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Eles Não Usam Black-Tie (1981): Clássico do cinema nacional com Fernanda Montenegro adapta peça de Gianfrancesco Guarnieri sobre a importância da democracia



Em São Paulo, em 1980, o jovem operário Tião (Carlos Alberto Riccelli) e sua namorada Maria (Bete Mendes) decidem casar-se ao saber que a moça está grávida. Ao mesmo tempo, eclode um movimento grevista que divide a categoria metalúrgica. Preocupado com o casamento e temendo perder o emprego, Tião fura a greve, entrando em conflito com o pai, Otávio (Gianfrancesco Guarnieri), um velho militante sindical que passou três anos na cadeia durante o regime militar, e casado com Romana (Fernanda Montenegro). Dirigido por Leon Hirszman, com fotografia de Lauro Escorel e baseado na peça Eles não usam black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri



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ou em link aberto no final do artigo


Crítica do filme 


O filme começa com o jovem trabalhador saindo do cinema com a namorada. Na saída, há um trailer do filme de Star Trek da Paramount/CBS. Eles olham o preço das coisas e vão embora de ônibus, entregando que são pessoas humildes. 



Eles chegam no bairro, e cruzam na esquina da rua com agentes do Dops, vestidos à paisana, dando uma dura em caras do bairro e levando alguns presos. Entre eles há um violeiro, para o qual um dos agentes fala: "Não pode andar sem documento não. Só pode ser violeiro lá no Nordeste", entregando todo o seu preconceito latente e xenofobia da ditadura, algo muito comum hoje em dia nas falas dos apoiadores de Bolsonaro ao se referir ao Nordeste. 



A namorada então, ao chegar à casa da família do rapaz, revela que está gravida. Vemos que a casa é bem humilde, uma vez que seu irmão está dormindo no sofá, aparentando não ter um quarto só para si. Tião fica feliz com a notícia e decide se casar dali a duas semanas. Ele conta para seus pais, eufórico. 


Seus pais são apenas os incríveis Guarnieri, autor da peça que inspirou o filme, e Fernanda Montenegro. Eles não gostam da notícia, pois afinal se avizinha uma greve na fábrica onde o pai trabalha, e eles estão com pouca grana. A atuação dos atores veteranos é tão boa, que compramos o lado dos pais e passamos a não curtir tanto assim o casamento. Mas, ao mesmo tempo que vemos que os pais são de esquerda, há certa insensibilidade em ambos por já estarem desgastados da rotina de ser pobre. 



A Maria vai então para casa e vemos que sua família não é muito bem estruturada. Além de um irmãozinho pequeno, ela possui uma mãe, aparentemente doente, e um pai, aparentemente alcolatra. Ele ofende Maria ao vê-la, afirmando que ela devia estar "dando por aí". Reparamos que a estrutura de sua casa é mais pobre ainda, uma vez que a casa não possui portas entre os quartos, possuindo na verdade cortinas no lugar. Ela obviamente quer sair dali. 



Depois, vemos Tião jogando uma sinuca no bar e comentando com um amigo que vai ser pai. Ele recebe a notícia super bem, mas por sua vez seu amigo acredita que deveria se recusar, individualmente, a fazer greve. Ou seja, o filme quer explorar que o pensamento pessoa, familiar, não anda tão associado com a organização de esquerda sindical, já que a vida pessoal escapa das pautas coletivas. 



Tião passa a ficar preocupado com dinheiro e as contas para morar junto com Maria. Já seu pai e os amigos da fábrica, depois de uma reunião, saem discutindo o sindicato estar pelego e como a inflação está comendo o dinheiro do salário dos trabalhadores. 


