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Relatos Selvagens (2014): A insanidade da sociedade ocidental e seus valores em crônicas que refletem a crise da Argentina

 

Relatos Selvagens, dirigido por Damián Szifron, é composto por seis estórias onde o irracionalismo humano e da sociedade são levados ao extremo. Ao longo do filme, a cotidianidade absurda das tramas reflete os valores e méritos aos quais a sociedade ocidental está fundamentada. As histórias são "Pasternak", "Las ratas", seguida por "El más fuerte", "Bombita", "La propuesta" e "Hasta que la muerte nos separe", todas repletas de ironia e realismo selvagem que dão um tom único ao filme 


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Loucura, insanidade, maluquice braba, é a sensação desse filme  e provavelmente é o medo mais sensato atual por parte dos argentinos, de uma loucura sem fim, bad trip mesmo. Hoje em dia, o presidente dos argentinos se preocupa com reencarnação de cachorro e tarô. 



Não levem a mal argentinos, vocês são absolutamente legais e culturais, adoram histórias com crimes e tribunais como muitos e também são uma terra de futebol como nós, e vocês tem o eterno tango, a dança elegante do mundo, mas é demais eleger Macri, pensa em um Zelensky piorado. Mas quando colocamos a regra, os argentinos ainda são mais brancos e logo, mais ricos. Lembra de Macri? da linha nacionalista Raúl Alfonsín (do partido da União Cívica Radical), ele mesmo, que tem think tanks contra o que eles chamam de "esquerda populista", ele deu uma declaração dizendo ser a favor de uma "moeda em comum" entre Brasil e Argentina. E Milei nessa história? 


É aquela falsa renovação de direita respaldada em uma direita tradicional e derrotada. Agora o ajuste fiscal de 50% no valor do peso não serve de nada pois não ataca o problema da inflação dos itens básicos, não ataca o problema da inflação de mais de dois dígitos, o processo se não for bem pensado vai levar a classe média argentina a pobreza real, salvando aquele tradicional 10% de ricos que vão conseguir se safar por dolarização e esquemas assim. 



Os liberais do Plano Real também no início não tinham muita imaginação em como lidar com o problema da dependência do dólar, mas eles mão fizeram esse dever de casa direito, e acredita que o plano econômico de Milei não vai funcionar exatamente como a elite argentina está pensando ser. Isso porque não existe como dolarizar (viver de mercado paralelo), e também não tem como aplicar o ajuste fiscal em uma forma de salvar a moeda nacional. 


É como querer jogar o bebê fora junto com a água suja (para usar uma expressão antiga), eu chutaria inventar um bom câmbio de regulamentação, já que não pode ser o dólar per se, quem sabe câmbio de reservas em formato de cripto-moedas, sei lá, qualquer coisa é melhor do que está sendo planejado na Argentina, cadê a tradição do país no debate econômico. 


Países para ter força em formação de moeda, precisam estar em sintonia com as formas de produção de riqueza e infraestrutura e não tirar isso em nome de um ajuste fiscal (que não vai se realizar na realidade), então é o caso clássico de populismo, neoliberal, de extrema direita, que não dura nem mesmo 3 meses pela incapacidade de governo real das situações. 


Até mesmo Paulo Guedes (economista do ex presidente brasileiro) recusou convite para a posse de Milei, o nível de amadorismo é muito grande, quando a Argentina antes tinha liberais que se gabavam das vantagens que tiraram das negociações dos juros da dívida frente ao F.M.I.  1 dólar vale 800 pesos, assim nada de valor pode ser comprado embaixo da faixa dos 1000 (3 zeros), isso é uma inflação e inflação acumulada maldita que já existia sim na época do Macri no governo.


O orgulho que dá em nós em saber que o MST mandou 11 toneladas de alimentos para Gaza e que no mundo inteiro, o Brasil só aparece para ajudar, mas os problemas existem, e sinceramente, dá muita pena dos hermanos que vão encarar esse governo, mas vai ser no clima de Relatos Selvagens mesmo. 


Hiperinflação em lugar de rico é uma coisa incompreensível, não? O que pôs fim ao processo de crise no Brasil foi o advento prolongado do Plano Real, no governo de FHC, mas isso foi conquistado através de muito sacrifício nas bases estruturais e cadeias de produção em geral. A normal dificuldade de emplacar um plano econômico é que se o plano é feito pela esquerda é sabotado por organismos estrangeiros, e se ele é feito pela direita ele já vai nascer morto. 


