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A Próxima Vítima (1983): Clássico esquecido do cinema nacional inspirou icônica novela e retrata o contexto da Redemocratização do Brasil

 

Um serial killer assusta a todos no bairro do Brás. Ele assassina prostitutas e a polícia não parece preocupada em resolver o crime, em meio ao contexto das eleições para governador de 1983. Davi (Antônio Fagundes) é um jornalista que está passando por um divórcio e que trabalha para a RTT, uma emissora de televisão que o quer cobrindo os assassinatos. No meio de sua perigosa investigação, ele se envolve com Luna (Mayara Magri), uma vítima em potencial do assassino


Assista o filme ao final deste artigo


O Brasil da época vivia uma mudança incrível, a redemocratização acontecia a revelia de um regime político que se deteriorava de dentro para fora. As práticas de corrupção mantinha funcionários públicos, principalmente do setor de segurança em seus cargos, o que aconteceu mesmo em São Paulo como denuncia o filme. 


A Próxima Vítima foi um filme marcante, representa aquela estética sangrenta e marginal típicas do cinema nacional da época em colisão com uma estética realista vinda de lá de fora, essas práticas de cinema conviviam com censura, ao mesmo tempo em que a nudez era muito permitida e até estimulada com as chanchadas, como uma forma de mercado de nicho a parte mas muito envolto com a próprio indústria nacional de filmes, que censurava mesmo quando o filme era apenas poesia política ou ao estilo estudantil. 

O filme usa a roupagem de cidade grande de São Paulo para redesenhar o mapa dos perfis de brasileiros e suas experiências na modernidade entre uma redemocratização que aprendia a instituir as formas antigas de ditatura com outros formatos aprimorados, e claro, com a ajuda da imprensa sensacionalista local que apenas quer caçar um culpado, ao estilo "Fox News". 

Othon Bastos que interpreta um delegado de direita, como o da foto, o delegado Fleury (membro do DOPS, um centro de tortura secreto e do próprio Estado), na imagem ele está entregando a foto de um homem negro como o culpado para publicar a imagem nos jornais através do jornalista, o bode expiatório que seria alguém penalizado por ser conhecido pelo perfil de outros tipos de "crimes", como tráfico de drogas por exemplo. 




As eleições mostraram uma pretensa vitória da esquerda. A sensação amarga seria que mesmo com a vitória da oposição ao regime, o tipo de poder ainda era local e indireto. A vitória parcial da esquerda na eleição culminou no ano seguinte, em 1984 com a derrota da emenda Dante de Oliveira, todo mundo entendeu que até o civilismo político andava lado a lado com as práticas da ditadura, era o tempo das origens do que chamamos de "ditabranda". 


Esse é o momento mais marcante do filme, quando o personagem acima na delegacia fala que o assassino podia ter qualquer cor e qualquer forma. Isso nos lembra muito da teorização feita por muitos de que a onda de crimes do Jack Estripador foi uma forma de uma criação da mídia e da polícia em conjunto que servia para despistar a maior verdade sobre a retroalimentação entre polícia e imprensa, principalmente no fim da ditadura. 




O personagem anuncia em algumas frases que o assassino podia ser qualquer um ao mesmo tempo, mostrando essa volúvel forma de compreensão do inimigo público, ele é aquele que está com sua foto divulgada no jornal, ele já é colocado como culpado de antes, como um bode expiatório, alguém que se pode colocar a culpa por ser o "perfil" desejado do público para "se condenar". 

Houve diversas personalidades que apoiaram a ditadura militar brasileira e foram caçados por ela em seguida. Nomes como Carlos Lacerda, Adhemar de Barros, Magalhães Pinto e o ex presidente Juscelino Kubitschek, José Sarney e Delfim Netto, e os jornalistas e escritores Carlos Heitor Cony e David Nasser (que teve membros da família que passaram por tortora), ambos que lidavam com literatura de gênero policial, evidenciando uma possível referência do filme, esse papo de "crítica de dentro" vinda dos próprios aparelhos institucionais.


Se a opressão e a tortura era feito com estudantes de faculdade e membros privilegiados das classes médias e até altas e  nas altas rodas políticas, com o exemplo do Ato Institucional 5 (que reprimia uma grande lista de nomes que perderam seus cargos políticos por conta de uma doutrina de segurança nacional), até mesmo com as figuras do centro político, como Jucelino Kubitschek (que primeiro apoiou por achar que ia concorrer na próxima eleição, , começou a haver revisões dentro da próprio estrutura política da ditadura militar, e aí a estrutura ruiu de dentro para fora. 




A falta de proteção e a noção de que haveria seres que poderiam ser mortos pelo próprio sistema urbano e das cidades em geral. Ou seja, o assassino e o ato de matar mulher que pode ser algo que todos ou qualquer um faz ganha uma roupagem oficial, um "perfil", é "maníaco do parque", é o "Tio do Sam" é o "Jack Estripador" são seres que vão para a imprensa com uma estória, um lócus, assim é construído para eles "perfis criminológicos" que começam a se espalhar pela opinião pública chocando a audiência.  

