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A Falecida (1965): Em primeiro longa de Fernanda Montenegro, Leon Hirszman retrata o vício em tragédias dos subúrbios cariocas de Nelson Rodrigues



Dirigido por Leon Hirszman, com roteiro seu e de Eduardo Coutinho, adaptando a peça homônima escrita por Nelson Rodrigues em 1953. É o primeiro filme da atriz Fernanda Montenegro, que interpreta Zulmira, uma mulher obcecada pela ideia da morte, com isso passa a ter a ideia de ter um enterro de luxo para compensar a sua vida simples e miserável num subúrbio do Rio de Janeiro. Ao saber que tem uma boa saúde, fica totalmente decepcionada. Ela decide então tomar chuva para ver se acaba contraindo uma tuberculose. Ela pede então ao marido, desempregado, chamado Toninho, um grande e luxuoso enterro. 


Assista o filme ao final deste artigo


O elenco com Paulo Gracindo, Ivan Cândido, Nelson Xavier, Joel Barcellos, Virginia Valli, Vanda Lacerda, José Wilker (não creditado), Dinorah Brillanti, Hugo Carvana, Eduardo Coutinho, José Medeiros e Gloria Ladany.

No Festival de Brasília de 1965, Fernanda Montenegro venceu o troféu Candango de 'melhor atriz'. No mesmo ano, Fernanda também venceu o prêmio de 'Melhor atriz' no Prêmio Governador do Estado de São Paulo. O terceiro prêmio recebido por Fernanda pelo papel de Zulmira foi novamente na categoria 'melhor atriz' conquistado na Primeira Semana do Cinema Brasileiro.




O filme de Leon Hirszman é extremamente bem dirigido, em preto e branco como estilo, também conta com uma fotografia e jogos de luzes marcantes, como a cena da chuva (único momento feliz de Zulmira). Um filme típico do Cinema Novo, com seus temas diretos e recortes profundos e milimétricos, é um filme da antiga Embrafilmes também. Aparentemente, a trilogia das tragédias cariocas foi instigada por Samuel Wainer (jornalista importante do estado da época) para abordar fatos e temas mais caros ao cotidiano e aos temas e valores populares. Esse tom de tragédia e comicidade ao mesmo tempo está presente em ambos a crônica quanto no filme.


O olhar de Nelson vai agora para o subúrbio do Rio de Janeiro. Lendo sobre as motivações para a criação de A Falecida, é um pouco diferente do que se imagina, já que a peça é uma grande crítica social fora do padrão. Nelson conta que estava trabalhando no jornal O Globo na época e veio uma vontade de fazer dinheiro escrevendo algo do gênero da chanchada (sacanagem em geral). 


A peça de teatro que escreveu primeiro tinha o nome de "A Mulher sem Pecado" mas não agitou muito a crítica e o público, ganhou contornos muito mais sérios depois com a mudança do tom que a ideia tomou. É uma brincadeira da seriedade e do drama poder nascer da chanchada no Brasil, uma terra de contrastes e contradições absurdas. Em Nelson Rodrigues, a literatura não tem medo de jogar com o valores da "vida como ela é" e não como ela deveria ser. 


No conto de Nelson Rodrigues, Zulmira é mais uma personagem de uma história dinâmica e coletiva, entre buzinas e asfaltos impessoais e sujos, embora ela seja sua protagonista, vemos por exemplo, o caso da filha do bicheiro e o funcionário da funerária que queria vender para ele o caixão mais caro que tinha. Foi antes até mesmo na cartomante, que lhe falou de maneira padrão sobre o "perigo de uma loira", informação que elevou a paranoia aleatória de Zulmira. Em uma das cenas do conto, uma pessoa aleatória comenta que o bicheiro seria um excelente ministro.


Esse paralelo entre superstição e achismo e misticismo (ela chega a querer um enterro teofilista por ser bonito), traduzidos da forma de hipocondria e e eterna sensação de desvantagem, esse é o caldeirão psicológico tanto da peça de teatro de Nelson como também do excelente filme. 



