Pular para o conteúdo principal

Tormenta: análise do livro que narra segredos do governo Bolsonaro


Foto de Alceu Chiesorin Nunes
            O livro “Tormenta – O governo Bolsonaro: crises, intrigas e segredos”, da jornalista Thaís Oyama, se propõe a tentar desvendar o modus operandi do bolsonarismo, ou seja as ideias e a forma que inspiram o modo de operar do governo.          

                     Qual foi a primeira vez que você ouviu falar de Bolsonaro? A primeira vez que vi Bolsonaro foi em entrevista ao Jô Soares, em 2005. Lembro que as falas e a linguagem corporal de Bolsonaro eram ensaiadas de maneira a expressar uma “verdade oculta” sobre criminalidade que não se via, utilizando de casos e fatos absurdos. Era tão peculiar que Jô e a plateia riam incrédulos, por considerar piada de um humorista ou por acharem que tais opiniões enterravam sua relevância política. “Vai me dizer que você é contra a pena de morte também?!” disse Bolsonaro, ao que Jô responde “É claro, nunca resolveu nada em lugar nenhum do mundo”, e Bolsonaro lança a frase “Eu nunca vi um condenado voltar a executar alguém”, despertando gargalhadas e palmas da plateia pelo nível da incongruência da fala. Aquela postura média de aceitação e espera por risos foi onde Bolsonaro se criou, fazendo todos rirem do que não tinha graça. Se soubessem que ele viraria presidente anos depois, talvez aquelas falas não despertariam os mesmos risos. 


         Mas essa entrevista ficou esquecida na minha mente e na de outros, e a primeira vez que de fato passei a associar o nome Bolsonaro a pessoa foi em 2011 no CQC, no quadro “O Povo Quer Saber”, onde pessoas faziam perguntas a Bolsonaro e ele respondia agressivamente todos. Depois disso, o momento do impeachment de Dilma Rousseff na Câmara e o voto a favor de Bolsonaro citando o militar Brilhante Ustra em seu discurso foi provavelmente o momento que todo o Brasil passou a saber quem ele era. Só que todos esses momentos não conseguem explicar de maneira exata como Bolsonaro conseguiu chegar a presidência e muito menos o modo de funcionamento de seu pensamento e governo.


       O livro “Tormenta – O governo Bolsonaro: crises, intrigas e segredos”, da jornalista Thaís Oyama, se propõe a tentar desvendar o modus operandi do bolsonarismo, ou seja as ideias e a forma que inspiram o modo de operar do governo. Ela é a jornalista que Bolsonaro se referiu como "aquela japonesa" ao ser questionado sobre seu livro por repórteres. Autora também do livro “A Arte de Entrevistar Bem” (2008), Oyama não revela em seu livro qual foi o método para chegar as informações contidas ali, mas em entrevistas afirma que utilizou da técnica de reportagem e entrevistas com os personagens envolvidos no governo e pessoas que tem acesso a esses e confrontando as várias versões. Procedimento rotineiro dentro da verificação jornalística, é muito questionável. Vários autores complexificam o formato da entrevista. Cremilda Medina, em seu livro “Entrevista”, afirma que “o entrevistador deve investir, de imediato, na própria personalidade para saber atuar numa inter-relação criadora”. Isso quer dizer que tudo que Oyama afirma no seu livro passa por um filtro do seu próprio ponto de vista, que nunca é neutro. Entretanto, o ineditismo e a veracidade são secundários no livro. Se o livro fosse de comentários das notícias sobre o governo, ele ainda assim seria interessante por desnaturalizar a agenda e a sucessão de acontecimentos e declarações de Bolsonaro. Em outras palavras, o problema não é tanto o que Bolsonaro diz mas sim o que Bolsonaro faz.