Uma sequência marcante é quando Tião está chegando em casa e cruza com o pai. O pai pede para eles irem até o bar tomar uma cerveja. Lá, o pai fala que estava em uma situação mais ferrada ainda que a de Tião quando sua mãe engravidou dele, dizendo que estava, ainda por cima, desempregado na época. Detalhe: o filho bebe cerveja, mas o pai toma cachaça, uma marca de diferença de idade. Ele fala que acredita que Tião está um pouco perdido, pedindo para o filho conversar mais para ele. Mas Tião acha que ele deve tomar suas decisões sozinho. Um debate subterrâneo sobre ideologia, uma vez que o pai acha que ser de esquerda é decidir coletivamente, mas já o filho acha que é pensar de maneira individual. 



De repente, rompendo o assunto, entra um cara com um revólver na mão falando que está fugindo dos policiais e não vai deixá-los pegarem ele novamente. Eles ficam com medo, mas o dono do bar indica para ele fugir pelo fundo. Os policiais chegam e vão atrás do bandido. Ouvimos apenas o som dos tiros ao fundo, nos entregando através do som em extracampo que o homem foi morto, uma cena muito bem-feita e crítica por sinal. Esse tipo de coisa divide os dois, uma vez que o filho não queria nem ir ao bar e fica traumatizado com a violência, já o pai entende aquilo justamente como motivação de quem é. 



O pai de Maria, que também é operário, mas da construção civil, pede um adiantamento na obra. Voltando para casa a noite, ele é assaltado. Só que descobrimos que ele está bêbado e bebeu todo o dinheiro antes do assalto. 


Não conseguindo levar a sério o assaltante por estar bêbado, o assaltante dá um tiro de raiva no homem. Ele morre, mudando todos os planos de Maria e Tião. A cena é chocante, pois além de tentar marcar uma certa ruptura moral entre o trabalhador e o chamado "lumpemproletariado", mostrando que a maior divisão que talvez oriente alguém ao crime é a linguagem, uma vez que o assaltante se leva a sério demais. Vemos aqui o tipo de distinção entre os próprios pobres que marca a arte de Guarnieri, que vê em certo tom moral o crime como banal, mas inimigo do povo trabalhador.



O termo lumpemproletariado vem do alemão Lumpenproletariat: 'seção degradada e desprezível do proletariado', de lump 'pessoa desprezível' e lumpen 'trapo, farrapo' + proletariat 'proletariado', ou lumpesinato, ou ainda subproletariado. 


Designa, no vocabulário marxista, a população situada socialmente abaixo do proletariado, do ponto de vista das condições de vida e de trabalho. Supostamente formada por frações miseráveis, não organizadas do proletariado, não apenas destituídas de recursos econômicos, mas também desprovidas de consciência política e de classe, sendo, portanto, suscetíveis de servir aos interesses da burguesia. 


Segundo os teóricos da revolução, o lumpemproletariado, como Tião, seria pernicioso, já que seu cinismo, e sua absoluta ausência de valores, poderiam contaminar a consciência revolucionária do proletariado. Eu sempre discordo um pouco dessa visão por achar uma visão moralista que marca uma divisão maniqueísta entre pessoas, mas no filme isso é muito bem representando e muito impactante pelo seu convencimento. Mas os traços dessa descrição estão claros em Tião, que seria um tipo bem específico: o pelego. Nome dado pelos sindicalistas a aquele que de dentro do movimento espiona e defende o patrão. 



Na ruptura do filho com o pai, a mãe Fernanda Montenegro, em uma de suas atuações mais geniais no cinema brasileiro, tenta mediar os dois. Ela obviamente acompanha a tese do pensamento de esquerda que orienta o marido. Sabe que o que ele fala é importante, afinal possui mais idade e provavelmente lembrava de como era o país antes da ditadura militar. Porém, curiosamente, seu personagem nutre certo carinho do filho e o dá razão de ficar chateado com o pai, pois ele em parte toma as dores da mãe que se chateia com a ideologia exagerada do pai que traz problemas para a família, como ser preso constantemente pelo regime. 



