Um “filme jogável” de Jet Li: pancadaria coreografada, kung fu, armas e slow-motion, com seus charmes e tropeços
Nota: ⭐⭐⭐
Histórico
Lançado em 2004 exclusivamente para PlayStation 2 por um estúdio interno da Sony, Rise to Honor surge no rastro de uma virada estética nos jogos de ação: bullet-time popularizado por Matrix (1999) e por Max Payne (2001), set pieces cinematográficos (The Getaway, 2002) e o boom de celebridades no elenco de games. A promessa aqui era ousada: “um filme de Jet Li que você joga”, com mo-cap (o processo de gravação de movimentos de objetos ou pessoas em alta resolução para uso em sistemas computacionais) do próprio Jet Li e mise-en-scène inspirada no cinema de Hong Kong.
O combate é o grande destaque: com o uso do analógico direito, o jogador direciona os ataques de Jet Li em múltiplos inimigos, criando lutas fluidas e dinâmicas. Ou seja, você movimenta o direcional direito na direção do inimigo que se quer atacar, diferente de apenas apertar botões. A mecânica era inovadora para a época, mas longe de ser boa. É difícil encaixar o golpe na direção e proximidade com o inimigo sem tomar dano, dificultando combos e golpes mais fortes. Não há como chegar dando voadora por exemplo. A câmera às vezes atrapalha, principalmente em espaços fechados.
A história segue Kit Yun (interpretado por Jet Li), um guarda-costas envolvido em uma trama de vingança e conspiração. A narrativa é apresentada como se fosse um filme, com cortes cinematográficos, trilha sonora intensa e dublagem profissional. Isso faz o jogo se destacar como uma das experiências mais “hollywoodianas” do PS2.
🎬 Do cinema para o console: quais filmes moram aqui?
O jogo conversa diretamente com filmes John Woo (Hard Boiled, The Killer): os mergulhos laterais com pistolas, tiros sincronizados e “ballet” de balas são puro gun fu.
Jet Li fase urbana (Romeo Must Die, Kiss of the Dragon): brigas em corredores, uso de objetos do cenário e golpes secos, precisos. Lembra bastante o clássico Perigo Extremo (1987).
Wire-fu e coreografia elegante (como em Once Upon a Time in China, Hero): não há cabo visível, claro, mas a economia de movimento e a cadência dos golpes remetem a essa escola.
A montagem de ação busca o ritmo de perseguições e brigas “em continuidade” típicas dos anos 80/90/2000 no cinema Hong Kong: cortes curtos, closes em impacto e estilhaços voando.
A história viaja de Hong Kong para São Francisco, usando a velha dobradinha “gangues, honra e conspiração”.
🧩 Enredo resumido (sem spoiler)
Você controla Kit Yun (Jet Li), um guarda-costas que se vê no meio de uma guerra de máfias e traições. O fio condutor é clássico do policial hongkonguês: lealdade vs. sobrevivência, com personagens que orbitam o protagonista entre a honra e o oportunismo. A narrativa é direta e funcional — serve para te levar de fase em fase da narrativa, como num filme.
🕹️ Jogabilidade — o que o jogo faz de diferente (e onde escorrega)
1) Combate direcional no analógico direito
Como dito, em vez de combos por botão, você empurra o analógico direito na direção do inimigo para golpear. Isso permite:
Controle de multidão intuitivo (varre a arena mirando o analógico para onde vem a ameaça).
Golpes contextuais (empurrões contra parede, joelhadas em objetos, arremessos).
Fluxo “coreografado”: a sensação é de coreografar a luta em 360°.
Prós: fluidez, leitura rápida do espaço, sensação de estar “dirigindo” a cena.
Contras: a câmera às vezes te trai (especialmente em cantos/colunas), e o jogo repete padrões de inimigos, o que pode achatar o teto de expressividade depois de algumas horas.