                  Logo no prólogo, vemos Bolsonaro em 3 momentos diferentes. O primeiro ainda em 2015 em uma conversa com Alberto Fraga, dizendo que gostaria de tentar ser presidente, ao que Fraga respondeu com um "Cê tá louco?", e Bolsonaro, ainda deputado de pouca relevância da câmara, retrucou dizendo que ficaria feliz se fizesse 10%. Já o segundo momento é em 2016, durante a votação do impeachment, ocasião da homenagem a Brilhante Ustra. Só que a autora narra esse momento por um ângulo desconhecido, onde Bolsonaro se gaba de seu discurso mostrando-o a Fraga nos bastidores. Esse ponto de vista mostra como Bolsonaro gosta de causar com polêmicas, e quando ele citou Ustra foi menos por ideais radicais do que por querer chamar atenção. Esse caso é um ótimo exemplo de como o pior não é o que Bolsonaro diz mas sim o que ele faz, pois o teor de sua fala foi agendado apenas para instigar. O terceiro já é em 2018 com Bolsonaro eleito, na ocasião de ser recebido por Temer para organizar o governo de transição. Os lábios de Bolsonaro tremiam de nervoso, o que Oyama usa como peripécia quase literária. Na verdade, varias vezes seu livro possui descrições minuciosas, parecendo uma peça ou uma novela, com falas e atos teatrais, que não se sabe se são da descrição da autora ou do caráter caricato e encenado das ações do presidente. 



                Já no primeiro capítulo, somos levados ao pronunciamento de Bolsonaro em Davos, em 22 de janeiro de 2019. No ano anterior, Temer havia discursado por 20 minutos, e Bolsonaro, que flertou fortemente com a possibilidade de não ir ao evento, não falou muito mais do que 5 minutos. Em seu discurso afirmou que queria "resgatar nossos valores" e "defender a família", ressaltando ainda as "belezas naturais do país". Não colou. Seu discurso foi considerado, como afirma Oyama, "anticlimático" e "provinciano". Já nos primeiros dias, o governo tropeçou quando Bolsonaro anunciou que poderia reduzir teto da tabela do Imposto de Renda de 27,5% para 25%, ou seja, aumentar a cobertura do imposto de renda. Ao que ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), respondeu com um "Ele se equivocou".


Onyx em entrevista a Band, afirmou que o importante era se acertar com "meu Deus" e mostrou sua tatuagem



               A autora passa então a elencar como os ministros foram indicados a Bolsonaro. Aqui temos um ponto interessante, que é como funciona o sistema de indicação de ministros do Brasil. Desde Sarney, passando por FHC, Lula e até Dilma, os ministros eram indicados através das coligações, respeitando a proporcionalidade. Se um partido possuía grande números de filiados e deputados, tem necessariamente mais tempo de propaganda. Se sedia mais espaço ao candidato da coligação, logo tinha mais indicações. Bolsonaro e assim como Temer, inauguraram as indicações livres, onde se indica por relação ideológica ou pessoa. O resultado já é conhecido.



             General Heleno, Onyx e Gustavo Bebianno vieram da campanha Bebianno foi o principal articulador da campanha de Bolsonaro, sendo o responsável por atrair o público de centro para a campanha. Já o astronauta Marcos Pontes foi indicado para a ciência e tecnologia apenas por admiração de Bolsonaro. Já Ernesto Araújo só ganhou as Relações Exteriores por ter publicado o artigo "Trump e o Ocidente", no caderno de Relações Exteriores do Itamaraty. Segundo ele, Trump faz “não  uma  doutrina econômica  e  política,  mas  o  anseio  por  Deus,  o  Deus  que  age  na  história” contra o “marxismo  cultural  globalista”. Tereza Christina e Mandetta, ambos do DEM, são indicações de Onyx. Já Damares Alves é um dos segredos de Bolsonaro. Ela só foi indicada por causa de Magno Malta, do antigo PR atual PL, que foi de possível vice de Bolsonaro, ao que ele mesmo recusou, indo para não ser nem mesmo eleito. Seria Magno Malta o ministro, mas como Malta se envolveu em um caso de adultério que levou a separação com sua esposa, Michelle Bolsonaro travou a presença de Malta no governo, por achar que como evangélico ele não poderia fazer aquilo. Já o primeiro ministro indicado para a Educação, Ricardo Vélez Rodrigues, foi indicação de Olavo de Carvalho, filósofo que serve de guru a família Bolsonaro. Mas depois de Vélez pedir para que os professores das escolas de todos país filmassem seus alunos candando o Hino Nacional e enviassem ao MEC, fazendo Olavo destilar críticas a ele no Twitter, Bolsonaro decidiu demiti-lo.



