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Josey Wales, o Fora-da-Lei (1976): Um importante e contraditório faroeste dirigido por Clint Eastwood sobre a Guerra Civil e a unificação dos Estados Unidos




Josey Wales, um fazendeiro do Missouri, é levado à vingança pelo assassinato de sua esposa e filho pequeno por um bando de Redlegs, uma unidade de militantes pró-União da Brigada do Kansas, ligada ao senador James H. Lane e liderada pelo brutal Capitão Terrill


Assista o filme no final desse artigo


Crítica do filme


Este é um dos filmes mais contraditórios que já analisei no site. Primeiro, pela polêmica envolvendo o autor do livro que inspira o filme. O livro The Rebel Outlaw foi publicado e divulgado com o nome do autor sendo Forrest Carter, mas o New York Times revelou que o livro havia sido escrito por Asa Earl Carter, ex-membro da Ku Klux Klan nos anos 50. Em outras palavras, a trama toda é uma metáfora da América na visão de um ex-extremista arrependido, que coloca seus remorsos e arrependimentos dentro uma trama de trauma e redenção no Velho Oeste.


Por outro lado, aqui temos um filme de Eastwood. Desde o Estranho sem Nome, todo personagem de Eastwood não é o que pode se chamar de herói padrão. Sua noção de "herói" é de um anti-herói por excelência. Por que? Pelo fato de que para Eastwood e o realismo que marca a geração do cinema dos anos 70, ou Nova Hollywood, um herói no faroeste precisa saber atirar em seus algozes para proteger inocentes. Assim, esse é um cara que não tem rotina, coração ou um lugar feliz para voltar com pessoas o esperando. Um herói vive só para poder proteger e logo quem se aproxima dele está sobre perigo. 


Logo, toda a trama de um personagem heroico que se desilude com o seu caminho é anulado na hora pela presença anti-heroica de Eastwood. Logo, todo o filme deve ser interpretado com certo tom jocoso, que busca refletir que na História nada era bonitinho, o mundo era bruto e real. 



Assim, seguimos a aventura de um homem que acaba de perder mulher e filho assassinados por um bando de loucos aleatórios. É escroto pois o filme joga um situação extrema de maneira aleatória, como se não fosse nada, mas é o que motiva todas as atitudes do filme


O primeiro ponto ideológico a se destacar, é que os homens que ele acredita serem seus algozes se coligam para lutar a guerra civil americana pelo Sul. Assim, eles aproveitaram sua liberdade final antes da guerra para barbarizar e depois "mudar de vida". Totalmente errado historicamente essa decisão, tirando o caráter épico do filme e focando em um ponto de vista ideológico.


Se utilizar um método de análise e contextualizarmos o assunto filme e sua visão, contra o ano de seu lançamento, o filme marca o pessimismo republicano pela eleição do democrata Jimmy Carter. Isso explica inclusive a roupagem histórica que o filme tenta ter, primeiro para ser visto por públicos mais escolarizados e segundo por de certa maneira querer fazer uma paridade um pouco anacrônica de que os Democratas seriam o Norte e os Republicanos seriam o Sul. 



Meio de maneira confusa, no meio do filme sua trama se confunde com a formação de um grupo de "excluídos" que eventualmente ajudam e são ajudados pelo personagem de Eastwood. O primeiro é o velho índio, que ao surgir na primeira vez apresenta-se em uma cena psicodélica com uma roupa similar a de Abraham Lincoln e contando uma História sobre a dívida do homem branco com os índios, a qual Eastwood dorme ao escutar, uma sinal de que ele não se importa mas também de sua ingenuidade e ignorância. Depois, a menina branca que é quase estuprada e que ele nada faz para impedir, sendo salva apenas por seu valor de troca por cavalos. E por último a velha. 



Juntos eles forma uma espécie de comunidade independente, algo similar ao Estranho sem Nome, mas que convence menos aqui. Porém, após o final do filme essa inserção nem faz sentido para o filme de maneira geral. 


O final do filme de maneira geral também é bem óbvio, diria até que é menos interessante que os filmes anteriores de Eastwood. Qual é o grande destaque do filme então? A forma quase fotográfica como ele aborda os plots. O jeito de filmar extravasa e até questiona certos momentos da trama em uma forma bem expressiva, afinal esse filme foi dirigido pelo próprio Eastwood. Porém, em outros momentos como a cena do quase estupro, há certa estetização que busca extrair algo de estético na cena que é desconfortável e exagerada para hoje em dia. 



