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Persona (Quando Duas Mulheres Pecam, 1966): As diversas facetas do thriller psicológico de Bergman




Dirigido e produzido por Ingmar Bergman, estrelando Bibi Andersson e Liv Ullmann. Uma atriz de sucesso sofre uma crise e para de falar. Uma enfermeira é designada a cuidar dela em uma casa, perto da praia, onde as duas permanecem sozinhas. Para quebrar o silêncio, a enfermeira fala sem parar, narrando diversos episódios relevantes de sua vida, mas quando descobre que a atriz usa tudo que ela fala como fonte, a cumplicidade entre as duas fica abalada


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Esse filme é demais, poderoso, em preto e branco, super bem dirigido, diferente mesmo.  Carrega poderosos debates no ramo da identidade e da psicologia, essa dualidade das personalidades das duas protagonistas é a principal chave para entender a potência do filme, entre uma simpática outro chata, uma rica outra pobre, uma que é mãe e não quer e outra que quer ser mãe e não pôde. 


Uma que é fechada e  uma aberta, isso fornece a estrutura dos tropos narrativos clássicos tornando o filme relativamente simples (mas não exatamente, já que é uma obra do Bergman). Essa ideia de vampirismo, dificuldade de lidar com o típico do feminino, homossexualidade, aborto e outros assuntos polêmicos. 


Segue aquela regra da classe social a interação das duas, que apesar de parecer sexual, não parece ser de fonte romântica, é mais uma competição para ver quem seria a melhor mulher, a rica inalcançável mas deprimida da elite, ou a moça popular que cuida dela e que fornece algo para apaziguar a depressão a sua patroa. 

No fim, sentimos que mesmo no seu silencio, a patroa manipulava os todos os aspectos da interação social com ela, por isso o horror da história. Não existe interação verdadeira nesse ângulo da sociedade, estamos apenas preocupados com o que parece ser mais do que com o que é de verdade. O prólogo é diferente e já avisa que o filme busca de maneira enigmática. 


O filme teve suas alocações em Stockholm e na Ilha Fårö em 1965, onde Bergman morou por muitos anos e que serviu de estúdio para o filme. Filme maravilhoso e censurado em muitos países, como Espanha, Japão e no Brasil também (que na época vivia uma rígida ditadura militar). Em termos de filosofia, vemos as ideias de existencialismo, Carl Jung e seu sistema de arquétipos e inconsciente coletivo (na ideia do duplo dos 'perfis de mulheres').


Teve cenas do filme censuradas que depois foram liberadas do filme em 2001 quando o filme foi restaurado, ganhou um grande público pelo conjunto da obra, no sentido que as duas atrizes atuam muito bem alguns consideram uma das melhores atuações em dupla femininas da história do cinema. 

A direção de Bergman é impecável e muitos consideram o filme um dos melhores filmes já feitos, sendo um marco na ideia de experimentação audiovisual. O filme influenciou cineastas nos Estados Unidos do nível de Robert Altman e David Lynch (com essa pegada  ao mesmo tempo onírica e crítica), em filmes como Mulholland Drive (2001) ou mesmo aquele Single White Female (1992), 



Esses jumps dados mostram no filme, por exemplo, uma série de imagens em cadência, uma de crucificação. uma de uma ranha e depois a morte de um veado, um garotinho podendo acordar ou no hospital ou no necrotério e sequências de imagens assim. Como a paciente perdeu a habilidade da fala, diversos valores são questionados, como a naturalização da maternidade e o horror quando as mulheres faltam com essa expectativa. Essa expressividade com técnicas de close-ups, sobreposições e cortes rápidos (jumps) e sons distantes. Também vemos um prólogo experimental de imagens aparentemente aleatórias, como um cordeiro sendo sacrificado.


Essa ideia do teatro de impressões femininas dá uma força muito forte, a direção de Bergman afetada pela sua influência de cinema clássico é aos poucos mudada e ele passa a fazer filmes com 'jump cuts' em seus filmes mais modernos, aparentemente aleatórios, mas não. Aparece também o filme mudo "The Phantom Carriage" (1921) ao fundo.


A baixa expectativa e valor dado dos patrões para com seus funcionários, o tédio da vida "realizada" e o debate se o problema de Elisabet era de cunho físico ou emocional e enquanto isso, é designada uma enfermeira para cuidar dela. Ela rasga até mesmo a  foto do filho para evidenciar essa distância da sua realidade emocional. 


No chalé, Alma conta para Elisabet coisas que nunca falou para ninguém, como sobre seu noivo, Karl-Henrik, seu primeiro romance, e que estava um dia em uma praia e que do nada dois garotos chegaram e começou uma orgia que resultou em um aborto e uma culpa eterna, esse tipo de estória mais chocante, também é uma reflexão sobre o uso das narrativas de pessoas populares por parte de pessoas ricas, que querem olhar para a vida daqueles em volta para não olhar para a própria. Elisabet é assim talvez, por ter tudo e por isso não valorizar, é uma reflexão se pensarmos o ponto de vista da outra mulher que é julgada pela atriz como inferior o tempo todo por conta da sua classe social.


Depois disso Elisabet começou a "estudar" Alma que fica furiosa quando fica sabendo disso e a ameaça ela, com medo, vemos Elisabet falar pela primeira vez em todo filme, depois de também olhar a foto de crianças judias expulsas de um prédio no gueto de Varsóvia, eram imagens de judeus capturados e sua resistência a ocupação nazista no levante de Varsóvia.