                           Fora dos empresários, que ficaram decepcionados com Alckimin e não confiavam em Lula ou Ciro, Bolsonaro também teve aprovação e apoio fundamental do General Villas Boas. Durante o clima de disputa em 2018 entorno da prisão de Lula e se ele teria direito a concorrer a eleição ou não, Villas se reuniu com equipe e outros, no dia 3 de abril, para postar um comunicado que acabou virando um primeiro tuíte, que dizia: "Nessa situação que vive o Brasil, resta perguntar às instituições e ao povo quem realmente está pensando no bem do País e das gerações futuras e quem está preocupado apenas com interesses pessoais?".  Seguindo por um outro tuíte: "Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais". A nota foi lida por William Bonner no Jornal Nacional, e a parte "repúdio à impunidade" deixou a mensagem clara: ou deixa prender o Lula ou vai ter golpe militar. Apenas 4 dias depois Lula foi preso. Mas em julho de 2018, a candidata a vice-presidente na chapa do PT, Manuela D'Avilla (PCdoB), tirou foto com Villas Boas e divulgou em suas redes sociais.



                    Villas Boas não tinha intenção clara de apoiar Bolsonaro em seu pronunciamento, mas sim a Alckimin, pois Bolsonaro não era muito bem visto pelos generais e o alto comando dos militares. Isso porque por muitos anos Bolsonaro foi conhecido como o "capitão da bomba". Em 1987, a revista Veja apresentou um plano liderado por Bolsonaro, ainda na ativa, de instalar bombas na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (ESAO).


Veja, 1987



                       Muito afirmam que esse caso é "fake news" pelo fato de o processo e julgamento perpetrado pelo Exército terem o inocentado. Mas o caso fez a fama de Bolsonaro entre os praças e soldados. Isso fez Bolsonaro ser eleito vereador em 1988, com 11 mil votos. E em 1989, devido o processo da bomba, Bolsonaro foi expulso junto com sua mulher do apartamento funcional do Exército onde habitava na época. Durante o tempo como vereador, se dedicou a mandar cartas e mais cartas para viúvas e mulheres de militar que conheciam ou via nos noticiários. O resultado dessa ação veio em 1992, quando Bolsonaro organizou uma marcha das esposas dos militares para Brasília, já que é crime as Forças Armadas se manifestarem. As rusgas com os superiores, só foram superada em 2011 no contexto da criação da Comissão da Verdade, que Bolsonaro foi radicalmente contra.




                                       Daí, Oyama engata em falar sobre a trajetória do General Heleno. Algumas vezes a sucessão de assuntos não conectam, como nessa parte. Talvez os assuntos pudessem ser melhor organizados pelos capítulos. Heleno, conhecido como desbocado, é apresentado em um passado quando ainda na ditadura se voltou contra Geisel, em apoio a Silvio Frota para que assumisse a sucessão do regime, ato que o próprio Heleno hoje considera desmedido. Tanto que estavam ao seu lado na situação o famoso Brilhante Ustra e o major Curió, que matara militantes do PCdoB no Pará. General Heleno ganha "fama" ao ser primeiro comandante da Missão das Nações Unidas no Haiti durante o governo Lula. Apesar disso, Heleno não gosta do PT, não gosta de Lula, não gosta de Dilma e nem mesmo de Fernando Henrique Cardoso. Entrou para o governo  Bolsonaro, mas já havia dito que o considerava um "despreparado", ao que Bolsonaro respondeu "deixa o velhinho pra lá".


General Heleno no Haiti
         
          Os empresários foram trazidos para a campanha de Bolsonaro através do empresário  Fabio  Wajngarten, agora chefe da  Secretaria  de  Comunicação  Social  do governo, que pegou Coronavírus. O encontro foi na sua  cobertura  no bairro  dos  Jardins,  em  São  Paulo. 62  empresários  para ouvir  as  propostas  de  Bolsonaro. Em  julho,  o  candidato  já  havia  se reunido  com  pesos  pesados  como  Candido  Bracher  (Itaú  Unibanco),  David Feffer  (Suzano),  José  Roberto  Ermírio  de  Moraes  (Votorantim),  Pedro Wongtschowski  (Grupo  Ultra)  e  Marcelo  Martins  (Cosan), Abilio Diniz (Carrefour), Luciano  Hang (Havan),  Meyer  Nigri  (Tecnisa),  Flávio  Rocha  (Riachuelo),  Sebastião Bomfim  (Centauro),  Bráulio  Bacchi  (Artefacto)  e  José  Salim  Mattar (Localiza). O que os unia a Bolsonaro? Todos serem contra Lula e temerem sua vitória.

