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Aconteceu Naquela Noite (1934): Famosa "comédia sexual sem sexo" fez Frank Capra ganhar seu primeiro Oscar e tornou Clark Gable conhecido



It Happened One Night é uma comédia romântica da era do pré código. Filmado e coproduzido de Frank Capra, junto om Harry Cohn. Contando com os atores Clark Gable que interpreta o jornalista Peter Warne, e a atriz Claudette Colbert que interpreta Ellen Andrews, é uma moça mimada que se casou com um piloto esnobe e fajuto chamado King Westley, a revelia do pai investidor de Wall Street. O filme conta a história de uma moça apaixonada que mergulha no mar na primeira cena do filme em busca de seu amor, um piloto esnobe que se casou, mas seu pai não aprova o casamento. Ganhando as 5 categorias principais no Oscar (melhor ator, melhor atriz, melhor roteiro, melhor direção e melhor filme), algo que poucos filmes depois conseguiriam. Pouca gente sabe, mas as características do personagem de Gable neste filme serviram de inspiração para o personagem Pernalonga, dos Looney Tunes


Em 1993 foi para o registro nacional americano de filmes na biblioteca do congresso, em 2013 passou por uma grande restauração feita pela Sony Pictures. Com Frank Capra como diretor, Joseph Walker como diretor de fotografia e Robert Riskin no roteiro, o filme foi marcante para o gênero na época, demonstrando os efeitos da crise econômica para diferentes classes sociais, sendo uma forma de comentário apologético sobre os Estados Unidos em si. 


Os dois personagens principais são o jornalista e a filha do investidor de wall street. Como a menina é rica, sua vida é acompanhada pelos jornais como se fosse uma novela, e por isso os jornais "torcem pelo amor vencer" ao narrar a fuga da jovem para se casar por amor. Mantendo a moça presa em seu barco, o pai em sua primeira fala no filme se refere ao contexto das greves em meio da Grande Depressão.




Ao longo do filme, essa cobertura permanece até o fim, mesmo a audiência vendo que a moça já não ama mais seu noivo piloto, King Westley e também de família rica, tudo que diz nos jornais é mentira de acordo com a trama e o telespectador consegue notar isso ao ver o desenrolar da história. 



Peter e Ellie se encontram por acaso em uma estação de trem depois de Ellie pular na água na Flórida de dentro do barco do pai para fugir dele, Ellie foge de ônibus para encontrar seu noivo em New York, leiloando o resto de suas joias no corpo para comprar uma roupa para de disfarçar, acaba encontrando Peter, um jornalista desempregado que quer sua história para conseguir um furo no jornal. 




Ellie e Peter acabam ficando juntos depois que sua mala é roubada, como Ellie estava sofrendo com assédio durante a viagem, eles acabam ficando mais juntos, e em uma das paradas, ela sai do ônibus em uma das paradas, o ônibus não espera, e quando ela volta, apenas Peter espera por ela na estação. 




Depois disso eles dormem juntos em um hotel assinando como marido e mulher para não levantar suspeitas. Em uma das cenas mais engraçadas, ele ensina para ela no café da manhã como comer donuts mergulhado no café, como um hábito popular nos Estados Unidos. A imaginação é de que a audiência americana em franca depressão foi ao cinema assistir esse filme e deve ter rido muito de uma menina rica passando por maus bocados por ter tido seu dinheiro roubado. 




Depois de dormir juntos, separados por um lençol que eram como as "muralhas de Jericó", Ellie é reconhecida pelo transeunte que estava a assediando antes, quando Peter interviu fingindo ser seu marido antes.




Depois disso, Peter o ameaça para ele não falar nada, fingindo ser um gangster para ficar com Ellie. Ele manda um recado ao pai de Ellie pelo prejuízo que ela causara, mas não tinha visto o recado dos jornais que mostrava que o pai estava disposto a pagar 10.000 dólares por informações de Ellie. 



Descobrindo que já sabiam do paradeiro de Ellie, Peter e ela fogem do ônibus, marcando o momento onde a screwball comedy faz seu estilo de truque narrativo. O filme que era sobre ela voltar para o noivo se transforma em uma nova jornada com Peter. Em uma das cenas mais pre codes, Peter carrega Ellie com uma mão, enquanto ela fala sobre sua protegida filha de herdeira, onde ninguém pode tocá-la, quase que ao mesmo tempo, Peter dá um tapa no seu traseiro e ela grita alto. 