Isso é bem ensejado na cena do jogo de cartaz. Enquanto está sozinha, ela começa a dispor as cartas do baralho para fazer um jogo de tarot. Só que nisso, seu marido a grita pedindo cuecas limpas. Uma cena muito comum e até engraçada, porém um detalhe que só percebi desta vez é que rapidamente ao ele chamar ela esconde seu jogo, ensejando que o marido condena o comportamento. 



Obviamente um clássico sindicalista, Otávio recusaria as teses religiosas por considerá-las uma alienação. Porém, ao mesmo tempo, reflete que ele é um pouco machista pois é dependente da mulher em certo sentido estrutural. E se ela acredita em superstições e o ajuda, o filme quer refletir como a própria estrutura sindical e popular no Brasil, representada por Otávio, é dependente de certas crenças, crendices, superstições e outras formas de fé e utopia.



O ápice do filme vem quando Tião, mesmo sabendo de sua condição e de sua família, decide furar a greve por estar brigado com o pai. Só que ao ele fazer, seu pai fica emocional no protesto e vai preso, em uma cena assustadora que nos lembra que ainda era ditadura militar e a repressão ainda era intensa, apesar do mito da "reabertura". 


O contexto do filme é do governo do ditador João Batista Figueiredo. O mandato foi marcado pela continuação da "abertura política" iniciada no governo Geisel. Pouco tempo depois de assumir o cargo, houve uma concessão de anistia "ampla, geral e irrestrita" aos políticos cassados com base em atos institucionais. Em 1980, extinguiu-se o bipartidarismo instaurado.  



A gestão ficou marcada pela grave crise econômica que assolou o mundo, com as altas taxas de juros internacionais, pelo segundo choque do petróleo em 1979, a disparada da inflação, que passou de 45% ao ano para 230% ao longo de seis anos, e com a dívida externa crescente no Brasil, que, pela primeira vez, rompeu a marca dos 100 bilhões de dólares, o que levou o governo a recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI) em 1982. No ano seguinte, iniciaram-se as campanhas das Diretas Já, que acabaram rejeitadas no Congresso Nacional.



O filme reflete profundamente e de maneira crítica o seu contexto histórico, mostrando que a abertura, na prática era um mito. Mas ao mesmo tempo, percebemos que um filme como Eles Não Usam Black-Tie, mais críticos ao governo e politizados, poderiam ser realizados, onde vemos que além do espaço físico de fábricas reais do ABC foram utilizadas, como também apoio da PM local que aparece no filme. 


Se por um lado Tião se provou um traíra, por outro lado em muitos momentos seu pessimismo estava certo pois ainda era ditadura. Além disso, as greves do ABC de 78, movimento do qual provém a popularidade e influência de Lula até hoje, trazendo certo marco histórico ao movimento sindical. Por isso talvez o pai, quando a greve é anunciada, fala que não era o momento ideal, pois um movimento maior que estava se realizando na formação do Partido dos Trabalhadores, o PT. 



Tião estava profundamente errado em seu comportamento, sua visão de mundo revisionista, mas principalmente por sua atitude. Por ele ter uma visão individualista, não percebeu que ele era só mais um dentro dos operários e sua presença era necessária para a imagem da família como um todo. Entretanto, seu pai demonstra certo conservadorismo sindical, focado mais nos ajustes de classe do que em qualquer tese de esquerda. Isso se reflete dentro do movimento, uma vez que ao Tião se recusar a participar da greve, outros sindicalistas decidem o linchar na saída da fábrica. Depois, Tião é expulso de casa pelo pai, algo que considero uma atitude conservadora, não importando quem a faça, um exagero total do pai. 



Além quase perder o próprio filho e ser esculachado por Maria, que passa a o considerar um fraco. Aqui fica claro que Maria já estava em contato com o feminismo, enquanto Tião herdou certo machismo de sua educação, e somado a falta de consciência política ele passa a soar extremamente conservador com ela. Ela também era uma trabalhadora, e quando Tião a agride, está tudo acabado. 