2) Defesa, contra-ataque e “timing”
Há bloqueio e esquiva com janelas de contra-ataque (parry-light). Quando o jogo te coloca com três ou mais oponentes, aprender a defender–reposicionar–punir vira essencial. O prazer aqui vem de interromper sequências inimigas e virar o momentum a teu favor. Mas não é responsivo como em Batman Arkham ou Sleeping Dogs, sendo um pouco difícil de acertar o comando no timing.
3) Armas de fogo e “gun-fu”
Em segmentos específicos, o jogo ativa o modo tiro — você mergulha, rola, usa cover leve e executa inimigos num ritmo que ecoa John Woo. As balas são infinitas, mas não só isso. Ele atira infinitamente, sem recarregar, sendo até tosco.
Isso remete ao Gun fu, também conhecido como "balé de balas" ou "kata de armas", que é um estilo de luta fictício que combina artes marciais com o uso coreografado de armas de fogo. Ele se tornou popular através de filmes de ação como a série John Wick e é caracterizado por movimentos acrobáticos, uso de armas de fogo em combate corpo a corpo e sequências de tiro estilizadas. Mas nem recarregar a arma parece um exagero.
Não é um shooter profundo, mas funciona como variação de ritmo entre lutas corporais. Os mergulhos com tiros em slow são o momento “cartão de visita” do jogo.
4) Adrenaline/Slow-motion
Um medidor enche com golpes conectados/defesas bem-sucedidas e permite brief bullet-time.
5) Cenário como arma
Cadeiras, bastões, mesas, corrimãos — o jogo incentiva improviso. Encostar o inimigo em paredes, vitrines ou mesas muda a animação de impacto, trazendo aquela fisicalidade do cinema de HK.
6) Ritmo, set pieces e QTEs
Há perseguições, quedas de andaime, lutas em cozinhas (oi, Police Story), armazéns e becos. QTEs surgem para quedas, esquivas cinematográficas e finalizações — dosados, sem virar serralheria de botões.
🎯 Level design e câmera
Arenas compactas, pensadas para cercos — você precisa cortar ângulos e se reposicionar sempre.
A câmera é a vilã ocasional: colide com parede, fecha o plano em excesso e, no caos, mascara ameaças fora da tela. Não quebra o jogo, mas cobra paciência.
Dificuldade: picos pontuais (chefes com armadura de golpes, ondas grandes de capangas). O jogo quer que você leia padrões, não que esmague o analógico aleatoriamente.
👂 Áudio, impacto e sensação
A mo-cap do Jet Li dá autenticidade às posturas, transferências de peso e finalizações. Tem aquele som estalado de porrada de jogos beat up que motiva o jogador. O estalo de soco, madeira partindo, metal é tudo bem feito.
Trilha sonora cumpre a função, alternando pulsos eletrônicos com moldura orquestral; não gruda na cabeça, mas sustenta o clima.
🧠 Comparações rápidas
Shenmue (1999) e Yakuza (2005): mais profundos em sistema de luta e vida urbana, mas menos “filme em tempo integral”.
Enter the Matrix (2003): semelhante na ambição cinematográfica; Rise to Honor tem mão mais firme nas lutas, sendo a porrada mais realista.
Stranglehold (2007): refina o gun-fu e a destruição de cenário; como shooter puro, é superior — mas sem Jet Li.
Conclusão
Apesar da proposta ousada, Rise to Honor sofre com certa repetitividade: os combates acabam se tornando previsíveis, e a variedade de inimigos é limitada. Ainda assim, para fãs de artes marciais e da estética de filmes de ação orientais, o jogo é uma verdadeira pérola nostálgica. Porém, a jogabilidade diferenciada e trucada e trama mais do mesmo, com final pouco surpreendente, dificultam o fator replay. É aquele jogo para zerar e guardar na estante.
⭐ Nota: 3,0/5 estrelas - Um jogo que marcou pela inovação e pelo carisma de Jet Li, mas limitado pela jogabilidade repetitiva e trama pobre.
Confira o jogo completo:
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