Ao todo eles dormem juntos por três noites, uma delas em um descampado por terem saído do ônibus por terem sido reconhecidos. Em uma das cenas mais hilárias, Peter demonstra sua teoria de que quem conseguia carona na estrada era quem era mais educado em seus sinais, e que por isso ele conseguiria. Não apenas ficou tentando durante muito tempo, como não conseguiu mesmo. 



Mas Ellie ao se posicionar perto da estrada, mostrou sua perna para a fila de carros, e do nada o carro freou abruptamente e eles conseguiram uma carona com um cacheiro viajante que tentou depois roubá-los, nas palavras do próprio Peter que roubou seu carro de volta, pois ele disse que ele tinha roubado sua mala. 




Depois disso, ele consegue convencer os donos de uma pensão para pagar depois a conta, mesmo não possuindo dinheiro nenhum. De noite, eles percebem que aquela seria a última noite juntos, eles ficam tristes e ela pergunta para ele se ele queria se casar, e ele responde uma série de vontades que ele tinha, aí ela se move até sua cama chorando e diz que quer ficar com ele. 




Deixando a audiência nos anos 1930 ficou chocada, mas ainda assim torcendo pelo casal, que possuía grande química. Depois de ficar a noite inteira pensando no que ela falou, e de Ellie ter ido dormir chorando, ele pergunta como se nenhum tempo tivesse passado desde que ela tinha se declarado pergunta se ela realmente queria ficar com ele. Ela não responde pois já está dormindo, mostrando que ele ficou muito tempo pensando no que Ellie tinha lhe proposto.




 
A cena onde Ellie vai até a cama de Peter e confessa seu amor por ele é parecida com a cena onde Megan (a missionária cristã vivida por Barbara Stanwyck) declara seu amor, igual ao filme do O Chá Amargo do General Yen. Sendo uma cena extremamente parecida. Uma forma de redenção e declaração de amor final. Assim como no fim, quando Ellie decide não se casar, ela recorre a um dos maiores clichês, a da runaway bride (noiva em fuga), que diversos filmes utilizariam depois.  Voltamos aqui ao derrotismo realista tradicional americano, onde a tutela sobre o destino das mulheres é midiatizada e comentada nos jornais mostrando que todos participam da procura pela jovem, e que todos apreciavam o romantismo da jovem. Em certo ponto do filme, o pai diz para os jornais que não seria mais contra o casamento da filha, por estar preocupada com seu desaparecimento. 


Depois disso, ele vai embora de manhã cedo e tenta vender sua história na redação para seu antigo chefe, achando se tratar de pegadinha, ele acaba não publicando e Ellie já tinha sido descoberta pelos donos da pensão, e depois achada pelo pai. Quando ela e Peter fogem parece que eles começam um novo romance, mas isso é percebido como a própria alegoria de como as screwball comedies funcionam, exatamente como feito depois por Bring Up Baby, ela anteriormente ainda pensava em manter o casamento, até por fim se sentir abandonada por Peter, Ellie fica dividida por ter sentimentos pelo jornalista, mas querer manter sua palavra anterior. 





Seu pai que sempre foi contra seu noivo piloto, pergunta o que aconteceu, e ela conta que ela conheceu Peter na viagem de volta para New York, mas que ele tinha a abandonado e que ele desprezaria sua classe, ela e seu pai. Quando Elllie vai se casar de novo para confirmar seu antigo casamento, o pai diz que tem um carro para ela fugir tentando convencer ela largar o noivo até o último momento. 




Sendo considerado o maior sucesso da crítica e do pública dos anos de 1930, produzindo um ano antes, o lindo filme O Chá Amargo do General Yen apenas um ano antes, esse filme anterior foi sua tentativa de ganhar o Oscar mas não deu certo, a aposta foi bem sucedida com a comédia de gênero screwball (comédias malucas), sendo um dos primeiros exemplos da era de ouro do cinema, onde o roteiro é fluído e o entendimento é aberto, portanto, qualquer coisa pode acontecer por isso.

 

Um filme do diretor Frank Capra, o primeiro Oscar de sua carreira, certamente capturou o coração da academia de cinema em 1930 e é considerado um cinema de retomada econômica, filme do gênero das "comédias românticas malucas", abordou diferenças entre ricos e pobres, e temas como o triunfo do cidadão comum na sociedade americana. 




