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1984: A atualidade do romance e as diferenças do filme para o livro de George Orwell


Dirigida por Michael Radford, baseado no clássico de George Orwell, de 1949. Seguimos a vida de Winston Smith, um funcionário público de baixa patente que luta para manter sua individualidade ao perceber que o novo regime excluía aos poucos a História, a arte e os sentimentos através dos instrumentos de censura pública e da simplificação (novilíngua). Para completar, Smith se apaixona por Julia passando a temer que a polícia do pensamento persiga os dois 


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Um filme e livro para sentir e pensar. Um clássico atemporal para a cultura pop e para as discussões políticas e literárias.


Todo mundo conhece esse livro, é o top dos tops das distopias, o maior clássico de todas as distopias já escritas, do escritor George Orwell, que se chamava na vida real Eric Arthur Blair (que tirou seu nome da admiração que sentia pelo Santo George e do Rio Orwell em Suffolk, na Inglaterra).   

George Orwell foi um escritor e jornalista britânico (porém nascido na Índia), que escreveu clássicos como "Revolução dos Bichos (Animal Farm)", e o clássico "1984", imaginando a sociedade do futuro, o que é irônico, já que o filme foi feito no ano imaginado por Orwell. 

Se pensarmos na literatura que veio antes de George Orwell ou Aldous Huxley como E.M Forster (Passagem para a Índia), a temática do abandono do nacionalismo e a entrada ao mundo universal já estava sendo altamente debatida, mas ainda era muito tímido em termos da crítica em relação ao controle biológico impetrado do ramo dos costumes e das leis. 

Na época, Oscar Wilde havia sido preso por ser gay e começou a ter leis de proibição e relação a homossexualidade na Inglaterra, por exemplo (já que Forster era um escritor gay britânico e escondia isso por medo). No seu livro, o empecilho do colonialismo impedia a possibilidade de amizade entre ingleses e indianos, mas por fim, a raça significa a mesma coisa que a nação, então nada é mudado (as relações são negadas), mesmo entre amigos. 

Já no George Orwell, o sentido é mais pró ser humano e do casal, já que ninguém é "culpado" pela opressão que o regime (ou estado) pode exercer em relação ao indivíduo, por isso que mesmo com a tortura e a traição ao amor romântico e a "ressocialização", mesmo com tudo isso, ainda no fim, resta o amor na nossa programação. Uma baita mudança em relação a literatura inglesa, já que havia quebrado muitas barreiras com escritores como Forster, Virgínia Woolf ou mesmo Bernard Shaw e seu socialismo romântico. 


Muitos acreditam que sua crítica era exclusivamente para os regimes soviéticos e na verdade, o que ele estava criticando era os estamentos políticos e ideológicos de burocracias complexas, como o próprio Reino Unido. Ele foi atuante contra o fascismo ao se alistar na Guerra Civil Hispânica (1936-1939) junto aos republicanos contra os nacionalistas de Franco e sua obra também é em grande parte herdeira disso. 


O filme de Michael Radford é muito bom por decidir ser mais romântico que o livro, ele também dirigiu a adaptação de O Mercador de Veneza de Shakespeare de 2004, nesse filme, tem diversas diferenças do livro original, o romance do filme é mais sentimental nas telas do que é no livro. 


No livro, há um questionamento muito maior em torno da opressão, sistematização e controle mental da sua rotina dentro da sua sociedade, ou seja, uma reflexão do coletivo esmagando o indivíduo, uma grande questão em torto do que podemos entender como uma "sociedade de controle total". É muito legal ver a tal paisagem de campo para onde eles fogem pela primeira vez. Já que esse cenário já tínhamos lido igual no livro antes.


 

Acredito que já tenha lido 1984 umas 4 ou 5 vezes, e toda vez, sinto que não é apenas um livro, é um criador de tendências e um baita dicionário e criação de vocabulário também, por isso que chamam algo muito distópico de algo "orwelliano" (que realmente virou uma palavra no dicionário), algo ao estilo do escritor, distópico e político é descrito como orwelliano. 


O que acho interessante é a ideia de uma distopia política, para além de imaginar os meios de telecomunicações como extensões do pensamento da sociedade e do controle de censura produzidos pela sociedade, Orwell adivinhou a tendência conservadora que as novas tecnologias poderiam ter em uma sociedade que vivenciou eventos como as duas grandes guerras mundiais, entre (1914-1918) (1939-1945). O mundo aprendeu a viver na guerra e as nações aprenderam o valor da guerra para o aumento do nacionalismo, culminando no fascismo e no nazismo.

O livro trata de temas sérios, mas também sentimentais, como a questão da "política da verdade" nos regimes políticos e nas ideologias em geral. 


