 2013, como lema contra o PT e que defendia que o partido era corrupto e que uma mudança política deveria ser feita. Bom, tá aí mudança: Bolsonaro. E esse filme atualiza sua ideia original, ao buscar o ponto da necessidade de mudar e se rebelar contra esse sistema que considera Bolsonaros e Trumps aceitáveis, ao mesmo tempo que busca o romance e a felicidade pessoal, marcando uma mudança importante de postura tanto da audiência americana em geral, percebida e canalizada de maneira positiva pela Warner. 


Não acho que seja reconhecido pela Academia, mas quero mais filmes que consigam convergir elementos de filmes cults e da cultura pop de maneira geral assim, sem que fique exagerado ou presunçoso no final. 


 Está nos cinemas e em breve no HBO Max.





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