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Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo (2022): A relevância do ganhador de Melhor Filme do Oscar 2023 e como sua vitória impacta o mundo do cinema




Em Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, acompanhamos uma sobrecarregada imigrante chinesa, Evelyn Wang (Michelle Yeoh de O Tigre e Dragão) que com sua lavanderia à beira do fracasso e seu casamento em ruínas, luta para lidar com tudo, incluindo um relacionamento ruim com seu pai crítico e sua filha (Stephanie Hsu)



Veja aqui onde assistir "Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo"


Crítica do filme 


Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo é a maior surpresa do ano. Apesar de hoje em dia aclamada, a produtora do filme, A24, era até então desconhecida para mim. A boa repercussão do filme na internet que me fez dar uma chance ao filme, que apesar de apresentar uma temática excêntrica, é bem fiel aos tempos atuais.



Esse filme exige certa objetividade para abordá-lo, uma vez que sua trama é bem simbólica e entrecortada exigindo assim que cada um assista para entender por si. Sua ideia é bem simples: confundir os locais comuns do espectador e do personagem, para nisso fazer um debate sobre os gêneros audiovisuais e como eles nos impactam e refletem em nossa vida.


Por um lado, o filme representa a carreira da incrível atriz Michelle Yeoh, que fez O Tigre o Dragão (já analisado aqui) dentre outros clássicos contemporâneos do kung fu. Por outro, debate o arquétipo dos atores asiáticos nos filmes, estendendo isso para uma reflexão dos gêneros filmes e seus arquétipos. Assim, a lavanderia, por exemplo, é um negócio de lavagem, literalmente e no sentido figurado. Fica claro que o negócio só sobrevive com algum tipo de sonegação nos impostos da lavanderia. Mas, ao mesmo tempo, isso fazia parte do "jogo", uma vez que ninguém auditava esse tipo de negócio por ser de pessoas imigrantes, obviamente não ricas. Só que como já vimos mais recentemente no seriado Better Call Saul, esses negócios passaram a ser auditados justamente por seu caráter indubitável ser usado como fachada para organizações como o Cartel. 


Isso faz com que seu personagem, Evelyn, fique refém de uma profunda rotina burocrática para fazer tudo fechar. Ela ao mesmo tempo deve lidar com os problemas com sua filha rebelde e americanizada, problemas conjugais com o seu marido e cuidar de seu pai, um velho cri-cri. 


Evelyn precisa então se preparar para uma reunião desagradável na receita federal, com uma burocrata impessoal chamada Deirdre (Jamie Lee Curtis), a auditora da Receita Federal. No entanto, à medida que a agente severa demonstra sua condescendência, uma inexplicável fenda no multiverso se abre, e se torna uma possibilidade para a exploração reveladora de realidades paralelas.



Como refletia Marc Ferro, os filmes sempre representam seu contexto histórico e político. Alguns detalhes semióticos de Deirdre reforçam que ela é obviamente uma democrata, como as roupas e cabelo, meio "moderninhas" mas com óbvia preguiça de funcionária pública. Fica claro que ela representa o governo Biden, que quer auditar os chineses pois o governo Trump além de ter tido bom relacionamento com a China, marcou a corrupção como mote de seu governo, instaurando a paranoia de auditoria no novo governo. 


Aqui entra em questão o dispositivo utilizado pelo filme para representar a ideia do "salto" entre universos. Evelyn percebe que há realidades paralelas pela conversa de bastidores que seu marido faz com ela. Ele, por fora, sempre é concordista com as situações e pacífico. Mas quando ele está sozinho com ela, só então fala o que realmente pensa, criando assim um duplo padrão de comportamento que não sabemos se a quer proteger ou condescendência.  


Em resumo, entramos a partir daqui em uma aventura incomum onde a jornada é mais para dentro do próprio passado e do tempo, combinando momentos de ação e de total cotidianidade. Aliás, esse é a maior qualidade do filme, combinando e justapondo ideias e situações de vários gêneros possíveis. Isso se reflete na montagem e continuidade do filme, que simplesmente não existe para além de sua própria proposta, que é ser descontinua e passar a compreensão sobre as situações do roteiro. Assim sua fluidez é espiritual, onde para alguns o filme pode representar uma bagunça total de gênero e sentido. Mas é justamente nesse elemento onde mora seu charme, com uma edição totalmente inspiradora em sua essência. 


