Pular para o conteúdo principal

The Wall (1982): Filme do Pink Floyd escrito por Roger Waters critica a desumanização e marcou gerações como símbolo de pacifismo

 

The Wall é um filme de 1982 de ação surrealista e de drama musical, dirigido por Alan Parker, baseado no álbum de 1979 homônimo. O roteiro foi escrito pelo vocalista e baixista Roger Water. O vocalista da banda de New Wave The Boomtown Rats, Bob Geldof, que é o protagonista "Pink" da estória. Ele constrói um muro para se proteger dos traumáticos eventos de sua vida, até que enfim ele quer se libertar do julgamento e tradições que formam o "Muro" 



The Wall traduzindo significa "O Muro" ou "muralha" como também é parecido na referência de "Wonderwall" do Oasis. E o que significaria o nome do álbum e filme ser "O Muro", qual é o significado? O Muro ou a muralha é ideia de que a educação constrói muros e muralhas com tijolos uniformes, para depois reclamar que essa parede está fechada em si mesmo sem se comunicar com os outros. A reflexão de que não é a sociedade que faz a educação, mas sim que a educação é que faz a sociedade. 

Até mesmo a letra da música "Another Brick in the Wall" há uma ironia expressa no erro gramatical da frase de protesto "We don't need no education" que se nega dois vezes. Para quem não sabe, no inglês você não pode negar duas vezes, usar "don't" e "no" soa muito errado. É como dizer nós vai, nós foi para nós lusofônicos. Ou seja, por mais crítico ao sistema educacional, reflete que o processo de rebeldia e libertação passa por uma ideia de militância que não é bem feita e também não é exatamente ilustrada, pois é uma rebeldia contra a forma e o conteúdo ao mesmo tempo. 


É uma ironia suprema, para combater o sistema educacional, temos que refletir na nossa própria falta de educação que leva a não sermos ouvidos. Também isso mudou muito, hoje em dia, burrice e ignorância é mais louvado ainda. 


Todos já agem de "acordo com esse preceito". Parecido com "ideia de neutralidade do funcionário público" (um costume padrão), mas que não se sustenta se pensarmos que a neutralidade é para aceitar todo o conservadorismo da educação antiga (que tem lado e posição muito clra), não é uma neutralidade real (contra esquerda e direita, liberais e conservadores), mas sim a preservação do autoritarismo militar de direita padrão e do comportamentalismo preservados como faraós no forma da educação contemporânea e eu vi isso de perto nas escolas e universidades. 


Filme foi dirigido por Alan Parker, o mesmo cineasta do famoso filme "Midnight Express (1968)", o filme da prisão turca, com roteiro de Oliver Stone.  O filme conta com Bob Geldof como protagonista,  é um cantor irlandês e que interpreta Pink e que ficou famoso por músicas como "Rat Trap" e "I Don't Like Mondays, que foram top músicas tocadas no Reino Unido. Ele como Roger Waters é conhecido por seu ativismo e pelas campanhas contra a fome.  O simbolismo do clip é sensacional, e o simbolismo remete a uma tradição de mundo moderno, com uma estética surrealista (não linear). Vale lembrar que o surrealismo foi um movimento ligado nas artes de vanguarda, surgido nos anos de 1920 e refletia nas artes a quebra com o padrão científico renascentista e foi influente em pinturas como Salvador Dali e em filmes como os de Luis Buñuel. 


O filme ele envolve uma sequência de eventos explicando como a inspiração para bandas como Pink Floyd é gestada, como uma resposta em relação a um sistema de educação fechada, e cujo única unicidade é a exigência é de ser humilhado como forma de aprendizado (entre a punição e a recompensada), como Pink é humilhado por produzir poesias e poemas, que por coincidência são parte das letras das próprias músicas da banda. A educação molda então indivíduos padronizados, na metáfora do filme, as crianças são como carne que é triturada para virar carne moída. 



O "muro" que leva o nome do álbum é a "Wall" que construímos para nos proteger de experiências vexatórias e traumáticas, no caso dele, a morte de seu pai, o excesso de proteção de sua mãe, junto com o opressivo sistema educacional que só ensinava obedecer e que busca também desumanizar. 


Se formos falar da importância do Pink Floyd como a maior banda de rock progressivo, a mais influente e experimentadora, falamos dos discos como The Dark Side of the Moon (1971), ou o álbum da vaquinha, ou o do porco voando (com as fábricas ao fundo), o álbum Animals (1977)(um dos meus favoritos).  Esse que foi um disco antes do álbum The Wall (1979) do filme mostrando um momento novo da banda, que já em si contava uma estória narrativa do começo ao fim (ao estilo opera), ao estilo do Ziggy Stardust do David Bowie ou mesmo "Tommy" do The Who. O da vaca é o Atom Heart Mother (1970) e também é muito bom.