 São várias imagens políticas que servem para entender que o problema de Elisabet também não é desinformação, ela é informada e antenada de tudo, mas isso também parece que não faz bem para ela, já que o choque das poderosas narrativas de pessoas que sofreram tanto faz parte mais uma vez da ideia de distanciamento do objeto científico, por isso que a empregada fica com raiva quando sabe estar sendo "estudada" pela patroa, como uma pesquisa científica.


Alma fala certa hora que sabe que Elisabet é terrível, já que ela tentou abortar seu filho e depois que ele nasceu parece não gostar dele. Alma conta para ela que o que ela queria é a única coisa que ela não poderia ter e que Elisabeth tem e quer suprimir, como quem quer suprimir todo e qualquer efeito sentimental biológico que pode sentir. É aqui que as duas mulheres "pecam" e transam, e depois a enfermeira comenta sobre ela ter rasgado a foto do filho. Alma termina a história falando que ela não é Elisabet e que conseguiu ajudar ela a falar a palavra "nada". 


O estilo experimental de seu prólogo, narrativa e final também foi observado. O enigmático filme foi chamado de Monte Everest da análise cinematográfica; segundo o historiador de cinema Peter Cowie, “Tudo o que se diz sobre Persona pode ser contradito; o oposto também será verdadeiro”.


Bergman escreveu Persona tendo Ullmann e Andersson em mente para os papéis principais e a ideia de explorar suas identidades, e filmou o filme em Estocolmo e a Ilha de Fårö (local tradicional das filmagens de Bergman), isso em 1965. Na produção, os cineastas experimentaram efeitos, usando fumaça e espelho para enquadrar uma cena. e combinando os rostos dos personagens principais na pós-produção para uma cena. Andersson defendeu um monólogo sexualmente explícito no roteiro e reescreveu partes dele.



Um projetor começa a exibir uma série de imagens, incluindo uma crucificação, uma aranha e o assassinato de um cordeiro, e um menino acorda em um hospital ou necrotério. Ele vê uma tela grande com uma imagem borrada de duas mulheres. Uma das mulheres pode ser Alma, uma jovem enfermeira designada por um médico para cuidar de Elisabet Vogler. 


Elisabet é uma atriz de teatro que parou repentinamente de falar e se mover, o que os médicos determinaram ser resultado de força de vontade e não de doença física ou mental. No hospital, Elisabet fica angustiada com as imagens televisivas de um homem durante a Guerra do Vietnã. Alma lê para ela uma carta do marido de Elisabet que contém uma foto do filho, e a atriz rasga a fotografia. O médico especula que Elisabet pode se recuperar melhor em um chalé à beira-mar e a manda para lá com Alma.


Na casa de campo, Alma diz a Elisabet que ninguém nunca a ouviu antes. Ela fala sobre seu noivo, Karl-Henrik, e seu primeiro caso. Alma conta a história de como, já namorando Karl-Henrik, tomou banho de sol nua com Katarina, uma mulher que acabara de conhecer. Dois meninos apareceram e Katarina iniciou uma orgia. Alma engravidou, fez um aborto e continua se sentindo culpada.


Fotografia icônica de mulheres e crianças judias sendo expulsas de um prédio, Fotografia do Stroop (um nazista) , encontrada por Elisabet, de judeus poloneses capturados após o levante do Gueto de Varsóvia e outras imagens políticas. Bergman fez diversos filmes, como  Gritos e Sussurros (1972), O Silêncio (1963), O Sétimo Selo (1956), Morangos Silvestres (1957) também é muito bom. 


Ele sabia muito bem descrever o clima de Idade Média na Suécia e suas particularidades. Em 1961, Bergman ganhou um Oscar por seu filme Através de um Espelho (Såsom i en spegel) antes desse filme então estava com grande aporte para fazer o que quisesse. Bergman é para mim o melhor cineasta europeu depois de Fellini, seu tom histórico e teatral não tem comparação. O filme foi inspirado em uma experiência real de quase morte quando Bergman pegou pneumonia. 


Essa ideia do teatro de impressões femininas dá uma força muito forte, a direção de Bergman afetada pela sua influência de cinema clássico é aos poucos mudada e ele passa a fazer filmes com 'jump cuts' e mais modernos.  


O filme foi inspirado por uma experiência pessoal de Bergman, que sofreu de uma pneumonia grave em 1965 e ficou à beira da morte. Ele teve uma visão de duas mulheres sentadas ao lado de sua cama, uma falando e a outra em silêncio. Essa imagem o levou a escrever o roteiro de Persona.


Alma vai até a cidade para enviar suas cartas e percebe que a de Elisabet não está lacrada. Ela lê. A carta diz que Elisabet está “estudando” Alma e menciona a orgia e o aborto da enfermeira. Vemos essa ideia constante da angústia sentida por ambas em convivência. A imagem do auto flagelo do monge budista em Saigon, em protesto também é poderosa e demonstra esse poder da violência da imagem e da auto abdicação em alguma instância, eu acredito. 


Furiosa, Alma acusa Elisabet de usá-la para algum propósito. Na briga resultante, ela ameaça escaldar Elisabet com água fervente e somente se segura quando Elisabet implora para que ela parar. Esta é a primeira vez que Alma tem certeza de que a atriz fala desde que se conheceram, embora ela pensasse que Elisabet já havia sussurrado para ela quando Alma estava meio adormecida. 


Quando lançado pela primeira vez, Persona foi editado devido ao seu assunto controverso. Recebeu críticas positivas em seu lançamento inicial, com a imprensa sueca cunhando a palavra "Person(a)kult" para descrever seus admiradores entusiasmados. Persona recebeu ampla aclamação da crítica, especialmente pela direção, roteiro e narrativa de Bergman, pela cinematografia de Sven  Nykvist e pelas performances de Andersson e Ullmann, uma combinação impossível de dar errado. 


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