Contexto da produção e bastidores do filme


Por isso que alguns autores, como Joseph Mcbride, escreveram sobre o problema do sucesso repentino no filme, quando até então Capra era considerado um underdog da academia de filmes americana, depois de ter ganho em quase todas as categorias com Aconteceu Naquela Noite, Capra foi de quase ninguém para presidente da academia do Oscar em 1935. Segundo o livro "The Catastrophe of Success", Riskin e Capra foram marcados como quem deveria ter consciência social em seus projetos. 




Por isso que It Happened One Night é considerado o filme da retomada econômica e política americana depois de um período de trevas. Esse filme foi o último filme lançado antes da mudança de diretrizes feitas pela MPPDA, apenas 4 meses antes da (associação de filmes) americana depois de 1935, que passou a censurar os filmes com uma série de códigos e conduta. Apesar disso, o ano do lançamento do filme em 1934 foi o ano de maior lucro para a Columbia desde 1929, ano onde a tecnologia do som pela primeira vez foi utilizada nos filmes. Trazendo $1 milhão de lucro apenas por esse filme, sendo um grande caso de sucesso comercial. 



O roteiro foi escrito por Robert Riskin baseando o filme nessa história. Com a primeira fala do filme sendo uma referência a uma greve ocorrida no meio da grande Depressão, feita pelo pai de Ellie. Uma representação típica heterossexual de um casal típico que a crítica americana e o público gostam. 




 Considerado como um dos exemplos mais clássicos do que chamam de "cinema populista americano". Baseada em uma história chamada "Night Bus", escrita originalmente por Samuel Hopkins Adams, que ficou popular em jornais da época. A seleção de elenco foi difícil, tanto Clark Gable, quanto Colbert  não eram as primeiras escolhas, sendo o papel de Ellie recusado por Miriam Hopkins, Loretta Young, Myrna Loy e Margaret Sullavan, Constance Bennet queria aceitar apenas se ela pudesse produzir o filme sozinha, o que o estúdio Columbia Pictures recusou. Já a atriz Bette Davis queria o papel, mas ela ainda estava em contrato com a Warner Brothers.  Isso quase 30 anos antes de Clark Gable estrelar seu último longa The Misfits com Marilyn Monroe.  




Harry Cohn então sugeriu Claudette Colbert, que tinha feito um filme em 1927 que tinha sido um desastre com Frank Capra e tinha jurado nunca mais trabalhar com ele, aceitando apenas se seu salário fosse dobrado para $50,000 dólares na época, e ainda insistiu que tinha que filmar em apenas um mês, pois tinha férias depois marcadas. Ela também teve dificuldade em aceitar o papel, Frank Capra foi um diretor que trabalhou junto anos antes e não gostava muito dele. O filme foi muito marcante para a cultura popular americana, sendo considerado um marco do que eles chamam de "cinema populista americano"




Já Gable foi emprestado para a Columbia Pictures como punição por não ter aceitado um papel na Metro-Goldyn-Mayer. Já Colbert teve problemas em aceitar todas as partes "politicamente incorretas" do filme, como a cena em que pede uma carona mostrando uma das pernas, uma cena clássica da era pré code, antes das diretrizes "familiares" que o cinema americano teve que passar depois de 1935, sendo esse filme um dos últimos da antiga era do cinema. Além de ter sido um grande papel para o chamado "Rei de Hollywood", foi com esse papel que ganhou seu primeiro Oscar. No filme ele faz inúmeras cenas icônicas, como quando come as cenouras, que alguns dizem ter sido inspiração para os Looney Tunes com o personagem bunny bugs (perna-longa) por sua forma de comer a cenoura. Como também foi marcante sua cena sem camisa no filme. 




Esse filme também foi analisado pelo ângulo da crítica de gênero por conter comportamento considerado "pré-code" masculino, como um tapa na bunda, a cena da perna levantada, ou essa cena do quarto onde ela admite seu amor por Peter, mas ele fala a icônica frase: "go back to your bed" (volte para sua cama). 