No final, entre as disputas sindicais, o amigo do pai, interpretado genialmente por Milton Gonçalves, é assassinado pelo regime na covardia, por um homem que antes de efetuar o disparo afirma para atirar nele por ele ser negro, representando que é esse o perfil mais combatido pelos repressores.  


No fim das contas, Eles Não Usam Black-Tie não é apenas um "filme de esquerda" ou um "filme sobre a história do sindicalismo e a formação do PT", mas mais: É um profundo manifesto que representa e reflete as origens do movimento sindical e dos partidos de esquerda formados no pós-ditadura militar. Se por um lado, o filme insta a participar dos movimentos sindicais e a luta e garantia por direitos democráticos, por outro reflete um certo conservadorismo sindical de esquerda, feito através do suposto enrijecimento de práticas rotineiras do movimento. E se por outro lado Tião era um grosseirão sem consciência política, seu jeito e pensamento representam bem o brasileiro médio (da época e de hoje em dia). 


Essa "imaginação sociológica" do filme era muito realista e já imaginava que os ideais individuais iam superar os ideais coletivos. A falta de oportunidades, a cultura pop e a mídia; estimulavam os trabalhadores em pensar em si, em bens, em ter sua própria casa e família. Pelo olhar do movimento sindical, realmente não fazia sentido tal visão, mas aos poucos foi justamente a visão de Tião que se disseminou entre os brasileiros e não a do movimento sindical, que passou a ser definido e visto como seita pelos jornais. Além disso, as mudanças tecnológicas instauraram o Toyotismo, onde a linha de produção que formava o "chão de fábrica", é substituído pelas máquinas e pelo trabalhador especializado. Ou seja, tudo aquilo ia morrer. 



Tanto que o primeiro presidente eleito após a ditadura militar, foi Collor. E Lula que se tornou conhecido e todo Brasil por ser sindicalista e o líder das greves do ABC, hoje em dia encabeça pautas mais amplas da esquerda, como os direitos das mulheres, o direito a educação e o fortalecimento da economia nacional. Pautas que sinalizam muito mais ao desenvolvimentismo do que ao sindicalismo e a esquerda puramente. 


A reflexão de Eles Não Usam Black Tie é dupla. Nos insta a buscar a defesa dos nossos direitos democráticos e trabalhistas, ao mesmo tempo que nos lembra que é necessário pensar nos direitos individuais das pessoas, uma vez que todo ser humano come, dorme, toma banho, consome e se apaixona. Se é necessário conscientizar o povo, por outro lado suprimir essas vontades é perigoso, pois assim pautas individualizantes serão encabeçadas por políticos oportunistas, que buscam voto. O final do filme herda certo moralismo de esquerda, um pouco católico de mais, pois há um clima triste de derrota anunciada, um clima de morte, de velório, que apesar de trágico é vendido como correto, puro e belo. Mas Tião apenas vai embora para a cidade grande, deixando tudo para trás, inclusive seu filho. Um final bem longe de um "final feliz", marcando na verdade um grande trauma, uma grande ruptura entre o povo brasileiro. 



É um grande filme que tenta debater tanto aspectos estruturais de classe, como a relação psicológica envolta por trás das relações de trabalho. O filme não apenas representa sua trama como perfeitamente uma época, uma sociologia específica: a do ABC paulista no contesto das greves. Leon Hirszman, diretor do filme, havia dirigido uma série de documentários sobre as greves do ABC, onde Lula figura em muitos deles. Esses docs servem como um registro histórico incríveis desses movimentos grevistas. Mas, congelam a fórmula, parecendo que basta apenas aderir a uma greve ou fazer uma manifestação de rua que pronto! Está resolvido. Mas as manifestações contra o governo Dilma mostraram o limite dessa fórmula, onde a esquerda por estar no governo passou a representar outros valores. 