Sim, o Brasil fez a questão da âncora cambial do dólar, mas fez isso estabelecendo o corte de zeros da economia. O que foi feito até agora é de pasmar até o economista mais verde é a desvalorização da própria moeda, para chegar a um valor x (que não é divulgado em termos de cálculos e metas) e esperar que tudo vá melhorar sem a injeção de capital direito ou reformulados das políticas de base junto com Banco Central (quando ele tinha falado antes que ia acabar com a instituição, o que não fez), é como puxar apenas o acelerador no trem, se orgulhar da velocidade, mas nem mesmo pensar quando é que o trem vai chegar. 


Significa que qualquer loja que não venda produtos básicos não vai ter venda, é uma cascata econômica sem fim. Acho que nós brasileiros podemos falar pois já vivemos Milei, o ano era 1989 e elegíamos Fernando Collor e seus  economistas formados em NBAs americanos  e que sequestraram todo o dinheiro do povo, e que previam uma forma de choque, na época ele foi conhecido como "o caçador de marajás", piegas, já que ele próprio era o marajá e caiu em impeachment logo em 1992 com as denúncias vindas dos mesmos meios que o elegeram antes.  


Collor era igual ao Carlos Menem, político argentino de direita da época, os dois era nacionalistas absolutos do clientelismo que se disfarçaram de reformadores radicais com a retórica ainda viva do neoliberalismo. 


Milei também se parece nesse carácter "jovem" e "descolado" que Collor também vendeu em sua campanha, como Bolsonaro também. já que ele apelou ao apoio do MBL (um movimento de capital híbrido estrangeiro que visava tirar Dilma da presidência e que hoje em dia perdeu essa identidade por ser uma forma de empresa de espionagem gringa no Brasil). 


Relatos Selvagens bebe de uma época que os governos de esquerda se saturaram no Brasil através do fisiologismo político, que fizeram os governos de esquerda soarem de direita para sobreviver na vida política. Isso encaixa em uma forma de crítica onde a sensação é realmente de loucura total, ao estilo a gente fica aqui no Rio quando está muito quente.  Outro filme parecido do mesmo ano é A Pequena Morte, onde também temos crônicas, mas sobre a vida sexual de uma classe média entediada. 


Relatos selvagens é uma antologia composta por seis histórias independentes ligadas por seu assunto. Originalmente, cada um era uma história curta, mas quando Szifron colocou juntos em um único volume, advertiu que eles estavam ligados por um conjunto de questões que lhes deu unidade e coesão.


Nos EUA, mudaram alguns subtítulos, para "Road to Hell" e "The Bill". O filme é dividido em estórias de crônicas que são inspiradas em parte pela vida de Szifron. O financiamento veio parte 70% da Argentina e 30% da Espanha e utilizou em parte a produtora de Almodóvar, El Deseo. 


Aos atores famosos Darín e Martinez foi dada a opção de escolher seus papeis no filme. Há alguns boatos de uma continuação espiritual para esse ano, mas não dá para saber se é somente especulação. 


O primeiro plot é maravilhoso, é uma referência a cultura de falar mal do jovem que as sociedades latinas possuem. Tudo de ruim da vida e da história era culpa do Gabriel Pasternak, o crítico odiava, a ex namorada, todos os ex professores, mas aí, do nada, como que fruto de uma ideia ao estilo cinema novo, era o Pasternak que pilotava o avião (para o azar de seus críticos) e decide que iria matar todos. Pronto, agora você vê que existe uma coisa chamada efeito boomerang da crítica e ela pode realmente se voltar contra você um dia.



Pude notar uma influência muito forte da novela Avenida Brasil no plot "Las ratas", com o plot lá da Rita e da Carminha, na ideia da vingança culinária da cozinheira (Rita Cortese) contra um "antigo malfeitor" (César Bordón), e a personagem de (Julieta Zylberberg) quer se vingar dele por ter matado seu pai e feito mal a sua família , aqui há uma referência ao passado da ditadura militar argentina. 



Os herdeiros que sofreram opressão querem se vingar, mas não consegue, são suaves, sociais democratas, mas a cozinheira do restaurante da família sim tem coragem e envenena o homem que atualizando a metáfora parecia um achacador miliciano local. No fim, a cozinheira mais pobre é presa pela polícia pela vingança porque a dona do restaurante não teve coragem de fazer sua vingança histórica. Não há como não comparar com o estado atual da esquerda na Argentina e a divisão de ricos e pobres. 



Essa coisa cinema novo de todos no voo ser de alguma maneira conectados ao Pasternak é uma boa piada com o efeito destruidor da crítica pela crítica total de uma pessoa. Todos decidem que o problema é Parternak, ele que pilotava o avião, e até sua es psiquiatra tenta argumentar com ele, decide por fim jogar o avião contra a casa de seus pais. 


Isso faz refletir, será que as pessoas que falam mal das outras pessoas fazem isso dentro de sua ideia de distanciamento e que quando isso é defrontado com a realidade elas surtam e piram. Afinal, o motivo de odiarem o músico é desconhecido, mas o ódio é tão real que chega a todos os cantos da sociedade, nessa casa, representada por um vô de avião com a "presença de todos os inimigos".  


Já no "El más fuerte", há uma piada de referência ao filme de Steven Spielberg, Encurralado,  Diego (Leonardo Sbaraglia) dirige no deserto seu carro do ano e começa a implicar com outro carro mais velho Mario (Walter Donado). Mais na frente do caminho, Diego tem seu pneu estragado e aí Mário consegue alcançá-lo e aí eles começam uma briga épica que resulta na morte de ambos, mas com um detalhe, na visão pós mortem dos cadáveres queimados juntos, pareciam estar abraçados, quase como um casal, o que é uma extrema ironia visual dessa crônica, já que a polícia registra como um crime passional, acharam que os machões eram casal, piada pronta. 


Bombita já mostra Oscar Martínez e Ricardo Darín interpretando Simón Fischer , um especialista em demolições, cujo trabalho fundamental moderno se transformou em não esquecer de arcar e comprar o bolo de aniversário da filha, ele perde o aniversário da filha porque foi multado no Detran (DMV) argentino , ele ataca uma repartição pública e é preso, sua esposa (Nancy Dupláa)  pede divórcio, e é tão uma obrigação burocrática que ele pede até a nota fiscal para servir de prova de atuação no processo de guarda que a ex mulher movia contra ele. Mas por fim, ele é recompensado pelo seu ataque de fúria, já que todos em volta dele também agiam de maneira irracional. 


Outra coisa que essa crônica ensina é que honra e mérito são valores fluídos e que geram frustrações e complexos nas pessoas que se condicionam com um processo ético e profissional apurado e não conseguem perder esse "toque" na forma como interagem frente a burocracia inoperante (o que acontece em muitos lugares). 



Depois de ficar de saco cheio, ele pega um carro com explosivos e volta para destruir a repartição inteira e vira por ironia um herói local por conta disso e ganha o apelido de bombita e recebe na cadeia a visita de sua ex esposa, da filha com o bolo para ele. A maior ironia da vida aqui, quando a pessoa faz pouco dano, ela é muito condenada, e quando ela faz muito, ela é alçada ao status de ator político. Isso brinca que os aparelhos instituições passam a ser tão odiados que gera nas pessoas o desejo aleatório de anarquismo e todo mundo embarca nessa loucura como se não fosse nada. 


Em um dos contos, o "La Propuesta", um adolescente se vê como assassino de uma mulher grávida, os pais do adolescente são Oscar Martínez e María Onetto formam um plano com o advogado, Osmar Núñez, mas como o menino confessa para uma multidão, eles repensam o caso, mas ainda fazem. Resultado, o marido mata o cara que tinha levado a culpa. 


É como aqui no mundo burocrático institucional atual, quando você é completamente inocente, você é preso, quando se é culpado (assassino) não é preso. Essa é uma análise bem real de como as pessoas agem na sociedade parecendo querer instigar o conflito, ao mesmo tempo que querem reprimir e punir os "desvios" de comportamento, até que alguém explode de verdade, a metáfora é perfeita, o técnico público de demolições, perde um pouco as estribeiras, e logo é descredenciado de uma vida de profissionalismo, é considerado vagabundo e todos se viram contra ele. Aqui tem uma reflexão grande de um dos motivos que elegeram Milei agora na Argentina. 


O Partido da esquerda argentina, o partido se chama "Justicialista", o que seria como o nossos partidos socialistas, por exemplo, não exatamente o PT. Ou seja, isso explica porque somos empurrados para populismos como os de Milei exatamente porque a esquerda não consegue fazer um projeto popular (ao estilo da crônica onde quem leva a culpa é cozinheira "Las ratas" do restaurante), dando razão a crítica de tudo sobre todos, como na primeira crônica, ou dando razões aos rompantes comuns de anarquismo em geral. 


Aqui há um alerta muito grande para a nação que já viveu o trauma do Curralito no filme A Odisseia dos tontos (2019), que foi o roubo nas poupanças, e agora vemos todo o tipo de loucura que Milei quer passar, já dizendo coisas como "para melhorar tem que piorar", e outras coisas que lembram do Collor (o nosso escândalo ao estilo do Curralito). 


Outro plot sintomático é o casamento dos burgueses judeus (ou qualquer casamento de rico que você já foi), onde o casal resolve discutir se o cara já traiu a moça Romina (Érica Rivas) com que ele ia se casar, ele Ariel (Diego Gentile) confessa que sim, mas que não significa nada agora que eles já estavam ali na eminência do casamento, pra quê perguntar se já havia a desconfiança antes? Pareceu para mim aquele tipo de caricatura de casamento usada depois na série americana Marvelous Mrs Maisel.


Ela surta com a declaração e sente que tudo na vida dela é falso e começa a correr para a sacada onde ela transa com um dos garçons que trabalhavam na festa, depois eles se batem, destroem a festa de casamento e por fim decidem que se amam mesmo mesmo com toda a feiura final da cerimônia de casamento. 


Aqui temos as elites latinas e brancas, as mesmas que votaram em Milei no desespero para manter o status, mas a reflexão é se não há amor de verdade, para que tanta necessidade de se provar o amor através do poderio financeiro e institucional? 


E no conto, "La Propuesta", um adolescente rico atropela uma grávida, depois que foge e volta para casa, e o marido do bebê e da mulher morta jura vingança. A família rica do adolescente procura por um bode expiatório e paga bem por isso. 


Um exemplo de que se você é rico, nem mesmo assassinato você pode cometer, já que todo o sistema vai intervir oficialmente para te livrar e isso custa muito caro, e todos sabem, inclusive a polícia sabem desse "preço", quem fica se sentindo mal é o playboy privilegiado que sabe que não tem nem como ser considerado como culpado, afinal ele é rico e cercado pelos outros que decidem por ele tudo. 


História e bastidores do filme


Pedro Almodóvar expressou interesse em trabalhar com Szifron desde que viu seu filme de 2005 On Probation. A primeira das estórias que escreveu foi "El más Fuerte"


Filme ganhou um BAFTA por Melhor Filme em língua estrangeira, e prêmio Goya de Melhor Filme falado em espanhol. Foi o filme argentino também mais visto da história e com um lucro total impressionante para um filme latino. 


O diretor acabou sendo caracterizado como um cineasta que soube fazer uma espécie de humor negro e não exatamente dramas existenciais, há uma ironia que envolve todas as histórias e seus clímaces. Mas depois o diretor decidiu que chamaria seu trabalho nem de comédia ou drama, mas de "catastrófico filme" apenas, e o catastrófico nesse filme é como entendemos a força do capitalismo em nações latinas, com poder corrosivo de alterar sentimentos, relações pessoais a vida em geral de todos.


O filme foi uma com produção feita em Buenos Aires e na província de Jujuy, o terceiro ato foi filmado  entre Salta e Cafayate, onde foi feito questão de escolher um local com uma bonita vista, para mostrar a imbecilidade humana de brigar no meio da beleza. O diretor do filme tinha tanto material, que ficou 7 meses em casa apenas editando o filme. 


Filmar os seguimentos dos personagens principais levou apenas 10 dias por isso. Como as crônicas são independentes entre si, não há a necessidade de cruzar as estórias. Essa ideia muito presente no filme de que o capitalismo como uma camisa de força que faz todos se comportar de maneira doentia, reprodução automática de comportamento. Por isso a referência ao mestre do cinema clássico Luis Buñuel (também um grande crítico da burguesia e do capitalismo). A distribuição internacional ficou com a Warner Bros. Um ótimo filme sobre o surrealismo do capitalismo ocidental e suas eternas contradições.


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