O autor associou os espaços de burocracia e governos com a ideia de controle biológico do prazer, do amor e das relações humanas em geral. Amar poderia te tornar menos submisso ao regime, você teria então que amar mais sua pátria do que sua mulher, no exemplo. Parece absurdo, mas é uma exemplificação de como os aparatos modernos de sociedade e poder governamental e mundial são aparatos autoritários que visam minar o individualismo alheio acreditando que a sociedade sempre pode se impor em relação ao indivíduo.   

 


Mas o que Orwell não poderia prever é que teria uma grande quantidades de pessoas no futuro sedentes pelo controle sistematizado das tele-telas (televisões, celulares e internet), por isso que os americanos criaram o programas de reality show, um deles inclusive utilizando do nome do líder político do livro, o  Big Brother (o olho que tudo vê), é uma metáfora da força dos ditames sociais que podem ser produzidos por líderes políticos que nada são do que fantoches de grupos fantasma e conservadores que realmente nunca saíram de cena, e nesse sentido. O "Ingsoc" seria isso o que podemos chamar de "socialismo inglês" onde disposições de esquerda são usadas para manter o grupo dos conservadores sempre no poder. 


Nações como o Reino Unido, a Rússia de Putin, e os Estados Unidos de Biden são metáforas perfeitas modernas da ideia do Grande Irmão, eles encabeçam financiamento financeiro e utilizaram de seus arquipélagos militares assessorados ou "mandados" por forças que vão além deles, eles apenas representam o regime, por isso que o poderio bélico é tão importante, porque é o que difere do convencimento carismático baseado em discusso e ações programáticas vendidas sempre como "humanitárias". 


Outra diferença é o fim do filme mais ambíguo e aberto para interpretação que no livro, que é bem pessimista para não dar muito spoiler.  A violência mostrada filme foi diminuída nos detalhes gráficos, quem lembra do livro lembra das sinistras cenas de tortura e da organização burocrática dos departamentos de Estado, (onde o órgão sempre faz o contrário daquilo que se propõe em sentido kafkiano). No Ministério da Verdade era responsável pelo controle de informações e propaganda e de reescrever a história oficial e alinhar tudo com a ideologia oficial do governo. 


O Ministério do Amor é onde o Estado mantém a lei e a ordem através de punição e medo aos crimes de "pensamento" (crime de criar algo original, por exemplo, sentimento, ou referenciar algo antigo e histórico  e sentimental). É responsável pela reeducação, em relação a quem questionava a ideologia do partido usando de tortura e manipulação psicológica nos indivíduos considerados inimigos do estado. 


Para quem acha que 1984 é viagem ou não tem nada a ver com a realidade está errado, Orwell acertou muito na sua forma de crítica, basta pensar na força perniciosa que o o nazismo na sociedade alemã coordenava todas as forças políticas e ideológicas de maneira a condenar o indivíduo a ter a ideologia do estado.  


O fascismo na italiana, ou a ditadura militar brasileira (que durou 21 anos onde não tivemos eleições diretas, apenas bipartidarismo mentiroso), um exemplo moderno que mostra que sociedades ditatoriais de controle não são fantasias utópicas, elas estão ali bem perto. Por isso a década dos anos 1980 com Reagan (um antigo ator) sacramentava o espetáculo fingido da política mundial e lembrava que o mundo economicamente e socialmente entrava de cabeça na era do neoliberalismo selvagem. 


Esse pessimismo democrático estimulava a fórmula de produções sobre distopias inspiradas em países subdesenvolvidos que estavam passando por caos com o fim de suas ditaduras e o fim da antiga União Soviética. Reagan era uma forma de resposta pronta e populista com fórmulas que privatizam ainda mais a já muito privatizada economia americana. Trocando em miúdos, com exceção de Bush e seu pai que tinham apoio do lado mais conservador e que fizeram uma guerra primeiro no golfo, depois Afeganistão e Iraque.


É dessa década os filmes como o próprio 1984 (feito no mesmo ano projetado no livro), ou filmes como Brazil (do diretor Terry Gillian, do grupo de comédia Monty Python), sobre uma sociedade distópica muito parecida com o nosso país nessa época, que vivíamos na hiperinflação (governo do José Sarney) causada pela bronca que a direita ficou com o fim da ditadura no Brasil. Filmes da década de 1980 eram muito bons também como Mad Max (1979), ou Passagem para a Índia indicavam alguns temas semelhantes, como distopia e romance, por exemplo. 