Só para ilustrar o nível dos debates educacionais que vemos aí propagados no cotidiano, esses dias estava eu vendo mais um desses memes bobos de facebook (provavelmente uma postagem fake, quero acreditar que isso não é verdade) onde uma "professora" (pode ser que nem seja), tinha um carimbo onde ela repreendia quem em tese utilizava do chatgpt para completar o trabalho do dever de casa.


Quer dizer, e o quanto de chatpgpt  e automatização é questionar o uso de novas ferramentas de dinamização de conteúdo sem oferecer outro conteúdo no lugar desse que você nega, apenas apontando uma possível cópia, quando a porra do chatgpt é como se fosse um agregador de tudo que existe sobre o tema (indexador), então se você culpa seu aluno por usar o chapgpt você está dizendo que o agregador de conteúdo é produtor de conteúdo e logo é errado "pesquisar tudo", enquanto alguns métodos educacionais são apenas a mesma preservação automática e de cópia pois envolvem a negação do direito do aluno de participar do seu processo de aprendizado. 


É como se fosse um "ludismo mental" (atitude de destruição dos 'equipamentos mentais' e demais instrumentos de inovação), é novo, é diabólico, é ruim. O mesmo aconteceu com a máquina de escrever e o computador, o rádio e a televisão, e claro, nos tempos recentes, o mesmo processo aconteceu com a internet, que por mais privatizada que seja, ainda é a biblioteca mais aberta e democrática do mundo.  


Os simbolismos do filme são vários, como é um estilo de filme de opera musical, envolve uma análise de elementos surrealistas e simbológicos aparentemente aleatórios mas que marcam a vida pessoal e ideológica dos personagens envolvidos.  A figura do juiz simboliza a figura de autoridade dantesca e mais uma vez a opressão de uma sociedade ao mesmo tempo extremamente punitiva, e extremamente ressocializadora (ao estilo da reflexão do filme Laranja Mecânica).   A figura dos martelos em marcha é clássica demais e simboliza essa destruição do indivíduo e a transformação de um em coletivo de maneira forçada. 



Os vermes simbolizam a dimensão da corrupção enraizada em uma sociedade de origem monarquista e que praticamente nunca deixou de ser (apenas com Crownwell). Eles consomem a mente de Pink que fica perturbado com uma invasão na sua mente. O pacifismo vindo do trauma da perda do pai de Pink na Segunda Guerra Mundial mostra parte real e histórica que mostra o horror com a herança e a cultura da guerra também são formadores de uma espécie de educação civil militar que oprime o indivíduo e ensina a equiparar a violência com a florescência sexual, nutrindo uma natureza predatória nos relacionamentos, isso visto no simbolismo das flores. 


O filme também tem espaço para criticar o papel da mídia e da televisão em aumentar ainda mais o isolamento e o desprendimento com a realidade das pessoas em sociedade, fortalecendo ainda mais o processo de idiotização. 


Mostrando aqui também os efeitos nefastos e pouco debatidos da fama. Se dinheiro, poder e fama é tudo como muitos pensam, porque tantos famosos das artes tem overdoses de drogas pesadas, ou querem fugir da fama como Kurt Cubain e Amy Winehouse? Porque a fama tem um "lado obscuro" que carrega ser famoso, você vira praticamente um boneco de ventríloquo de interesses que moldam você com a sensação de que não se pode fugir, e que você tem que se adequar com uma modificação do seu trabalho que pode tirar a sua personalidade original, é a sensação da perda da áurea na arte em função da alta difusão e reprodutibilidade  e isso foi discutido por Walter Benjamin, muitos anos atrás já. 


Outro simbolismo envolve a máscara, de onde Pink esconde seu verdadeiro eu e sentimentos dos outros, e o 'buraco negro', onde Pink é sugado e acaba caindo, simbolizando a situação de ficar maluco e ficar preso em um vazio. A destruição do mural/parede mostra essa tentativa de volta e reconexão com o mundo na destruição da muralha mostra essa ideia de ação e resistência em torno da muralha (The Wall) que é a essência de todo o filme e do álbum também. 



A história foi baseado de maneira parcial na vida de Roger Waters e seu sentimento de isolamento e abandono e traumas de juventude. O filme é difícil de ser analisado em um plano de roteiro, com poucos diálogos, é um filme extremamente visual (com perdão da obviedade). Para isso, o filme contou com o cartonista e ilustrador Gerald Scarfe, que criaram a sequência animada que tanto marcou o filme.