No final, o filme é uma grande metáfora moral que busca refletir o poder narrativo que todos trazem em suas próprias escolhas. Cada decisão, por mais simples e comum que seja, reflete uma grande capacidade de escolha racional que apenas os humanos são capazes. Assim, existe uma defesa de uma visão existencial no filme, algo muito bem denotado na cena das pedras, que em sua quebra na continuidade do filme se demonstra a principal mensagem do filme para as situações irresolúveis ou burocráticas da vida: apenas existir, como uma pedra que eternamente encara o horizonte.  


Esteticamente, há algo ali de filmes de herói da Marvel e DC, filmes de drama, filmes de ação, filmes de luta e outras misturas. Só que tudo com muita ironia sobre a sua própria perspectiva fílmica, algo que demostra conhecimento e maturidade da linguagem cinematográfica. Outro elemento interessante de mitologia: o refrigerante de laranja. Uma referência ao seriado Kenna e Kel? 


Assim, apesar da mistura, não chega a ser uma salada, mas sim uma boa "bricolagem" de ideias e possibilidade que a atualidade e a oportunidade permitiram. Isso é sempre a essência do cinema: saber usar o que se tem em seu espaço e tempo.


É com certeza um filme provocante, interessante e divertido, que além de debater ideias e ter uma boa mensagem, não esquece de entreter. Um filme que chama atenção e com certeza vai conseguir alguns indicações e prêmios na próxima temporada. Porém, aqueles que preferem filmes mais fixos a um gênero podem se desagradar. Daí a diversão vai do quanto sua cabeça está aberta para o filme, mas tem a minha total indicação e satisfação como espectador. Um filme fora da caixa, que consegue impressionar do espectador novato ao mais experiente.


Sua recente vitória no Oscar 2023 é simbólica. Marca a vitória de um estúdio basicamente independente (o A24), perante os maiores titãs do cinema mundial, que são os outros estúdios. O filme desbancou Paramount, Warner, Netflix e diversos outros consagrados do mercado para um ideia totalmente independente, fora da caixa, mas por isso inovadora e genial. É um momento simbólico para a História do Cinema mundial, onde o mundo da internet e dos vídeos está se misturando com a narrativa fílmica, gerando resultados muito interessantes (como Triângulo da Tristeza). Nenhuma das mídias está superando a outra, mas se misturando, se adequando. Sinalizando, assim, para um era onde ideias mais originais e fora da caixa, com um estilo independente, está saindo na frente por um simples detalhe: são produções mais fluidas, muito mais sujeitas a intervenções horizontais, pois a estrutura do estúdio é menos hierárquica. Agora, os estúdios devem reagir, principalmente na linguagem de seus filmes, onde Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo será muito "inspirador" para as próximas grandes produções, que atualmente estão congelados e tomaram um baile no Oscar. Que bom!


História por trás do filme


Os codiretores Dan Kwan e Daniel Scheinert afirmaram que começaram a pesquisar o conceito do multiverso em 2010, depois de serem expostos ao conceito de realismo modal no filme de 1986, "Marcha de Sherman". Kwan descreveu o lançamento do filme Homem-Aranha: Into the Spider-Verse de 2018, que também apresenta um conceito multiverso, como "um pouco perturbador porque estávamos tipo, 'Oh merda, todo mundo vai nos vencer para essa coisa em que estamos trabalhando. "Ele também afirmou: "Assistir à segunda temporada de Rick and Morty foi realmente doloroso. Eu disse: "Eles já fizeram todas as ideias que pensávamos serem originais!" Foi uma experiência muito frustrante. Então parei de assistir Rick e Morty enquanto estávamos escrevendo este projeto." 


Nos primeiros rascunhos, os diretores planejavam que o personagem principal tivesse transtorno do déficit de atenção não diagnosticado com hiperatividade (TDAH); através de sua pesquisa para o projeto, Kwan descobriu que ele próprio tinha TDAH não diagnosticado.