Mas tem uma diferença que faz de George Orwell alguém muito mais humanista e feminista que E.M Forster em seu pensamento, já que a mulher é igual ao homem no sentido de estar sendo controlada na sociedade, ela não é a vilã, o motivo da "continuação do colonialismo", em 1984, apesar dos dois se traírem por ser inevitável pelo nível de opressão do regime, logo, mesmo com a "traição" dos dois, eles ainda mostram que se amam, mesmo com toda a "desprogramação", principalmente no filme. 


É só fazer um levantamento histórico do controle conservador no mundo, as ditaduras do cone sul por exemplo, coordenadas e financiadas por entes estrangeiros. Já o terceiro ministério é o Ministério da Paz, responsável pelas questões de guerra. 



Mas não era o futuro exatamente dos anos 1980, vemos a influência dessas novas tecnologias, como grandes televisores e hologramas na adaptação do filme (algo que não tinha exatamente no livro), o filme puxou uma influência de Europa e do Reino Unido pós Segunda Guerra, onde a escassez de recursos e alimentos gerou uma paranoia junto com a formação de novos Estados e países que agora teriam que conviver em uma forma pacífica. 


Orwell viveu na pobreza entre Londres e Paris enquanto escrevia sua autobiografia sobre pobreza e injustiças sociais antes de atingir sucesso literário. Ele era contra uma prosa eloquente que não se explicava em sentido, ou seja, era fã da simplicidade e da objetividade em um texto. 


No super vigiado Estado da Oceania e sob constante vigilância da polícia, Winston Smith trabalha em um pequeno cubículo do "Departamento da Verdade", reescrevendo a história ditada pelo partido e por seu líder supremo, o olho que tudo vê, a figura mitológica e representativa, que nunca aparece na realidade para além de sua imagem em hologramas que passam em todos os lugares, televisões, outdoors, posters de propaganda, e principalmente na 'Praça da Vitória' onde o povo se reúne para saudar o partido e ver vídeos de guerras correntes. 


Parsons, seu amigo e vizinho parece contente em seguir as leis do Estado, mas Winston perseguido por memórias de infância ruins e por desejos carnais latentes. Sua vida muda quando conhece uma jovem mulher chamada Julia que trabalha na impressão do departamento, e mantem um diário com seus sentimentos e questionamentos em relação as verdades universais ditadas pela sociedade. 



Na primeira vez que eles se encontram em um lugar distante do centro, depois passam a se encontrar em um hotel secreto escondido por um comerciante de antiquários de objetos e que ajuda ele a encobrir seu caso.  Eles compram comidas proibidas e supérfluos comprados no mercado negro e dividem segredos. O caso deles acabou quando a polícia do pensamento fez uma operação para prender eles dois, revelando que tinha já uma tela que filmou eles, que são levados ao ministério do amor para ser interrogados e depois "reabilitados" de maneira separada.


O'Brien (o conhecido ator britânica Richard Burton em seu final papel) que era alguém que Smith já desconfiava de antes, passa a torturar ele para ensinar os princípios do doublethink (o duplipensar), que significa a prática de pensar em duas formas de pensamento contraditórias e articuladas simultaneamente), onde Winston na sala 101, onde ele é informado que vai ser torturado com seu pior medo (no caso dele, ratos), daí ele renuncia ao amor por Julia e termina subjugado por seus pensamentos de rebeldia anteriores. 


O que se destaca da adaptação de diferenciado é a atuação de John Hurt (muito fiel ao clima do livro), os locais de filmagem foram os arredores de Londres, usando reais edifícios, a estética mirava em reproduzir o incsoc através da imitação do estilo geral das propagandas do realismo soviético (corrente do marketing político em alta na época). A música da trilha-sonora do filme é composta por Annie Lennox e David A. Stewart do grupo Eurythmics. 


Muitos consideram a ideia de vigilância e controle como algo que veio da literatura fisiocrata, com a ideia de felicidade para a maioria, a ideia do Pan-óptico como a nova tecnologia das prisões dentro do século XVIII mostra na história e na tradição onde essas ideias de controle se originaram e isso ocorreu nas prisões primariamente.


Winston volta para o Chestnut Tree Café, onde ele tinha  visto antes Jones, Aaronson e Rutherford (acusados de crime de pensamento, mas que já haviam sido membros internos do partido), eles foram vaporizados e considerados "não pessoas". 


Ele encontra Julia de novo e eles refletem sobre como eles foram separados. Depois ele assiste um vídeo onde ele confessava seus "crimes" para enquanto pedia perdão para a população. No fim, as notícias diziam que mais uma vez a guerra mundial de forças da Oceania no Norte da África, mesmo reduzido como homem e pessoa, Winston olha a imagem do Big Brother, e olha para sua amada e sussurra "eu te amo", no livro, ela é quem entrega o bilhete dizendo isso.


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