O interessante é que além de usar as músicas do álbum de 1979, alterou ou aumentou na edição alongando algumas das músicas e incluindo as clássicas "Comfortably Numb" e "Another Brick in the Wall na narrativa do filme, que fica como uma faixa no disco original da parte II da música. 


O filme ganhou aquele status de filme super cult e clássico e isso só foi aumentando ao longo dos anos, em particular para fãs do estilo do Pink Floyd e do próprio rock progressivo. Se eu fosse definir em poucas palavras chamaria de "opera musical surrealista" que impactou a cultura jovem servindo como um grande manifesto em favor da juventude, uma crítica contundente ao sistema educacional e também crítico ao processo de 'idiotização' em massa que somos expostos sempre. 


O DVD foi relançado diversas vezes e em diversos formatos, com adição de participações e entrevistas com elenco e produção do filme. São vários os detalhes interessantes e menores, como a perda do brinquedo, do boneco de Pink simbolizando a perda da inocência na infância.

 

O medalhão e o martelo usados por ele como símbolos mostram essa ideia de regimes opressivos que influenciam, moldam e obrigam as pessoas a possuírem o mesmo comportamento que eles, como os Nazis, os Fascistas na Itália, ou Salazar em Portugal (na pauta do nacionalismo). Uma reflexão de identidade, ao Pink usar as sobrancelhas depiladas mostra ele ficando cada vez mais fascista ao se rebelar contra o próprio processo de educação que o fez fascista (aqui eu penso se a intenção não era soar como Assim Falava Zaratrusta, nessa ideia da fuga do mundo que pode gerar o bem interno e o mau externo). 



Isso é muito profundo que estamos falando, mostrando uma dimensão de crítica interna, pois é uma crítica dupla, queremos mudar o mundo, mas sempre não sabemos como. Então acaba virando aquela velha máxima de que quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor, e o filme mostra isso com uma exatidão tremenda.  


O muro ou muralha podem significar várias questões e isso é interessante do surrealismo, essa interpretação mais frouxa, quando a linearidade e "apenas uma verdade" (unicidade da verdade) é o que nos é imposto aparando a originalidade e nos transformando em tijolos de uma parede que representa a ideologia e as instituições vigentes. As figuras de autoridade como a mãe e o professor simbolizam essas barreiras intransponíveis na composição emocional de Pink; A parte da música Comfortably Numb simboliza essa desistência e fuga do mundo, essa dissociação gerada pelo trauma mas que gera mais trauma ainda.  


Esses detalhes como as mãos sagrando, a piscina vazia e depois a inundação, que demonstram a culpa de sangue do imperialismo britânico reencenado como um teatro das moralidades cujo objetivo é provar a superioridade ocidental a todo custo, como também demonstram uma certa culpa individual que gera uma autodestruição, explicando as diferenças entre o mundo do rock progressivo e a cultura punk (que aqui o filme critica o poder de ser tão tradicional quanto o que se critica, pensando o Sex Pistols e seu não tão irônico "God Save the Queen". 


Muito da estética punk (um tipo específico de punk) foi feito se inspirado ao estilo da moda "careca", jaqueta de couro, roupas rasgadas, sapatos como botas militares que em tese serviam para "zuar" a estética nazi transformando em uma forma de estética queer (esse é o caso completo do Sex Pistols), foi uma forma de ressignificação da moda, o ápice disso é com uma banda que nem é Punk, a banda Rammsteim. Existe todo aquele debate sobre mudar o significado da moda é um debate em aberto e que todos podemos ter e pensar o que significa se nutrir de símbolos para tornar eles outra coisa.   


Mas aqui vemos a crítica perfeita do Pink Floyd, não seria a adoração ao ídolo do rock a forma moderna de culto ao ídolo e culto a personalidade que tínhamos enquanto sociedade na época dos regimes extremos e opressores? Não mantemos a mesma dominação carismática (nas palavras de Weber)?  


Eu adoro o punk, adoro um The Clash por exemplo, mas o sentido de destruição da violência anarquista sem medida (o 'se há governo soy contra' tradicional dos jovens) pode gerar uma coisa ao estilo "punk de direita" que vemos em alguns países  com tradições mistas como o Brasil mesmo, por exemplo com os jovens do MBL ou Partido Novo. Essa lição do filme mostra as dimensões até mesmo da responsabilidade da crítica e sobre quem nós somos é moldado até mesmo no sentido de resistência pelas tradições de que nós desejamos tanto nos afastar.  


O filme teve um impacto gigante na cultura pop e compara a rebelião da escola com as situações entre polícia e exército em uma ideia de unicidade das instituições e do pensamento em relação a juventude em geral. No momento que um dos integrantes da banda incorpora o ditador, ele faz isso na frente de uma audiência também de jovens. 