Luciano Hang, o "Veio da Havan", é empresário que se beneficiou do crescimento do governo Lula e agora é apoiador fanático de Bolsonaro
            
            No capítulo seguinte, vemos como Bebianno, recentemente falecido, aderiu a campanha. Essa é uma parte importante pois Bebianno brigou com o governo, sendo demitido com apenas um mês de governo. Bolsonaro e seu filho Carlos desconfiaram de uma postagem de Bebianno e que ele poderia estar vazando informações para a oposição e para a mídia. Segundo o livro, ao ser demitido, Bebianno "chorou como criança" nos ombros de um coronel e junto a Villas Boas que acompanhava a cena, mais uma das peripécias quase hilárias do livro.

            Advogado formado pela PUC-RIO, Bebianno se aproximou de Bolsonaro como fã. Começou sua admiração quando viu que Bolsonaro gostava do polêmico Clodovil, apresentador e ex-deputado já falecido.  A demissão de Bebianno aconteceu pois o clã Bolsonaro havia vazado informações sobre Queiroz e o esquema de candidatos laranja nas eleições. Como foi expulso do governo, caiu para cima, se filiando ao PSDB do Rio de Janeiro, por onde tentaria ser prefeito da cidade do Rio. Entretanto, Bebianno faleceu aos 56 anos, no dia 14 de Março de 2020, morte que muitos consideram oportuna pois junto se enterrou todos os segredos da campanha de Bolsonaro. Tanto que Bebianno seria ouvido na CPI das Fake News. Seu amigo empresário, Paulo Marinho, foi junto com Bebianno para o PSDB. Paulo Marinho cedeu sua casa para Bolsonaro gravar sua campanha em 2018. Mas foi visto conversando com o colunista do O Globo Lauro Jardim, o que desperta ódio da família Bolsonaro.   

Bebianno era o canal principal dos segredos bolsonaristas

                Foi Bebianno que costurou a entrada de Bolsonaro ao PSL. Desde que havia deixado o PSC por esse coligar com o PCdoB em algumas regiões, Bolsonaro buscou um partido para disputar a presidência. Como sua estratégia implicava em fazer uma eleição 90% online, o tempo de TV e rádio não interessavam, por isso buscava qualquer partido que pudesse controlar. Primeiro foi o PEN, atual Patriotas. Bolsonaro quase se filiou ao partido tendo inclusive sugerido a mudança de nome, mas desistiu após saber que o partido tinha na justiça um pedido pelo fim da prisão em segunda instância, medida que beneficiaria Lula que poderia ser solto e concorrer as eleições.


                 “Tu  sabe  o  que  tu  vai  fazer?  Vai  enterrar  a  tua  candidatura.  Esse  partido aí  é  contra  a  prisão em  segunda  instância, a  favor  do Lula.” disparou Magno Malta. Acabou indo para o PSL de Luciano Bivar, figura conhecida na política de Pernambuco, correndo inclusive a história de que havia mandado matar uma ex namorada que estava grávida, algo nunca comprovado. A filiação de Bolsonaro ao PSL gerou uma "onda" de filiações, e vários candidatos em 2018 só foram eleitos em cima de serem o "candidato de Bolsonaro". Nessa foram policiais e delegados, principalmente da policia civil e federal, e até Hélio Negão, amigo pessoal de Bolsonaro há mais de 20 anos e que se elegeu com alcunha de "negão do Bolsonaro". 


Hélio "Negão"

                Já Sérgio Moro veio da sua atuação na Lava Jato, principalmente no contexto da prisão de Lula. Porém, diferente dos demais Moro foi o único a se arriscar de fato ao ir ao governo, pois abriu para o questionamento de sua isenção em julgar Lula. Só que quando presidente, Bolsonaro saiu do PSL em um confronto com Bivar após um video ser postado na internet onde afirmava que o presidente do PSL estava "queimado" em seu estado.

