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O Dólar Furado (1965): Faroeste italiano retrata o pós Guerra Civil para comparar com o contexto seguinte a Segunda Guerra Mundial




Com o fim da guerra, Gary O'Hara (Gemma), um tenente confederado, é libertado do campo de Prisioneiros de Guerra, sua pistola teve o cano serrado, assim como a arma de seu irmão Phil e todas as pistolas dos Tenentes do Sul. Quando chega em casa, descobre que sua família está pobre. Ele decide viajar para Yellowstone para trabalhar e voltar depois de 3 meses. Lá ele conhece o rico dono de terras McCoy, que contrata Gary para pegar um homem chamado "Black Jack", que supostamente causou estragos na comunidade. Gary descobre que o bandido é na verdade seu irmão Phil, que o reconhece apenas um segundo depois de atirar nele. McCoy e seus homens matam Phil e ordenam que um local enterre os corpos. Entretanto, Gary sobrevive ao tiro graças a uma moeda de um dólar de prata em seu bolso. Agora, motivado por vingança, Gary busca se reencontrar com seu patrão para acertas as contas


Confira aqui onde assistir o filme


Minha experiência pessoal com esse filme é engraçada. A primeira vez que ouvi falar do Dólar Furado foi quando soube, muitos anos atrás, que era o filme favorito de minha avó. Depois, ao passar a assistir filmes de faroeste de maneira mais séria, acabei chegando nos filmes de Gemma, estrela desse filme.


Logo de cara que dizer: um Dólar Furado é um filme um tanto excêntrico. Ele é praticamente igual ao filme Adios Gringo, já analisado aqui no blog. Não é demais dizer que este filme é uma versão 2.0 daquele filme. Ele tem um roteiro mais confuso do que Adios Gringo e ainda sim ficou mais popular.



Começando pelo elemento do contrato. Em Dólar Furado, temos uma cena inicial de Gemma demonstrando sua habilidade no tiro na época em que ainda servia ao exército. Ele era o às do tiro, admirado por superiores e soldados rasos até mesmo do exército rival. Só que com o fim da guerra civil, sua habilidade não serve de nada na sociedade, onde a arma de cano serrado é metáfora da sua falta de potência perante a situação. 



Esse é o primeiro ponto interessante do filme, que reflete que a violência, a habilidade com armas, de nada serve em tempos de paz. Então, toda a meritocracia da guerra e das forças armadas só vale para aqueles que buscam seguir uma carreira militar, onde só saber atirar bem pouco tem haver com isso. Logo, a vida real, a vida de todo dia exige uma resiliência que pode desafiar mesmo um soldado. 



Aqui preciso dizer: como é um spaguetti western, uma produção italiana, retratar o contexto do pós-guerra civil americana é uma proposta além de repleta de ironia e cinismo, faz de tudo uma representação muito crítica ao senso comum e ideologia dos Estados Unidos, onde o os filmes de faroeste também estão incluídos aí. Na verdade, o filme logo de cara deixa óbvia sua metáfora que é falar do contexto do pós-guerra civil para comparar com os anos posteriores a Segunda Guerra Mundial. O contexto do filme é uma metáfora dos Estados Unidos: ganhou a guerra mas e agora como fará para viver em um período de paz? E Gemma, uma metáfora dos derrotados pela guerra, como a Itália, que tem sua moral jogada no lixo por ter aderido ao fascismo (o patrão McCoy). 



Gemma então volta para cara e vê que sua família não está nas melhores condições financeiras. Ele se vê obrigado a aceitar o trabalho de capataz para um senhor de terras local. O filme apresenta um cena meio alegórica aqui ao mostrar que o lugar seria tão distante e a situação de Gemma era tão humilhante que seu cavalo morre a poucos metros da entrada da cidade, como uma metáfora da liberdade que ele está perdendo: a morte do natural.



Aqui o filme fica confuso mas é de propósito. O filme entra em uma parte dois, onde Gemma passa a fazer coisas que repudia para o poderoso dono de terras. Em um desses dias, ele é mandando abordar um homem chamado Black Jack que, muito aleatoriamente, se assusta e atira contra Gemma, derrubando o homem. Assim, os homens do fazendeiro aproveitam e atiram em Black. O xerife é chamado no local e, em uma pegada cinema novo, ele já está junto com um juiz. Ao explicar o cenário, o juiz declara que foi tudo legitima defesa. 


Por achar que ambos os homens estão mortos, o fazendeiro manda enterrar os corpos dos dois homens. De uma maneira mórbida, mesmo após um tiroteio onde morreu uma pessoa ali na frente de todos, aos todos virarem as costas, a música e a festa retornam ao saloon como se nada tivesse acontecido. 


Depois, o homem encarregado de enterrar o corpo de Gemma descobre que ele não está morto: uma moeda de dólar segurou o tiro ("daí o nome do filme!"), ao que o homem fala que foi um "milagre". 



