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PEC da Blindagem: Por que a medida pode ser inconstitucional e perigosa para a democracia


A chamada PEC da Blindagem reacendeu o debate sobre os limites da imunidade parlamentar no Brasil. Embora a Constituição Federal de 1988 já estabeleça mecanismos de proteção aos membros do Congresso Nacional, a proposta de emenda busca ampliar significativamente essas prerrogativas, criando obstáculos para investigações e processos criminais contra deputados e senadores. 


Ao analisar seu conteúdo à luz da ordem constitucional, percebe-se que a PEC pode padecer de inconstitucionalidade — mas o problema não é apenas jurídico: trata-se também de uma ameaça política ao equilíbrio democrático brasileiro


1. Violação à cláusula pétrea da separação de poderes


O artigo 60, §4º, III, da Constituição proíbe emendas tendentes a abolir a separação dos poderes. Ao blindar parlamentares contra a atuação do Judiciário, a PEC cria um desequilíbrio entre os Poderes da República, reduzindo a capacidade do Judiciário de exercer seu papel de controle e comprometendo o sistema de freios e contrapesos. Trata-se de uma interferência incompatível com o modelo constitucional.


2. Ofensa ao princípio da igualdade (isonomia)


A Constituição, no art. 5º, caput, consagra a igualdade de todos perante a lei. A ampliação da imunidade para além do necessário para o exercício do mandato cria um privilégio pessoal, dissociado da função pública. Essa distinção injustificada entre cidadãos comuns e parlamentares afronta diretamente a isonomia e caracteriza privilégio inconstitucional.


3. Restrição desproporcional à jurisdição


O direito de acesso à Justiça e a atuação independente do Judiciário são pilares do Estado Democrático de Direito. Ao impedir ou dificultar investigações criminais contra congressistas, a PEC viola o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva (art. 5º, XXXV, CF). A blindagem excessiva não serve ao interesse público, mas ao interesse corporativo dos próprios legisladores.


4. Desvio de finalidade da imunidade parlamentar


A imunidade material (art. 53, CF) existe para proteger a liberdade de expressão no exercício do mandato. Já a imunidade formal limita a prisão e o processo, mas não pode ser usada como escudo absoluto contra responsabilização criminal. A PEC deturpa esse instituto, transformando-o em um mecanismo de impunidade, em desacordo com a finalidade original estabelecida pelo constituinte de 1988.


5. Impacto político: um falso republicanismo que fortalece o extremismo


A dimensão mais grave da PEC, contudo, vai além da inconstitucionalidade. O presidente da Câmara, Hugo Motta, a defende a medida sob o argumento de preservar o republicanismo e os freios e contrapesos. O problema é que, no cenário político atual, o termo republicanismo ganhou uma conotação associada a lideranças como Donald Trump (ambos são de partidos chamados Republicanos), cujo discurso é marcado por ataques ao Judiciário, negacionismo e por tentativas de corroer instituições democráticas.


Ao tentar “dar voz aos dois lados”, Motta incorre em um erro fundamental: um dos lados não está jogando dentro das regras democráticas. Oferecer vantagens a quem contesta o próprio jogo democrático não é neutralidade, mas complacência com o extremismo. Assim, a PEC, em vez de fortalecer a independência do Legislativo, abre espaço para narrativas que deslegitimam o Supremo Tribunal Federal, reforçando retóricas autoritárias no Brasil e no exterior, e deslegitima o próprio congresso.


Essa postura é ainda mais preocupante porque, ao se apresentar como um gesto de equilíbrio de centro-direita, Motta traveste de moderação um movimento que, na prática, mina as bases republicanas. Trata-se de uma forma de negacionismo político: finge-se preservar a democracia, mas o efeito é corroê-la por dentro, priorizando conveniências pessoais e partidárias em detrimento do interesse nacional.


A PEC da Blindagem, ao ampliar de forma desmedida as imunidades parlamentares, subverte o equilíbrio entre os Poderes, viola cláusulas pétreas e cria privilégios incompatíveis com a Constituição de 1988. Mas, mais que isso, representa um perigoso precedente político, pois fortalece a narrativa de que o Judiciário é um inimigo a ser contido. Em um mundo em que lideranças populistas e extremistas — de Trump a seus aliados locais — buscam enfraquecer instituições, o Brasil não pode se dar ao luxo de legitimar esse discurso. A aprovação de uma PEC da Blindagem no Brasil daria munição a Trump (e outros populistas) para dizer algo como: “No Brasil, deputados precisaram se proteger do Supremo. Isso mostra que cortes constitucionais estão abusando do poder”, o que reforça sua defesa a Bolsonaro.


Em um Estado Democrático de Direito, mandato político não pode ser sinônimo de impunidade. A proteção aos parlamentares deve existir para garantir a independência do Legislativo, e não para blindar indivíduos ou favorecer agendas autoritárias.


Por fim, deixo esse vídeo onde Hugo Motta, aos 1:14, debocha do líder do PT na Câmara, dizendo que ele vai todos os dias ao STF reclamar de suas decisões. Ou seja, de novo colocando o STF supostamente ao lado do PT e contra a Câmara e seus interesses. E pergunto: isso é postura de presidente da câmara? Passa isenção? Eu acho que não.

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