O universo em que Evelyn treina nas artes marciais e se torna uma estrela de cinema de ação apresenta cenas visual e contextualmente inspiradas nos filmes do diretor de Hong Kong Wong Kar-wai; Chris Lee, do Vulture, escreveu que essas cenas "conjuram um clima de anseio romântico requintado que será instantaneamente reconhecível [...] como pedras de toque" das obras de Wong. O universo em que Evelyn e Joy são rochas foi influenciado pelo livro infantil Sylvester and the Magic Pebble de 1969 e pelo videogame Everything de 2017. 


Kwan afirmou que a ideia do bagel de tudo criado por Jobu Tupaki "começou como apenas uma piada descartável". Scheinert observou que eles passaram um tempo tentando desenvolver a religião dos seguidores de bagel, mas encontraram complicações: "[Jobu Tupaki] é um niilista; Deveria haver dogma? Deveria haver um livro? Quais devem ser suas práticas como religião? O bagel ficou preso porque se tornou um símbolo tão útil e simples que poderíamos apontar como cineastas. E você não tem que explicar isso muito além da piada.


Durante a pré-produção, Jackie Chan foi considerado para o papel principal; o roteiro foi originalmente escrito para ele antes de Kwan e Scheinert mudarem de ideia e reconcebivelmente o papel principal como uma mulher, sentindo que tornaria a dinâmica marido-mulher na história mais relacionável. 



Quando o roteiro foi inicialmente reescrito com o personagem principal como uma mulher, a personagem foi renomeada como "Michelle Wang"; de acordo com Michelle Yeoh, "Se você perguntar aos Daniels, quando eles começaram neste rascunho, eles se concentraram em, 'Bem, estamos fazendo isso por Michelle Yeoh. "O nome da personagem foi finalmente alterado para Evelyn; apesar dos paralelos no filme final entre Yeoh e o universo em que Evelyn é uma artista marcial e estrela de cinema, Yeoh se opôs a nomear a personagem Michelle, afirmando que "Ela não se chama Michelle porque [...] Evelyn merece que sua própria história seja contada. Esta é uma mãe muito comum [e] dona de casa que está tentando o seu melhor para ser uma boa mãe para sua filha, uma boa filha para seu pai, uma esposa que está tentando manter a família unida [...] Eu não gosto de me integrar, Michelle Yeoh, aos personagens que eu interpreto, porque todos eles merecem sua própria jornada e suas histórias a serem contadas." 


Foi anunciado em agosto de 2018 que Yeoh e Awkwafina foram escalados para estrelar um "filme de ação interdimensional" de Kwan e Scheinert, com Anthony e Joe Russo prontos para produzir. Awkwafina deixou o projeto devido a conflitos de agenda em janeiro de 2020. Stephanie Hsu, James Hong, Ke Huy Quan e Jamie Lee Curtis se juntaram ao elenco, com Hsu substituindo Awkwafina. Ele marcou o retorno de Quan à atuação cinematográfica, da qual ele havia se aposentado em 2002 devido à falta de oportunidades de elenco.


As filmagens começam em janeiro de 2020, com a A24 anunciando que financiaria e distribuiria o filme. Fotografia principal concluída no início de março de 2020 durante o início da pandemia COVID-19. 


A partitura foi composta por Son Lux, cujos membros são Ryan Lott, Ian Chang e Rafiq Bhatia. Daniels pediu que eles se aproximassem individualmente da partitura, e não como uma banda. Lott disse: "Eu acho que a imagem completa não só de quem somos como banda, mas também de quem somos como indivíduos e o que realizamos e dos lugares que fomos criativamente individualmente, significava para eles que havia a possibilidade de que muitos desses universos de som pudessem estar ao alcance desse trio em particular".


Son Lux levou de dois a três anos para compor a partitura, que inclui mais de 100 pistas musicais. O álbum da trilha sonora tem 49 peças e dura mais de duas horas. Possui vários músicos proeminentes, incluindo Mitski, David Byrne, um tocador de flauta André 3000, Randy Newman, Moses Sumney e yMusic. Duas músicas — "This Is a Life", com Participação de Mitski e Byrne, e "Fence" com Sumney, foram lançadas como singles nos dias 4 e 14 de março de 2022. O álbum foi lançado em 25 de março para uma resposta crítica positiva. 


Além de várias indicações e prêmios em festivais, o filme ainda foi listado como um dos melhores do ano pelo ex-presidente norte-americano Barack Obama e tem sido a principal aposta para receber alguns prêmios no Oscar. 




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