                   Ainda em 2018, com as afrontas e declarações de Bolsonaro, Bebianno alertou que alguém poderia tentar matar Bolsonaro. Em uma passeata em Juiz de Fora, Bebianno recebeu orientações de um policial federal de que a caminhada poderia ser perigosa. E no dia 6 de Setembro, Adélio Bispo de Oliveira esfaqueou Bolsonaro durante a passeada. Adélio era servente de pedreiro e ex filiado do PSOL, saindo em 2014. Muitos afirmaram que a facada foi falsa, se tratando de uma ação de marketing. O livro não diz, mas Oyama desconfia do que muitos de nós também desconfiam: "Teria vencido sem a facada?". Provavelme não, já que foi ela que diminuiu a rejeição de Bolsonaro com o centro.


              A escolha do vice também gerou uma trama. Mourão foi apenas a quinta opção. A primeira, como já dito, era o evangélico Magno Malta. A segunda opção era General Heleno em um  esquema com o PRP.  Mas Heleno não conseguiu se filiar ao PRP. A terceira opção foi dada por Bebianno, que tentou costurar Janaína Paschoal, autora do impeachment de Dilma Rousseff. Só que quando Janaína Paschoal falou que não deveríamos ter um "pensamento único" para não fazer um "PT ao contrario", esfriou. Então veio o "príncipe", Luiz Phillipe Orléans. Mas amigos da PF deram a Bolsonaro um dossiê que dizia que o príncipe fazia "surubas gays" e tinha um grupo que espancava mendigos nas madrugadas do Rio de Janeiro. O príncipe negou as surubas gays, mas nada disse sobre os mendigos.



           A conta @MouraoGal postou:  “Saindo  um  pouco  da política,  alguém  indica  um  bom  psiquiatra  no  RJ?  Especialista  em  vício em redes  sociais,  mania  de  perseguição  comunista,  alucinações  soviéticas  e transtorno bi-primo-polar?  É  para  o filho de  um  amigo meu. Urgente". Referência a Carlos Bolsonaro e a um suposto caso que ele teria com seu primo, Léo Índio. Uma crise a que Bolsonaro disse esperar ser "fake news". A conta era falsa, mas a briga entre Mourão e Carlos Bolsonaro é verdadeira. Mourão com seu jeito aveludado, diferente do escrachado Bolsonaro, passou a ser considerado o "Mozão", como é conhecido nos ciclos de jornalistas. Tanto que quando Mourão foi convidado para um evento do MIT com Harvard, tirou uma foto com FHC que foi mal vista nos ciclos bolsonaristas, afinal Bolsonaro já havia dito que o fuzilaria. A foto fez Marco Feliciano entrar com pedido de impeachment contra Mourão. A tática é parecida com a utilizada contra o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e também Joice Hasselmann. Primeiro atacam pelas redes sociais para chamar a pessoa para briga, depois se mata de vez a imagem da pessoa e a afastando do presidente. No último domingo (15/03), apoiadores de Bolsonaro foram as ruas manifestar-se pelo fechamento do congresso e do STF, com cartazes com "Fora Maia". 


Mourão quando assumiu a presidência em viagens de Bolsonaro tentou agradar a imprensa e parecer "legal"


                    A postura radical das redes bolsonaristas fez o General Santos Cruz dizer que a comunicação do governo deveria ser "disciplinada". E então a militância digital bolsonarista começou a pedir o #ForaSantosCruz. Alguns afirmam que parte dos ataques vieram do assessor de Bolsonaro, Filipe Martins, que lidera o grupo de social mídia de Bolsonaro, conhecido como "Gabinete do Ódio". Martins é seguidor de Olavo de Carvalho, que odeia os militares, tais como Mourão, Santos Cruz e outros. Olavo é seguidor de Arthur Schopenhauer, e segue sua filosofia que diz que não se deve trocar ideias com seu adversário em um debate, mas sim atacá-lo com sentido de o desmoralizar. 



                           Já o ministro da Educação, Abraham Weintraub, foi o motivo dos principais protestos contra o governo. Em uma entrevista para o Estado de São Paulo afirmou que 3 universidades federais já tinham as verbas cortadas em 30% por motivos de "balbúrdia", seu nome para atividades políticos partidárias nas faculdades. As faculdades eram: Universidade de Brasília, Universidade Federal da Bahia e Universidade Federal Fluminense (esta por onde se formou este humilde blogueiro que vos fala). Pouco depois compartilhou em suas redes um texto de autoria de um candidato a vereador do Partido Novo, que dizia que sem os "conchavos tradicionais", o Brasil era ingovernável. O que foi corroborado por Bolsonaro, que declarou  que "o grande problema do Brasil é a classe política", como se ele não fosse político. 