Dessa forma, Leon Hirszman tentava corrigir essa interpretação maniqueísta de seus documentários, inserindo em um filme narrativo todo o "caldo de cultura" que estava por trás daquele movimento. Assim, Eles Não Usam Black Tie funciona como um lado B de ABC da Greve, onde se de um lado somos apresentados quase de maneira antropológica e descritiva o que seria o movimento grevista e as origens do PT, em Black Tie ele mistura isso com a vida real e democrática do país em contexto de final de ditadura. A esperança era obrigatória, mas o sofrimento parecia eterno, sendo necessário mostrar os meandros, tudo que estava por trás e formava a legitimidade de tal movimento. 


Por isso, o resultado é um dos filmes mais belos e históricos já produzidos no Brasil, onde cada cena comum, como quando tomam uma cachaça no bar ou vão ao campo de futebol, parece um registro de época, das origens e da identidade dos trabalhadores brasileiros, ao mesmo tempo que projeta a uma mudança social, uma novidade e esperança que deveria vir e mudar. 



A direção do filme e a atuação funcionam como um par dialético. Há muita verdade e emoção tanto na forma de filmar como na interpretação e profundidade dos debates. É necessário fazer um destaque especial para a ambientação, que parece aleatória, mas e quase pulp nos locais e coisas que escolheu filmar. Com o crescimento das cidades e urbanização, grande parte daquilo parece perdido na memória e na nostalgia daqueles que viveram e presenciaram tais coisas. Especialmente, a direção se destaca em seu poder de síntese. Sentimos que vimos muito, quando a trana em si é bem breve. Acho que por focar em sentimentos populares a todos e quase universais. Sua forma de transitar de assuntos estruturais e de interesse geral para assuntos íntimos e particulares é muito boa. 


Por exemplo, na cena final, quando depois de tudo, Romana apenas continua sua rotina, catando os feijões antes de cozinhar como sempre. Mas, agora, tudo estava diferente sem o filho ali, nos lembrando a ideia clássica de Aristóteles que é impossível mergulhar no mesmo rio duas vezes, pois na segunda vez o rio já não é o mesmo e você também não. Uma cena muito bem pensada e executada, realmente tocante. 


Em termos de técnica e arte, o filme parece perfeitamente posicionado entre o cinema de arte, mais ideológico e comunista no Brasil, como dos cinema novistas, e o cinema mais comercial e direto ao ponto dos cineastas da Embrafilmes. Há um pouco de realidade e erotismo, mas há também o debate formal de artes e consciência de classe, tentando propor e manifestar, talvez, uma ideia entre o PCB e o MDB da época. É profundamente atual, pois mostra processos como divisão das famílias pela política, provando que a suposta "polarização" não é recente. A mensagem principal do filme nos estimula não deixar que a nossa desilusão política dê lugar ao fascismo, por passarmos a não acreditar e negar as liberdades democráticas. 


Que a desilusão com o sistema político e capitalista não nos leve a abrir mão dos nossos direitos democráticos e não acreditar na democracia é justamente o que gera os líderes autoritários como o atual presidente Bolsonaro. Só a democracia tolera os contrários, os direitos individuais e trabalhistas, e como no contexto da trama ainda era uma ditadura, a família termina rachada e separada para sempre. Um dos filmes mais fundamentais do cinema brasileiro e incrivelmente atual. 


História por trás do filme


No Festival de Veneza de 1981, Leon Hirszman recebeu o prêmio FIPRESCI e o Grande Prêmio Especial do Júri (Leão de Ouro). No mesmo ano, no Festival de Havana, Leon Hirszman recebeu o Prêmio Grand Coral. Em 1982, Gianfrancesco Guarnieri recebeu o Troféu APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte, Brasil) na categoria de Melhor Ator. No mesmo ano, o filme recebeu o prêmio Margarida de Prata.


Eles não usam black-tie é baseado em uma peça teatral, de mesmo nome, de cunho sociopolítico, escrita pelo ator de Otávio no filme, Gianfrancesco Guarnieri, em 1958. O obra trouxe camponeses e gente simples para a cena teatral, que já haviam sido anteriormente objeto de representação no teatro brasileiro, como em textos de Arthur Azevedo e Nelson Rodrigues.