Porém, em outros momentos como nas batalhas e na sequência com os índios, as melhores do filme, esse realismo que entrega o tom do filme e sua metáfora em defender certo republicanismo pois os Estados Unidos nunca foram muito democráticos com os indígenas. Ou seja, a ideia do filme é que a falta de democracia no acesso a terra e respeito as questões indígenas provam que a América não foi democrática em sua civilização. 


Os pontos culturalistas são o auge do filme. Por exemplo, é mostrado que durante o recrutamento de soldados para o Norte, havia música e uma mesa cheia de comida para motivar o alistamento daqueles que estavam famintos e desesperados. Algo semelhante ao que observamos em Barry Lyndon. Ou quando o soldado da União está lendo o juramento que eles devem fazer e nem ele mesmo sabe porque está jurando aquilo, apenas faz porque considera correto. Aqui, mais uma vez o filme associa a defesa ao norte com uma ideia coercitiva que se é obrigado a seguir sem saber o motivo. Algo similar para o Brasil com a questão da disputa de republicanos como Júlio de Castilhos e os federalistas da União.



Outros momentos culturalistas são o vendedor de tônicos, um elemento do faroeste que muitos esquecem. Também a disputa entre moça indígena e o velho indígena, onde a moça concorda mais com os métodos de Eastwood que o velho, marcando uma diferença de visão de mundo e oportunidades entre homens índios e mulheres indigenas. Ou quando o velho usa um lagarto para saber o caminho correto. E quando o velho decide andar com Eastwood, ele queima suas roupas de Lincoln. 



Todos esses elementos culturais bebem e se inspiram nas práticas culturais e rurais do interior dos Estados Unidos. Assim, através da explanação antropológica de certas rotinas e práticas, remontar as suas origens supostamente históricas. Por isso sentimos uma sensação de imersão ou viagem com o filme, pois ele busca dar como implícito ou "verdade" aspectos de fundo para dar mais veracidade a trama. Um elemento meio cinema novo, que busca mais ou menos dizer opiniões através de metáforas. 



Particularmente a fotografia desse filme é incrível. Com um brilho notável em certas cenas e um contraste com extremo escuro em certos momentos, as cores perante o sol e etc, o filme é extremamente rico visualmente. Um deleite fotográfico que ajuda no seu convencimento de realismo de sua proposta. 


A cena final, da resistência na cabana, seria maior se ela não fosse um plágio do filme brasileiro Quelé do Pajeu, de 1969. Na verdade, se pararmos para pensar várias gags e escalação de atores e situações do filme são parecidas com o nosso clássico do filme nacional estrelado por Tarcísio Meira. 



O filme busca através de ideais liberais defender uma semelhança com os ideais socialistas através da ideia de acesso a cidadania e direitos através da terra. Isso permite, por um lado, a Eastwood recolocar seu personagem pessoal de ator de um cara indiferente e anti-herói que atirava primeiro e perguntava depois, para um anti-herói que assim o é pois defende o povo. Essa virada foi muito provavelmente devido as denuncias de violência das ditaduras da América Latina. Eastwood quer refletir que nunca pode o cowboy lutar para oprimir o povo, os excluídos, mas sim para justamente defender os mais fracos. Essa virada "socialista", por um lado, permitiu prolongar sua imagem no cinema através de novos personagens e arquétipos menos óbvios. Por outro lado, escondeu uma ideia extremamente conservadora que busca através da frustração convencer os mais ideológicos de que a direita e os republicanos podem realizar melhor políticas por eles do que a esquerda institucional. Uma falácia completa que seria revista pelo próprio Eastwood em outros filmes posteriores, como Os Imperdoáveis e Gran Torino. 


Por isso é aquilo, é um filme clássico, emocionante e principalmente convincente. Mas que esconde pontos ultrapassados e ideológicos demais. Além disso, envolvido em uma polêmica autoria que marca de maneira pejorativa a trama. Então, deve ser assistido com certo esclarecimento e pensamento racional. Um certo julgamento de que as coisas que estão na tela não são necessariamente verdades, apenas pontos de vistas elaborados de maneira estética para soarem bem perante a câmera. Como uma publicidade. Assim, forte da estética, mas fraco na mensagem.