Ao mesmo tempo que deixa as pessoas com medo, essa retroalimentação entre mídia e polícia foi a forma como a direita tradicional manteve grande parte do arquipélago da ditadura militar que o filme mostra, as batidas sem mandato judicial, diligência com aqueles carros ao estilo "veraneio vascaína" retratada na música do Aborto Elétrico e também no filme. Mostra esse lado das batidas policiais e choque de ordem dependendo então dessa cobrança da sociedade e da imprensa por "resultados".  O filme mescla bem essa estética que estava em alta de filmes de greve no ABC, filmes de trabalhadores se organizando em comitês, sindicatos e em partidos políticos. A lembrança era de uma época que PT era pequeno e novo como qualquer partido de esquerda jovem e fora da política, tanto que nessa eleição, foi o PSB que se deu um pouco melhor. 

Hoje em dia, o PT é um partido grande, de grande política e em nível federal, nada lembra a época do desesperança e populismo político que marcava tentar militar pela esquerda em eleições locais, normalmente, o tipo de eleição mais suja possível. O filme capta bem essa sensação de não estar nem aqui e nem ali ideologicamente. Repetindo a fórmula do filme Bye Bye Brasil (1982), também com Antônio Fagundes, e que era mais focado nesse fechamento do regime na época da Copa de 1970, na época dos "anos de chumbo". 

Quando o policial entrega a foto do homem negro, ele está querendo se livrar politicamente de alguém que já é visto como inimigo do sistema aproveitando para calar a boca da imprensa que estava "cobrando" deles em um processo de abertura que era uma forma de negociação hipócrita, é só pensar na figura do ombudsman e na auto censura feita pela maioria das redações profissionais de jornalismo que cobravam cobertura e declarações de um governo que não era democrática, tornando a cobertura jornalística mera forma de Press Release (assessoria de imprensa), tornando a mídia apenas uma forma de relações públicas das forças policiais (e o jornal local é assim até hoje). 





Ah, os filmes brasileiros antigos! como eu gosto deles. Sangue, suor, sexo e lágrimas sempre percorrem narrativas que pretendem-se como realistas, uma herança que influenciou demais o contexto pós ditadura  e a forma de pensar cinema nacional. 


Não exatamente sendo a "galera de esquerda", já que o diretor foi até ministro da cultura interino do Temer, mas a herança de  seus filmes ficou a posteridade.  Argumento e direção do João Batista de Andrade. O filme conta com a participação de diversos atores e políticos famosos, que aparecem pela televisão, marcante uma certa iconografia paulista



O diretor é famoso por fazer filmes ou ora da ideia de marginalidade e também sobre política. João Batista de Andrade foi amigo de Herzog e ministro interino da Cultura no governo Temer. Ele também é o diretor de outros filmes conhecidos, como o marcante filme O País dos Tenentes, e Doramundo (1978) com temática similar ao filme, e Gamal, O Delírio do Sexo (1969). A estética de filmes policiais nacionais me lembrou muito os filmes de Michael Mann, um jeito parecido de pensar cinema. 




O filme de 1983 foi impactante como tendência e virou uma novela clássica da globo de 1995 também chamada de A Próxima Vítima, com José Wilker e Aracy Balabanian, Suzana Vieira e Claudia Ohana, a única novela de gênero policial da história da dramaturgia brasileira.  Uma clássica novela do "estilo globo antigo", e com trilha-sonora Rita Lee e Roberto de Carvalho. 


Um filme que finge ser sobre um serial killer e uma caçada falsa, mas que se torna uma filme que tem muita sintonia com os tempos e a política da época, mas que na verdade, era um filme sobre uma eleição no fim do período da ditadura, mas uma eleição ainda nos moldes da antiga ditadura militar, o que era reforçado  mostra uma eleição conturbada, onde David soa sem esperança de mudanças efetivas e vê isso em como os jovens partidos se comportavam ainda na "idade da flor da juventude das convicções políticas" e não poderia  A trilha-sonora foi composta por Marcus Vinicius Trilha e o roteiro ficou a cargo de Lauro César Muniz


Em 1983 houve muita correria e mudanças políticas. As eleições distritais e estaduais lograram os vencedores da oposição, com o Partido Socialista, seguido pelo PSD (partido que na época era mais confiado pela burguesia). A vida na época da chamada redemocratização era difícil demais, escolher entre novas ideologias que precisam ainda distante para o povo comum e manter as antigas erradas culminou na decepção da emenda das diretas já, depois do contexto das eleições estaduais, que haviam dado vitória a oposição na grande maioria dos estados. 


Assista ao filme aqui:




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