O Oscar que nasceu premiando filmes como Sunrise, passou pelo gosto pela temática artística para filmes mais genéricos e populares. A narrativa envolve uma  desculpa narrativa para uma viagem entre dois protagonistas que fazem um "filme de viagem" road trip, onde o objetivo inicial era chegar até  o King Westley, o noivo da moça do filme.  Em uma das cenas, músicos tocam no ônibus interestadual enquanto uma criança chora e reclama de estar com fome. Aqui temos algo muito parecido como que foi feito depois em filmes como Central do Brasil. 




Um dos exemplos da atitude sem consciência social da moça, ao estilo Marie Antonieta, é em uma das cenas do ônibus, que ela gasta seu dinheiro em uma caixa de chocolate, não sabendo que isso era supérfluo e não necessidade básica. Apenas depois de muito tempo do filme, ela aceita as cenouras que Peter lhe oferece.  Enquanto alguns podem associar a estética dos road movies com carros rápidos em conjunto com estradas do west, o gênero não é apenas filmes como Velozes e Furiosos. Esse tipo de filme costuma ser alegórico no sentido da jornada do filme ser a jornada de procura de si mesmo, como algo filosófico.



David Laderman explica que o fundamental pro gênero é a sensação de impulso e mobilidade. Acontece Naquela Noite parece perfeito para ilustrar uma América dos albergues de estradas, das pessoa mais humildes, daqueles que tocam músicas nos ônibus, dos pedintes, e claro, dos amantes em fuga. Esse tipo de filme utilizava do humor social dos contrastes para estabelecer uma firma de crítica cultural específica, como na cena onde Peter e Ellie fingem que são um casal "comum" onde o homem está brigando com a mulher para fugir da polícia que estava procurando por Ellie. O tom é jocoso e politicamente incorreto. 



Na cena, eles fazem "improvisação", e depois ele comenta com ela que eles deveriam começar uma companhia de teatro juntos, uma cena metalinguística. Road movies são conhecidos por sua estética, como filmes como Stagecoach, que oferece todas as características de road movie (filme de estrada) clássicas, como o conflito entre classes, abordagem de conflitos sociais, como desemprego e política. 




Em 1934 o sistema de estradas e rodagem nos Estados Unidos ainda era bem precário, isso antes da abertura as interestaduais ocorrida com o governo Eisenhower. Antes disso uma viagem em uma ônibus de Miami, como no filme, demorava quase 39 horas. Fazendo do filme verossímil no sentido de demorar 3 noites para chegar de Miami até New York. Também Ellie foi ingênua achando que poderia sair do ônibus e que a condução esperaria por ela. 



O filme foi um sucesso porque os teatros reprisaram as exibições e alguns outros deixaram o filme crescer com boataria para grandes proporções. Até o fim do ano, a comédia pequena apareceu entre as maiores bilheterias, surpreendendo até a melhor previsão de todos, foi um milagre bilheteria, um verdadeiro top box-office hit de 1934. Isso porque a Columbia era um estúdio pequeno, que não possuía cadeias de teatro, diferentemente da maioria dos grandes estúdios.  



Se alguma crítica pode ser feita hoje em dia ao filme, é ao uso constante do que chamamos de "tropes": são padrões narrativos, clichês, formas de arquétipos ou situações sociais que filmes repetem incessantemente e não necessariamente possuem verossimilhança para além do próprio universo da do cinema e das artes. Tais como colocar os atores em situação de "perrengue", a "noiva em fuga", o machão de poucas palavras mas bom coração, o "homem vs. mulher" e etc. Tanto que o filme foi inspiração para  desenho animado. Entretanto, pela sua época e momento histórico, seu pioneirismo em colocar as coisas em seus termos e ainda ser um filme profundamente técnico em termos de fotografia, som, direção e atuação, o filme merece ser valorizado como uma espécie de obra de arte perdida de uma Hollywood que não existe mais. 


Em 1934, Franklin D. Roosevelt acabava de ser eleito. A lei seca, acabava de ser revogada, havia pleno emprego e isso trouxe um nível de independência para as mulheres. Entretanto, como mostra o filme, dentro de um espaço semi-rural e atrasado dos Estados Unidos, isso trazia muita preconceito e medo dos homens em como as mulheres passariam se comportar nos relacionamentos, e por sua vez uma pressão de volta nas mulheres. Ao fazer tal trama leve, humorística mas que rompe as barreiras de classe, Capra alivia a tensão em torno da temática, fazendo a transição de todo esse universo antigo para a modernidade mais fácil para todos. 




 

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