O filme sabe chocar nesse estilo de musical e filme narrativo expondo os horrores da guerra.  Tudo isso ao grande estilo da "opera rock" como fazia Freddy Mercury com o Queen também. Os professores puxam a orelha dos alunos, entre eles, Pink, o protagonista dessa estória. Eles zoam uma menina por ter versos que eram os mesmos de frases de músicas da banda. 


Uma das cenas clássicas é a cena de "Another Brick in The Wall". É muito engraçado quando as crianças viram praticamente carne moída depois de cair de podre em fileiras. Na cena seguinte, as crianças cantam enquanto colocam fogo na escola, claro, apenas de maneira como as crianças queriam. A criança quer construir o "muro", o muro de proteção contra as invasões externas. Outra cena marcante é de jovens quebrando e saqueando lojas. 


A paranoia da mãe de Pink de ter o criado após a morte do pai simboliza esse medo e esse controle parental das mulheres britânicas, muito conhecido na terra do patriarcado e conservadorismo, onde apenas consegue emplacar longos reinados de rainhas mulheres. Vemos as recordações da guerra que Pink olha para se lembrar do pai, isso faz refletir que os horrores da guerra, sempre justificados de uma maneira ou outra, são horrores feitos em vão. 


Mostrando que o professor é mau assim por ele mesmo ter um casamento ruim e por isso ele pune os seus alunos. Aí é que vemos a sequência do sonho mental de Pink no triturador de carne antes dele atacar o professor. A muralha que se constrói então é a muralha de traumas que são a própria forma de educar, aqui educar é traumatizar porque a educação ensina o louvor o sistema de exclusão que te excluí. 


Como adulto, o próprio Pink tem os mesmos problemas que seu professor anos antes tinha e percebe que sua mulher o está traindo, o que ele reage com violência que contribui para a construção de sua muralha mental, ainda mais quando ele traz uma fã para casa e assusta ela depois com sua violência. 


Na sequência dos vermes, vemos que ele assistia ao filme de 1955, The Dam Busters, sobre a Inglaterra atacar os Nazis. A contradição é o que país demorou a ver os benefícios de ir contra os Nazis, fazendo até mesmo pacto de neutralidade com eles, como já foi criticado na A Dama Oculta de Alfred Hitchcock. 


Mas o que a banda critica é que mesmo estando no 'lado certo da guerra', no conflito mundial que talvez todos do mundo ocidental apoiavam, mesmo assim, a guerra gera um "trauma de geração" que as futuras gerações sentem como um fardo, uma necessidade de entender a época que "não se podia comprar cebola" e que houve extrema escassez de alimentos na abastarda Inglaterra. 


A crítica consiste em dizer que nem mesmo esse conflito e essa guerra "valeram a pena" e moldaram toda uma geração em torno da recusa dos ideais das velhas gerações. A reflexão simplificada para o rockeiro aqui é que a sociedade e a educação primeiro te traumatizam até o ponto que você vira tão mau quanto como você foi ensinado, e aí começa o processo de continuação do trauma que é virar para você e falar "você está louco" sem nenhum motivo para tal e daí te cobrar como se todos fossem tão "normais".  


Se para Pink o destino é incerto enquanto ele grita de dor, porque ele é aquilo que ele quer fugir (todos nós somos), vemos que as crianças limpam a sujeira da muralha caída, pegando o que restou da sociedade e do sistema falho enquanto uma delas esvazia um cocktail molotov, mostrando que depois da fúria da guerra, vem a reconstrução feita pela mesma geração que é abandonada e tratada mau como um reflexo da própria guerra, isso reflete muito sobre o legado e mostra como que esse filme seria também para os fãs de Pink Floyd, como também uma mensagem pra futuras gerações.


O próprio juiz ordena que Pink fosse exposto diante dos seus e que destruísse a tal muralha. Aqui vemos mais uma vez essa referência, o trauma "especial" de ser britânico e viver no sistema conservador e conservar uma lembrança particular da guerra acaba gerando frutos, uma nova geração muito mais furiosa e consciente que usa essa "muralha" e ressignificar.


Comentários

Em Alta no Momento:

F1: Análise e Resumão do GP da Holanda 2024

Ambulância - Um Dia de Crime (2022): Análise e todas as curiosidades do mais novo filme de Michael Bay

Fahrenheit 451 (1966): Filme retrata sociedade distópica onde os livros foram banidos, sendo o melhor filme de Truffaut

"1883" (2021): Análise e curiosidades da série histórica de western da Paramount



Curta nossa página: