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Raquel 1.1 (2023): O fundamentalismo religioso e a "cultura jovem" dentro das igrejas evangélicas



Em uma pequena cidade do interior, Raquel sofreu um trauma e busca na religião uma forma de aliviar sua dor. Mas as coisas só pioram na igreja, que se revela um ambiente hostil e competitivo. Raquel passa a ser julgada por todos como alguém que "não está alinhada com Deus" e logo pecadora



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Uma tragédia que assola no Brasil contemporâneo, o poder das igrejas evangélicas doutrinador e velado político. Para a diretora do filme Mariana Bastos, ela mesma não esteve em uma igreja evangélica, e teve como consulta, o pastor do Psol, Henrique Vieira na consultoria do roteiro por isso. 


Para quem como eu já frequentou e sabe da grande influência dos evangélicos no Brasil atual, sabe que é muito fácil o paradigma em uma igreja virar uma perseguição pura ideológica. Existe uma proibição velada em ser de esquerda e evangélico dos últimos anos. De uma maneira que a religião parece um trampolim para as ideias mais conservadoras do mundo. E aí  como que fica a ideia de liberdade individual e poderio de escolha se você é obrigado a ter uma religião para ser incluso na sociedade? 


Quem nunca como Raquel participou de um grupo jovem, ou mesmo do teatro ou jornal da igreja? E até que ponto essas atividades são apenas um ato de espionagem dos mais velhos para verificar o cânone das novas gerações. A impressão é que não tem salvação, o próprio religioso implica em uma substituição da vida material real por uma imaginada. 


O problema é quando pessoas de extrema direita ganham poder (de bastidores e líderes nesses lugares) que é velado em nome de religião, um problema muito atual e que está atrapalhando a sociedade democrática e deixando doente muitos jovens que são responsabilizados pessoalmente por sua "falta de crença", como se o julgamento que se fizesse de você não pudesse ser muito com base em coisas como inteligência ou capacidade de fazer alguma coisa, é como se você fosse apenas um oráculo que tivesse que "aceitar jesus" e aí magicamente tudo que tem "de errado com você" desaparecia em um segundo. 


Como aceitar essa realidade, quando as pessoas que "se dão bem" no Rio de Janeiro, por assim dizer, são todas do nicho evangélico? Talvez por ser a "central contra a esquerda" que isso aconteça e por isso que quando te chama para ir na igreja, na verdade, estão te chamando para ir contra a esquerda, o PT, ou qualquer tendência política minimamente racional. 


Com a guerra de Israel contra a Palestina, que foi um ataque feito por homens usando máscaras, classificados como do Hamas, o grupo considerado terrorista pelo mundo ocidental, mas que já foi partido político. Os evangélicos tem sua rede de turista para a terra santa e faz isso com o dinheiro de fiéis que querem ver onde Jesus nasceu e por isso pagam muito. É um esquema que financia toda uma rede de abençoados que tiveram seu nome "escrito no livro da vida". 


Apesar de todo o carácter negativo da representação política evangélica, tenho que admitir que eu mesmo já fiz coisas dentro da igreja evangélica, como aulas de canto (tive aulas com um dos caras do Trio Irakitan lá do cinema) em uma igreja, fiz teatro daquela peças dos "sete pecados" em outra e até escrevi em um "jornal da igreja" sobre a liberdade e os jovens (tema parecido, não?), mas isso não impedia de ver quando a linha da argumentação de algum líder ou outro entrava no ramo da extrema direita. 


O problema é quando há uma imposição na crença. Sempre escutamos aquela máxima do "música do mundo é ruim", sem saber que objetivo do movimento da juventude evangélica pelo mundo é exatamente na contramão da ideia do Brasil, onde falam que música do mundo é feio, mas nos obrigam a ouvir  coisas como Aline Barros como normal (quando nem mesmo é música boa, nem mensagem positiva já que a bonita já apoiou até mesmo Pezão). 


No filme é mostrado claramente, é uma sociedade onde pais e mães podem interferir na vida dos jovens, que tentam fazer algo a parte dos seus pais, criar um "estilo jovem", mas o espírito de linchamento e a detração transformam essa ideia dos "jovens" em punição em relação a menina do filme, a Raquel. O título do filme pode expressar aquela ideia de versículo bíblico, como se sua história pudesse ser uma narrativa também, como Maria Madalena, por exemplo.


Os artigos do ECA, 16 e 17, a idade onde o adolescente pode escolher sua própria religião é 16  anos e obedece a lógica de escolhe com 16 anos (vinda do direito português). Em tese então, podemos com 16 anos escolher nossa própria religião, mas haja vista, que existe nisso um "empurrão" que é quase como um soco na cara.  Isso também reflete como a cultura e o cânone de cada igreja é projetado e qual é o poder político das igrejas e a ligação política que elas exercem. 


É só fazer uma pesquisa simples, se o vereador da sua igreja é de um partido de direita. Sabemos que a cultura jovem é sempre uma venda do novo, da revolução e da liberdade. Na ideia do marxismo cultural, podemos ter isso até mesmo na igreja, que é o contexto quando vemos os jovens da igreja usando camisas escritas "revolução radical" que podem não significar nada além da estética mesmo. 


O filme é esse soco na cara necessário, mostra uma cultura até de engajamento jovem, da ideia de tentar renovar ser impossível, já que  é a renovação dentro do reacionarismo. A menina do filme, a Raquel (Valentina Herszage)  sofreu um grande trauma na vida, a morte de sua mãe e ela viu como aconteceu, isso fez com que o pai dela fosse procurar ajuda da igreja, já que a menina se tornou fechada em si mesmo. Essa ideia de que uma comunidade vai "te fazer bem" já que você passou por um trauma é o mote do filme, vemos a mulher conservadora que julga a menina do filme culpado do trauma que ela sofreu. 


A igreja começa então a perseguir a menina igual (Carrie, A Estranha), e ela se torna vítima de um sistema viciado, o que era para ajudar com um trauma se torna muito pior. No Brasil, ainda há uma tendência de querer usar a religião como ferramenta de "resolução de conflito", muitos grupos, inclusive a classe média letrada age como as milícias bolsonaristas e a alienação evangélica é também responsável por esse processo de "bolsonarização da classe média". 


Se você pensa as músicas evangélicas por exemplo, em não se lembra de toda a gravadora MK (do Arolde de Oliveira que apoiou o Bolsonaro) Oficina G3, Rosa de Saron, PG ( que já fez show em Niterói também) e Catedral (bandas cristãs gerais de gênero conjunto), uma "Legião Urbana de Deus" que resolveu abandonar o circuito. Muitos se decepcionaram com o apoio explícito de "líderes" evangélicos por ver a decadência da cultura evangélica no Brasil e a ascensão mesma direita pró Bolsonaro que foi eleito em 2018.  


O nome da banda Oficina G3 é inspirado na ideia dos três atos do culto, como uma peça de teatro mesmo, e nesse ínterim, o ato do o louvor é feito entre o terceiro e o quarto junto com o dízimo.


Temos também bandas evangélicas que foram para o meio comercial mesmo lá fora, como Lifehouse, por exemplo, ou mesmo a Hillsong da Austrália, ou a banda Skillet, que a banda parece um Paramore evangélico.  


Por exemplo, o baixista do Oficina G3, Duca Tambasco foi ofendido e desconvidado praticamente por todas as igrejas evangélicas por Felippe Valadão, da Lagoinha, por exemplo) por apoiar Lula na última eleição. Lembrando que o Oficina G3 chegou até mesmo a ser entrevistados pelo João Gordo. Juninho Afran, o super fodão guitarrista também da banda Oficina G3, deu declarações dizendo que não sabia que a "banda não era sua". 


Muitas bandas e o circuito de música evangélicas no mundo seria consideradas "do demônio" para os padrões evangélicos brasileiros, como a banda alemã, Holy Bible mudou de nome para apenas a sigla HG para se adequar ao mercado geral comercial, se você ver um dos clips dessas bandas, como "The Jesus Metal Explosion"  que incorpora uma crítica aos movimentos de auto flagelo católicos medievais, traduzidos em influência em músicas ao estilo Nightwish por exemplo. 


A banda Evanescence também surgiu em contexto de  igreja (apesar de parecido com Nightwish, é completamente diferente da ideologia ou da moral), a música Bring me To Life, por exemplo, cantou na música com o vocalista da banda evangélica 12 Stones ou músicas que ninguém sabe que são evangélicas como  a banda POD e músicas como "We are Youth of The Nation". Essas bandas tinham mensagens positivas e lembram os primeiros anos do Oficina G3, ou mesmo o Rodox (banda do Rodolfo dos Raimudos). 


Aqui em Niterói, por exemplo, é berço de igrejas evangélicas e da banda Fruto Sagrado, que já teve um álbum sugestivo por exemplo: "Na Contramão do Sistema" , por exemplo e eu inclusive, não nego que durante os anos que visitei a igreja (e outras religiões também em ocasiões), fui em uma missa de um padre filósofo bem inteligente uma vez, o interessante do culto católico (se bem escolhido, é claro), é que existe certo respeito a privacidade das pessoas que não tem muito nas igrejas evangélicas, por exemplo.  


Durante principalmente o primeiro governo Lula e também no segundo aumentou em muito o número de evangélicos, igrejas e ligação política, que ia crescente em uma relação de oposição ao governo da época, o que era engraçado, pois a ascensão econômica vivida por grande parte do Brasil naquele momento (quitação de dívidas, plano de carreira inéditos no funcionalismo público por exemplo),  foi fruto exatamente do governo que os evangélicos odiaram e conspiraram contra.


 Com exceção talvez de 10% da igreja se colocarmos o número para cima), muitos "pastores", até mesmo ás vezes líderes de outras religiões, também, não é apenas os evangélicos, afinal, nenhum desses líderes evangélicos respeitam o cânone da religião deles, que dita coisas como, autossuficiência, trabalho árduo e não escravidão (ao estilo dos quakers mas nada disso é o que vemos na corruptela da igreja brasileira, com exceção de igrejas "diferentonas" ou jovens e tendências ao estilo jesus freaks (Alemanha), ou a própria Bola de Neve (igreja que o pastor prega em uma prancha de surf), derivadas da tendência do surf rock cristão da Califórnia, como a banda Switchfoot. 


Não chegam a ter expressão ou significar grandes parcelas dos evangélicos para defender como um todo, parecendo todos na sua maioria de extrema direita, eles costumam ser de igrejas como a Lagoinha, por exemplo, marcada por diversos escândalos, homofobia e acusações graves de ligação política. 


Eu frequentava a igreja evangélica (como também o terreiro, fazia os dois) e havia questões estranhas e ideológicas pró extremas direita ora aqui e ali, mas não me marcava muito, mas confesso que após ver o filme deu certo nojo e não nostalgia, pois a ideia é essa, a culpa dos entes individuais, "mais de esquerda", pessoas que sofreram traumas pessoais e por isso são "culpadas" do que acontece com ela. por conta da diferenciação da doutrina originária da salvação pelo viés da crença dos evangélicos, que acredita na ideia da ascese (que significa uma transformação interna e com rotina, porque também significa cuidado e higiene em algum sentido). A menina do filme viu a mãe ser morta, na ideia das pessoas da igreja, ela estaria "amaldiçoada por pecado". 


No filme Raquel 1:1, Raquel (Valentina Herszage) é uma adolescente religiosa que retorna à pequena cidade do interior onde nasceu, em busca de uma nova vida ao lado de seu pai. Logo nos primeiros dias de sua chegada, ela vivencia um acontecimento misterioso, que a jovem interpreta como um chamado para embarcar em uma missão controversa relacionada à Bíblia. Ao lado de suas novas amigas - um grupo de garotas evangélicas da igreja local - Raquel se aprofunda em sua espiritualidade, mas nesse processo acaba revisitando traumas do passado. 


Esse é o primeiro filme de longa-metragem solo dirigido por Mariana. Desde os primeiros contatos com a bíblia, Marina ficou surpresa com a maneira como as mulheres são representadas.  "Foi o ponto de partida para o que acabou vindo depois, que era propor uma reflexão sobre a violência contra a mulher dessa perspectiva. Muitas pessoas questionam isso inclusive dentro das igrejas", disse ela em  uma entrevista. Essa dimensão de voltar a falar dos processos inquisitoriais ocorridos no Brasil. 


Raquel 1:1 foi selecionado para o South by Southwest Film Festival (SXSW), nos Estados Unidos. sendo o único filme brasileiro a ser selecionado para a mostra competitiva do festival. No SXSW, o filme foi apresentado em 12 de março de 2022, sendo essa a sua première mundial. Ainda nos EUA, foi apresentado no Festival North Bend em agosto de 2022. Em 11 de setembro, estreou em Portugal no MOTELX - Lisbon International Horror Film Festival. No México, concorreu na mostra de Competição Oficial de Longas-Metragens Ibero-Americanos do 37° Festival Internacional de Cinema de Guadalajara. No Brasil, participou da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo de 2022.


O filme foi apresentando no painel "O2 Play e o Novo Cinema Indie Brasileiro" com a participação da diretora Valentina Herszage e Emílio de Mello na CCXP de 2022, em São Paulo.Em 17 de março de 2022, teve uma sessão de pré-estreia na Cinemateca de São Paulo.No Brasil, o filme teve sua estreia no circuito comercial de 23 de março de 2023 com distribuição da O2 Filmes.


Um filme moderno e muito necessário para discutir o poder de influência e de dano que pode o fundamentalismo religioso tomar se não vigiado pela própria sociedade brasileira, que juridicamente, é laica. O filme passa essa ideia de podem até mesmo usar o discurso de resistência para na verdade concordar com o que está estabelecido, ou mesmo uma cultura de hostilizar os jovens em igrejas e apontar eles como culpados por algum comportamento "desviante" como desculpa para controle ideológico e votar nos políticos de determinado aspecto ideológico. 


A religião não pode ser como um fardo obrigatório (um dos principais critérios da liberdade religiosa é esse) por mais que todos possam ter a sua religião, a ideia do imperativo categórico, de que você possa agir como se seus atos gerassem uma universalização do padrão e da opinião, todos fazemos isso com nossas crenças ideológicas, mas nem sempre esses padrões de categoria são realmente universais 


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