O final no conto muda o eu lírico da Zulmira que contava a estória e passa o comando da peça para Tuninho, seu marido, após ele descobrir a traição de sua esposa e deixá-la com um velório bem simples, ao contrário do que tanto queria e tinha planejado. Tuninho por fim aposta todo o dinheiro do enterro da mulher apostando em um jogo do Vasco (piada pronta isso vinda do escritor tricolor).


Toda essa forma de niilismo e memória está intimamente ligada com a memória e a narrativa em torno dos valores da vida, para Zulmira, nada era possível no horizonte, apenas a morte, seu niilismo é de chocar até Nietzsche e sua lógica de valor por fim lembra as tragédias gregas. A mocinha que queria morrer e ficou doente ao saber que era saudável, ficou doente e morreu como queria antes, ou seja, o fim é o início, existe uma piada de eterno retorno aqui. Em uma das cenas, Tuninho quer aproveitar para pegar uma praia pois perdeu o emprego, convida Zulmira, mas ela não quer. 


Ao saber que tem uma boa saúde, fica totalmente abalada e por fim acaba contraindo uma tuberculose. Como último pedido pede ao marido, um desempregado chamado Toninho (Ivan Cândido), um grande e luxuoso enterro. Para isso, precisa pedir dinheiro ao homem mais rico do bairro, Guimarães (Paulo Gracindo). O homem não aceita pagar o funeral e acaba contando que teve um caso com a falecida, isso sem saber que o sujeito com que está falando é o viúvo. O marido, então enfurecido, passa a chantagear Guimarães.


A ideia de que a morte traria honra, memória e edificação já foi abordada tanto pelo historiador Philippe Ariès e o filósofo Regis Debray, onde ambos refletiram de maneiras diferentes como a morte era repleta de ritos e adornos para marcar e ressaltar a memória daquela pessoa. Ou seja, essa era uma das formas de "comunicar" da época, onde a ideia de se expressar em vida, era algo digno das artes e acessível para poucos (pelo menos até o século XIX). 


Um trama diferenciada, típica de Nelson Rodrigues. Existe um pessimismo realista, que ao mesmo tempo é absurdo em seus exageros e motivações, para tentar transferir o clima realista e absurdo de Rio de Janeiro. Apesar de todas belezas e produção científica do estado e do Brasil, nos noticiários locais é sempre o mesmo pinga sangue, um editorial que tem como foco a tragédia e o gosto narrativo pela tragédia. Assim, se enfatiza a vida normal e rotineira para que se venda mais jornal. E a tragédia se torna tão rotineira, que é preciso ter uma em sua vida para ser conhecido.  



História e produção do filme


A cinematografia foi feita por José Medeiros. A edição do filme foi feita por Nello Melli (um editor de filmes argentino), a música por Radamés Gnattali, grande artista e compositor brasileiro, autor da parte orquestral das gravações do cantor Orlando Silva para a canção Carinhoso, e também a Aquarela do Brasil de Ary Barroso, ou Copacabana, e contribuiu com o sambista Zé Ketti. Contribuiu com Rio, Zona Norte (1957), e Rio 40 Graus (1955). A direção de artes foi feita por Régis Monteiro.


Também em 1965, na realização do segundo Festival de Cinema de Teresópolis, o filme venceu as categorias de 'melhor filme', 'melhor diretor' para Leon Hirszman, melhor ator' para Paulo Gracindo e 'melhor argumento' para Nelson Rodrigues.


Na parte de literatura, Nelson Rodrigues nos premeia com sua primeira da série "Tragédias Cariocas", vemos uma visão niilista do subúrbio do Rio de Janeiro. Vemos a virada do carácter da escrita de Nelson Rodrigues , não mais como um questionador da elite em arquétipos com sua chamadas peças míticas. 


A protagonista Zulmira, moradora do subúrbio do Rio de Janeiro, acredita-se moribunda por causa da tuberculose e planeja para si mesma um enterro luxuoso para compensar sua vida modesta. Em 1964, a peça foi transformada em uma uma adaptação cinematográfica muito premiada que é esse filme “A Falecida”, com direção de Leon Hirszman,  primeiro filme com Fernanda Montenegro, um clássico do cinema nacional.


Assista ao filme aqui:





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