Guarnieri nasceu em Milão, Itália, em 6 de agosto de 1934, filho de músicos antifascistas. Seus pais, o maestro Edoardo Guarnieri e a harpista Elsa Martinenghi, decidiram mudar para o Brasil em 1936, se estabelecendo no Rio de Janeiro. No início dos anos 1950, a família se mudou para São Paulo. Líder estudantil desde a adolescência, Guarnieri começou a fazer teatro amador com Oduvaldo Vianna Filho (Vianinha) e um grupo de estudantes de São Paulo. Em 1955, criaram o Teatro Paulista do Estudante, com orientação de Ruggero Jacobbi. No ano seguinte, o TPE uniu-se ao Teatro de Arena, fundado e dirigido por José Renato.



A peça estava programada para encerrar o trabalho do grupo, que vivia uma crise financeira, alcançou sucesso imenso, sendo um dos marcos da renovação do teatro brasileiro da época. A peça, o autor e o elenco foram premiados pelo então governador de São Paulo, Jânio Quadros, e o Arena foi salvo da crise financeira que há tempos assolava o grupo. Paralelamente, o diretor Roberto Santos dava o pontapé inicial no Cinema Novo com o filme O Grande Momento, protagonizado por Guarnieri e Miriam Pérsia.



O filme estrela também a jovem e belíssima Bete Mendes como Maria, namorada do protagonista Tião. A atriz não concluiu o curso de Sociologia na Universidade de São Paulo (USP) pois foi proibida de frequentar qualquer universidade durante três anos (conforme o Decreto-lei 477 então vigente), em razão do seu envolvimento com a organização de extrema esquerda Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares). Posteriormente formou-se em artes cênicas, também pela USP.


Em 1970 foi presa pela primeira vez, pelo DOI-CODI (Departamento de Operações Internas - Centro de Operações para Defesa Interna, órgão encarregado, durante a ditadura militar, de proceder o combate aos grupos de esquerda), ficando quatro dias detida. Entre setembro e outubro foi novamente presa, ocasião em que foi torturada pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o qual negou as acusações. Absolvida pelo Superior Tribunal Militar, foi solta após trinta dias de cárcere


Participou ativamente de diversos movimentos sociais e sindicais, como a campanha pela regulamentação profissional de artistas e técnicos em espetáculos de diversões (conquistada em 1978), o apoio às greves dos Metalúrgicos do ABC paulista e o movimento pela Anistia.  É associada ao Movimento Humanos Direitos.


Ao longo da carreira artística, voltada principalmente para a televisão, Bete Mendes teve também uma relevante atuação na política. Foi uma das fundadoras do Partido dos Trabalhadores, pelo qual se elegeu deputada federal pela primeira vez, na legislatura 1983-1987. Em 1985, foi autora de projeto que criava uma comissão encarregada da elaboração de projeto de Constituição - arquivado por prejudicialidade, pois foi decidido posteriormente que a Constituição seria elaborada pelos deputados eleitos. 


Foi expulsa do PT por haver votado, ainda no regime de eleições indiretas, em Tancredo Neves para presidente da República. Elegeu-se novamente, desta feita pelo PMDB, para a legislatura seguinte (1987-1991), tendo participado da Constituinte de 1987. 


O rompimento com o PT não a impediu de apoiar as candidaturas presidenciais de Lula, porém marca de forma definitiva como Eles Não Usam Black-Tie tem elementos de teses petistas que já foram superadas, com outros sobre democracia e direitos que continuam atuais, como a dominação de classe, peleguismo, sexismo, tradicionalismo, revelando de forma contundente a falta de auto-percepção de classe.


Assista o filme aqui:










Comentários

  1. Comentários típicos de quem defende ideologia de esquerda

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