Por isso, a cena onde ele ressurge de maneira épica pros capangas de McCoy é épica, puro suco de faroeste. Todos achavam que ele estava superado e ele apere ali, como um fantasma, com o dólar que salvou sua vida em sua mão. Épico. Um detalhe: ele aparece sem barba e com uma roupa bege, muito parecido com o visual de Adios Gringo. Essa cena da luta com os capangas é filmado no mesmo local, que parece uma fazenda, onde foi filmado uma cena muito parecida em Adios Gringo. 


Para resumir, pois o filme só enrola para chegar nisso, ele descobre que o senhor de terras é um cara mal, e que ele e o xerife são antigos foragidos da lei.



Ainda tem a sequência da esposa de Gemma, que vai para cidade atrás dele e é sequestrada e quase estuprada, enquanto os capangas do fazendeiro espancam Gemma. Essa cena só está aqui para corrigir, mais uma vez, uma trama ruim de Adios Amigos, onde uma moça aleatória que Gemma encontra havia sido violentada e deixada amarrada para morrer, onde Gemma não pode fazer nada pois chegou depois de tudo acontecer. Em Dólar Furado, ele se liberta e salva sua esposa, que nada sofre.



No final, eles ficam encurralados pelo fazendeiro e a única opção de Gemma seria matar o facínora. Entretanto, antes que ele precise usar a arma a população local aparece e vai para cima do poderoso local, onde várias pessoas começam individualmente a atirar no homem, que morre fuzilado, para deixar a metáfora que foi o próprio povo que se revoltou com a opressão do rico local. Gemma termina por largar a arma no chão de cano serrado e ir embora, de volta para casa, com sua esposa escolhendo o caminho da paz e sem se preocupar de perder o emprego e deixar tudo aquilo para trás, percebendo que ele já tinha a felicidade e não sabia. 



Em Adios Gringo, Gemma também enfrentava um poderoso local, mas no final tudo se resolve na bala e com um juiz local cavalgando até o conflito para prender o fazendeiro poderoso.



Essa recusa a violência final de Dólar Furado torna o filme épico. O contrato falso de gado de Adios Gringo aqui é um contrato trabalhista. O rico local, seu chefe. E a justiça, um reflexo da insatisfação popular. Como disse, vários elementos parecidos mas melhorados, onde a violência não é vista como a solução final, mas fim o pacifismo. 


O dólar furado em si que salvou a vida do seu irmão, é a metáfora perfeita da presença dos Estados Unidos no pós-guerra e a dolarização da economia mundial: é uma furada mas é o que salva no final. Ele não foi salvo no final pelo emprego fixo e por saber aproveitar as oportunidades mas pela economia popular e local, através do sistema de trocas e relações mútuas: Favores e oportunidades. Como o homem que verificou se ele estava vivo antes de enterrá-lo. Ao mesmo tempo que ele é salvo por esse dólar, seu irmão, semelhante a ele pois lutou na guerra do mesmo lado que ele, não conseguiu sobreviver nesse novo sistema. 


Ou seja, se pensarmos no filme como uma metáfora de sua época e contexto, as pessoas e a economia global só aderiram ao sistema dolarizado por representar uma alternativa ao nazismo/fascimo, não por amarem os Estados Unidos. É uma busca verdadeira pelo ideal de liberdade, e não a liberdade usada como propaganda. Afinal, os Estados Unidos estão longe de ser a terra da liberdade para imigrantes como vendido, assim como a dolarização está longe de ser a salvação da economia mundial.   



Em comparação com Adios Gringo, sendo ambos os filmes de 1965 e dirigidos ambos por alguém de nome "Giorgio", Dólar furado se tornou mais famoso por sua mensagem ser mais bem trabalhada, profunda, épica, refletindo algo que impacta a vida de todos. Entretanto, Adios Gringo é mais pulp, engraçado, menos sério e por isso melhor dirigido, só que com uma mensagem pueril, que busca mais marcar por sua identidade visual. É por isso Dólar furado se tornou mais épico, por ter um roteiro mais acabado e profundo.


A trilha sonora, principalmente a canção tema com seu assovio distinto, é muito marcante. Marcou a memória coletiva em torno do que a trilha sonora de faroeste deve ser. É possível ver a influencia desse tema, feito por Gianni Ferrio até hoje, em filmes de Tarantino, por exemplo, que já usou uma versão da música em Bastardos Inglórios. Totalmente marcante e épica em sua sonoridade.



É um filme muito bom mas com limitações. As atuações, tirando Gemma e alguns poucos outros atores, é risível de tão ruim. Por vezes, é possível ver o ator se posicionar para a câmera para dizer sua fala. Isso é comum em filmes de spaguetti western, mas como eles geralmente não são filmes muito pretenciosos, ignoramos esse detalhe. Aqui temos um filme arrastado e com várias reviravoltas, mas que não consegue acompanhar isso na técnica. Porém é criativo e sabe usar suas limitações para fazer um filme envolvente e que passa uma mensagem bacana e atemporal, dando a ele um bom fator replay (ou seja, vontade de ver o filme de novo). Por isso é um filme que eu recomendo muito.


Assista aqui:












Comentários

  1. Só esqueceu de mencionar a trilha sonora, que é linda.

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    1. Poxa, é verdade! Acrescentei um paragrafo comentando a trilha, que é incrível

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