Um dos primeiros vídeos de Weintraub no governo, onde afirmava que estava sendo vítima de uma chuva de fake news


          Esse foi o período mais tenso do primeiro ano do governo Bolsonaro. Ele e seus filhos começaram a flertar fortemente com o autoritarismo, dizendo que só teriam poder para governar com o fechamento do Congresso e STF. Eduardo Bolsonaro depois falaria em um novo AI-5. Carlos Bolsonaro atacou Maia quando seu sogro Moreira Franco (PMDB) foi preso. Parte dos militares se questionava se Bolsonaro não poderia ser substituído. Dias Toffoli, presidente do Supremo, afirmou que nenhuma  tentativa de derrubar o presidente passaria pelo STF. Isso jogou água fria na crise. Meses depois, em setembro, Tofolli, afirmou que esteve em curso um plano de golpe nos meses de Março e Abril. Boatos dizem que Mourão chegou a se preparar para assumir a presidência. Nessa época Dias Toffoli também tomou frente no "inquérito das fake news" para tentar combater o inflamamento das redes sociais, que  inclusive atacavam o STF e o ministro. Só que nessa, censurou a revista digital Crusoé e o site O Antagonista por reproduzirem uma matéria onde Marcelo Odebrecht falava de um esquema com um "amigo do amigo de meu pai", onde o pai seria Lula e Toffoli seria o amigo, mas a matéria não acusava o ministro. O caso mostrou que as coisas estavam tensas, e mesmo uma pauta menos relevante como fake news estavam ganhando proporções de disputa política.

                             Isso fez com que Maia traçasse um plano de tocar uma agenda econômica própria, nos modelos de um primeiro-ministro. Só que isso também implicou na Reforma da Previdência. As reportagens do site Intercept Brasil, que demonstraram o juiz Sérgio Moro combinando julgamentos da Lava Jato com o procurador Deltan Dallagnol, principalmente contra Lula, ajudaram a frear o modo de operar do bolsonarismo. 


Boneco inflável em apoio a Sérgio Moro vestido como Super Homem


                                 Já o ministro Paulo Guedes, é uma figura quase a parte. Ele flutua no governo com certa independência, tanto que sua luta dentro do governo é provar um ponto pessoal: que os acadêmicos da PUC e da FGV do Rio estavam errados em não considerá-lo um bom acadêmico de economia.  Isso faz parecer na narrativa do livro que Guedes está alheio ao governo, e seu plano econômico não daria certo mesmo que fosse perfeito. Isso faz com que mesmo que Guedes seja um personagem neoliberal na linha do PSDB, e como "social-democrata" deveria ser a favor de pautas humanistas e ecológicas, por exemplo. Tanto que o assessor especial de Guedes é Guilherme Afif, que foi ministro  no governo Dilma. 



           Só que o governo Bolsonaro é uma forma de "Frente Ampla de Direita", pois reúne tendências que disputam entre si, como a disputa dos filósofos de direita contra os militares. Tanto que Olavo de Carvalho já foi chamado de "Trotsky de direita" pelo general Santos Cruz. Isso faz com que pautas como a Amazônia sejam alvo de disputa. Por exemplo, o setor de olavista é a favor de entrar nas tribos e da extração de jóias preciosas e madeiras em territórios indígenas. Já os militares são contra e acham que as tribos devem ficar como estão, mas de baixo da tutela dos militares. Por isso que quando Macron criticou a política de meio ambiente de Bolsonaro, apresentando inclusive uma foto fake, o tiro saiu pela culatra e enfraqueceu a esquerda: Bolsonaro ganhou apoio de todos os setores da direita apesar das oposições e crises internas. 


Foto postada por Macron era de um fotógrafo da National Geographic, morto em 2003


                     Caminhando para o fim, vale analisar o caráter difuso do próprio Bolsonaro. Sua imagem de chinelo e camiseta de time é muito utilizado pelo presidente para passar uma boa imagem para o eleitorado popular. Segundo Oyama é assim que Bolsonaro passa seus fins de semana, onde ele chega a preparar pipoca para ver o programa do Chaves. Mas ao mesmo tempo verifica se tem bombas no seu carro, como um neurótico. Ou seja, ele parece o quê mais odeia: um comunista velho



              Às vezes ele exagera e fica forçado, fazendo alguns falarem em "estética bolsonarista". Só que essa ideia é equivocada e um pouco elitista, pois Bolsonaro se elegeu em um cenário de crise, onde o impeachment fez a população sentir que votou em um presidente mas foi governado por outro. O mesmo povo brasileiro que votou em Lula, votou Bolsonaro. Pois apesar de todos os defeitos e erros, Bolsonaro não se preocupa em parecer popular mesmo que soe cafona. Imaginar Bolsonaro e Lula comendo um pastel na feira é mais crível do que quando Doria e Alckimin tentam fazer o mesmo. 



                   Se os vídeos, pronunciamentos, live, falas e postagens de Bolsonaro são consideradas mentiras pela imprensa é porque Bolsonaro é mestre em pautar a mídia, que vai sedenta morder a isca. Por exemplo, um levantamento feito pela agência de checagem Lupa nas redes sociais do presidente, afirma que 64,5% das vezes que ele fala em fake news é para atacar a imprensa. Só que isso implica que se o contrário fosse real seria melhor, ou seja se Bolsonaro falasse toda a verdade e se todos os seus videos e declarações fossem reais seu governo seria melhor. Isso é uma falácia, pois como vemos desde a campanha, a escolha dos ministros, as disputas, as crises e tudo mais, mostram que o problema é o que Bolsonaro faz com a política. Não é por quebrar os códigos, é por impor códigos demais, procedimentos e paranoias que vão desde verificar bombas em carros até não querer ir a um hospital por achar que era um "hospital petista". Mais autoritário que mentir e atacar a imprensa, o que já se espera dos populista, é atraí-la para pautas e assuntos movediços, fazendo a imprensa seguir sua agenda como cachorrinho. 



                          O livro de Thais Oyama me surpreendeu, pois confesso que comecei a ler de mau gosto e apenas para passar o tempo. Mas aos poucos gostei da trama por ela se propor não a falar do que não funciona no bolsonarismo e o torna cômico e enfadonho, mas sim aquilo que apesar de todo o caos continua funcionando: técnicas de marketing que emparedam os setores políticos e institucionais como em uma jogada de xadrez.  É claro, há um descritivismo teatral de falas, ações e situações que além de não saber se são verdade, soam um pouco ingênuos.  Talvez para atrair tanto petistas como bolsonaristas para ler o livro. Seu livro não apresenta uma conclusão geral sobre tudo que é apresentado para além de que antes Bolsonaro hesitava e seus lábios tremiam, mas agora eles já não tremem. O que fazer? Como resolver? Quem poderá nos ajudar? O livro não diz. Ficamos apenas com uma verdade provisória sobre como entender os perigos do bolsonarismo. Afinal o governo ainda está em curso. Mas o livro é importante para que toda vez que formos ver um vídeo ou fala de Bolsonaro, não caiamos na lógica reativa que aceita a primeira verdade apresentada. Pois Bolsonaro é mestre em agendar a mídia, para que ela critique aspectos que ele quer e desvie dos que ele não quer. É importante recuar e saber que como diz a frase "o inferno são os outros", pois todo esse veneno intoxica não só apoiadores mas toda a democracia, querendo nós ou não, e por isso é necessário entender aquilo que o governo faz com nós mesmos.


Live em mesa de café da manhã de Bolsonaro, que agora afirmam serem armadas para parecerem mais simples




Comentários

Em Alta no Momento:

Os Desajustados (The Misfits, 1961): Um faroeste com Marilyn Monroe e Clark Gable sobre imperfeição da obra do artista e o fim fantasmagórico da Era de Ouro do Cinema Americano

Rastros de Ódio (The Searchers, 1956): Clássico de John Ford é o maior faroeste de todos os tempos e eu posso provar

"1883" (2021): Análise e curiosidades da série histórica de western da Paramount

Um Morto Muito Louco (1989): O problema de querer sempre "se dar bem" em uma crítica feroz à meritocracia e ao individualismo no mundo do trabalho



Curta nossa página: