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Argentina, 1985 (2022): A batalha pela democracia e contra a impunidade em relato histórico sobre o Julgamento das Juntas na Argentina


Argentina, 1985 (do diretor Santiago Mitre, com roteiro de Mariano Llinás) é um filme que retrata o histórico do Julgamento das Juntas, que se deu na Argentina em 1985, dois anos após o fim da ditadura militar (1976-1983) e mobilizou toda a sociedade argentina. O filme foi indicado ao Oscar e ganhou o Globo de Ouro de Melhor Filme em língua não inglesa. Acompanhamos os promotores Julio César Strassera (interpretado por Ricardo Darín) e Luis Moreno Ocampo (Peter Lanzani), que tem a tarefa de investigar e processar os generais pelos crimes de tortura, ameaça, desaparecimento e assassinatos cometidos pela ditadura militar argentina. Sendo um dos primeiros casos como este na história da América Latina. 


 


Eles enfrentam barreiras políticas, medo institucional, pressões militares latentes, ameaças pessoais, e resistência de setores da justiça e da sociedade que querem minimizar ou relativizar os excessos (“foi só algo pontual”, “não sabia”, “obedecia ordens”, etc.). Aqui há de soar como o julgamento de Nuremberg (1945 e 1946) e o debate em torno de indivíduo, ação pessoal e ideologia de Estado. 


No Chile, Pinochet ainda governava forte, o Uruguai recusou por reverendo investigar os seus militares. A Argentina, sempre oscila hiatoricamente entre radicalismos, viu o pior de todas as ditaduras e agora vivia dois anos democracia. Por isso que o julgamentos das juntas é um assunto muito atual. Esse mês agora, por exemplo no Brasil, o ex presidente Jair Bolsonaro foi condenado por crime de Tentativa de Golpe de Estado por causa da invasão da capital federal realizada por manifestantes bolsonaristas. 


No filme é Ricardo Darín (o rei/faz tudo do cinema argentina, já tinhámos falado de um filme que ele faz sobre o "curralito", o escândalo do roubo das poupanças) quem dá vida ao promotor Julio Strassera, enquanto Peter Lanzani interpreta Luis Moreno Ocampo. 



O julgamento ocorre num contexto democrático ainda frágil, onde muitos ex-militares ainda têm prestígio, e onde existe o risco real de retaliações ou de anistia informal ou formal. O filme mostra o processo de coleta de testemunhos, a coragem de vítimas para depor, o dilema moral dos promotores, e o momento simbólico final em que Strassera faz sua acusação diante dos generais. Foram quase mil relatos e depoimentos registrados por 500 jornalistas. 


Um dos temas do filme é a transição para a democracia. Moreno Ocampo viveu uma situação similar ao retratado do filme. Uma mãe que tinha apoiadora a ditadura e mesmo com todos os relatos, ainda gostava do ex presidente militar Rafael Videla. Interessante reparar no sistema pioneiro de organização dos arquivos sobre isso. Está tudo registrado. Foi criado até um jornal para registro desses dolorosos depoimentos El Diario del Juicio. 


Na época, durante as eleições de 1983, a campanha foi os desaparecidos, os mortos vítimas da ditadura foi o principal mote da campanha eleitoral que elegeu Raúl Alfonsín. Parte desse julgamento utilizava de depoimento dessas vítimas. Era como se a sociedade argentina estivesse acordando de um regime de excessão. Bem ao estilo de outro livro/filme, "Ensaio Sobre a Cegueira" de Saramago. 


Digo isso por dar essa sensação de revisão geral de toda sociedade. Uma espécie de descoberta da poeira debaixo do tapete. O presidente criou a Conadep, uma Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de pessoas. Essa comissão tentou usar do foro militar para fazer um julgamento mais justo e seguro. Mas não funcionou. No fim, foi a justiça de foro civil aplicando o Código de Justiça Militar.


A história da mulher que nua, acabando de ter o bebê sendo obrigada a lavar a placenta, é somente um exemplo do nível dessas agressões.


A repercussão do filme foi imensa e mesmo no meio de uma crise sinalizava o mau agouro, a eleição de Milei, alguém que surfa na estética de extrema direita mas que ganhou por conta da inflação e da crise e pela crença de que o mundo inclinaria para a direita. Milei fez todas as táticas de submissão que manda o playbook, com foco extra em tentativas de mergulho ainda maior no neoliberalismo e na dependência com o FMI.  


Mas temos que dizer que a Argentina escolheu pela primeira vez na América Latina punir generáis. Houve a condenação de 5 dos 9 que estavam como réus. O que podemos entender como uma lição histórica, um marco na luta pelos direitos humanos. Mesmo assim, houve leis posteriores que delimilaram o poder de esclarecimento desses casos arquivados antigos, sendo um retrocesso. O que demonstra esse carácter idas e vindas da cultura argentina. 




A redução da pobreza e da inflação imaginadas era maior para tanto corte, mas não. As últimas eleições trouxeram uma histórica série de aumento da desvalorização cambial do peso. Provando que se submeter apenas não adiantou para o povo argentino, que amarga ainda un dos piores índices inflacionários do mundo. Atualmente, pasmem, passaram até mesmo a Venezuela. 


Filmes como este do Santiago Mitre ou Ainda Estou Aqui do Walter Salles mostram essa retrospectiva da evolução dos direitos civis na América Latina, retratando esses momentos de completa clivagem política e de autonomia das instituições de justiça, que aos poucos  tem tomado espaço no cenário internacional. Esse foi foi indicado ao Oscar e Ainda Estou Aqui ganhou um oscar histórico e inédito pro nosso país, mostrando também a importância desse tema tão em voga. 


Em 2005, a Argentina voltou atrás nas suas leis de anistia e voltou a condenar mais de mil repressores por crime contra a humanidade (que não prescrevem por lei internacional). Filmes assim são bons pois eles revelam como uma sociedade pode dizer basta a opressão ao qual ela própria está inserida. Vale ressaltar essa ideia presente no filme No também sobre as campanhas pela democracia que tomam uma face em comum. 


A tentativa é de falar para toda uma sociedade e não apenas para a esquerda e nisso é que está o debate de até quando utilizamos ou podemos usar da linguagem de direita e propaganda para tentar ganhar apoio. Isso é visto nos julgamentos pois o que se busca é uma condenação, precisa ter uma linguagem punitiva. 



Mas o filme argumenta que é necessaria essa certa força porque o outro lado já seria o lado criminoso dos crimes da ditadura. O filme aborda bem essa visão centralizada e até mesmo fria do processo do direito civil e ajuda na ideia de accountability (responsabilidade social) em cobrar as dívidas que concerne aos direitos humanos. 


Contando com o exemplo do Corralito e de Color no Brasil, o povo comum na América Latina aprendeu a desconfiar de regimes de extrema direita. Ao mesmo tempo que a grande crise econômica na Argentina trouxe um presidente como Milei ao poder por desespero. 


Sim, a Argentina é polarizada e carece de uma ideia de representação popular. Aqui além do filme do Corralito, fizemos do "Relatos Selvagens", também filme argentino. Quando os hermanos querem, eles fazem coisa boa. Essa coisa da rivalidade é apenas uma brincadeira. O que todos querem é o progresso da América Latina.




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