História por trás do filme 


The Outlaw Josey Wales foi inspirado por um romance de 1972 do escritor supostamente cherokee, Forrest Carter, pseudônimo do ex-líder da KKK e escritor de discursos segregacionistas de George Wallace, Asa Earl Carter, uma identidade que seria exposta em parte devido ao sucesso do filme, e foi originalmente intitulado The Rebel Outlaw: Josey Wales e mais tarde renomeado Gone to Texas . O roteiro foi trabalhado por Sonia Chernus e pelo produtor Robert Daley em Malpaso, e o próprio Eastwood pagou parte do dinheiro para obter os direitos de tela. 


Michael Cimino e Philip Kaufman mais tarde supervisionaram a escrita do roteiro, ajudando Chernus. Kaufman queria que o filme ficasse o mais próximo possível do romance em estilo e manteve muitos dos maneirismos no personagem de Wales que Eastwood exibiria na tela, como sua linguagem distinta com palavras como "contar", "hoss" (em vez de "cavalo") e "ye" (em vez de "você") e cuspir suco de tabaco em animais e vítimas. 



Os personagens de Wales, o chefe Cherokee, a mulher Navajo e a velha mulher colona e sua filha apareceram no romance. Por outro lado, Kaufman estava menos feliz com a postura política do romance; ele sentiu que tinha sido "escrito por um fascista grosseiro" e que "o ódio do homem ao governo era insano". Ele também sentiu que esse elemento do roteiro precisava ser severamente atenuado, mas, ele disse mais tarde, "Clint não, e foi seu filme". Kaufman foi mais tarde demitido por Eastwood, que assumiu a direção do filme.



O diretor de fotografia Bruce Surtees, James Fargo e Fritz Manes procuraram locais e, eventualmente, encontraram locais em Utah, Arizona, Wyoming e Oroville, Califórnia, mesmo antes de verem o roteiro final. O filme foi filmado em DeLuxe Color e Panavision. Kaufman escalou o chefe Dan George, que havia sido indicado ao Oscar de Ator Coadjuvante em Little Big Man, como o velho Cherokee Lone Watie. Sondra Locke, também uma indicada anterior ao Oscar, foi escalada por Eastwood contra a vontade de Kaufman como Laura Lee, a neta da velha mulher colona; aos 32 anos, ela era uma década mais velha que a personagem. Isso marcou o início de um relacionamento profissional e doméstico entre Eastwood e Locke que se estenderia por seis filmes e duraria até o final da década de 1980. Ferris Webster foi contratado como editor do filme e Jerry Fielding como compositor.


Em junho de 1975, foi anunciado que Eastwood iria estrelar o filme com um lançamento programado para a Celebração do Bicentenário. A fotografia principal começou em 6 de outubro em Lake Powell e nas proximidades de Paria, Utah. Um racha entre Eastwood e Kaufman se desenvolveu durante as filmagens. Kaufman insistiu em filmar com uma atenção meticulosa aos detalhes, o que causou desentendimentos com Eastwood, para não mencionar a atração que os dois compartilhavam por Locke e aparente ciúme por parte de Kaufman em relação ao seu relacionamento emergente.



Uma noite, Kaufman insistiu em encontrar uma lata de cerveja como um adereço para ser usado em uma cena, mas enquanto ele estava ausente, Eastwood ordenou que Surtees filmasse rapidamente a cena quando a luz estava desaparecendo e depois se afastou, saindo antes que Kaufman tivesse retornado. Logo depois, as filmagens mudaram-se para Kanab, Utah. Em 24 de outubro de 1975, Kaufman foi demitido sob o comando de Eastwood pelo produtor Bob Daley. A demissão causou uma indignação entre o Directors Guild of America e outros importantes executivos de Hollywood, uma vez que o diretor já havia trabalhado duro no filme, incluindo a conclusão de toda a pré-produção. A pressão aumentou sobre a Warner Bros. e Eastwood para recuar, e sua recusa em fazê-lo resultou em uma multa, relatada em cerca de US $ 60.000, pela violação. Isso resultou na aprovação da Guilda dos Diretores de uma nova regra, conhecida como "a Regra de Eastwood", que proíbe um ator ou produtor de demitir o diretor e, em seguida, assumir pessoalmente o papel do diretor. [A partir de então, o filme foi dirigido pelo próprio Eastwood com Daley como o segundo em comando. Com o planejamento de Kaufman já em vigor, a equipe conseguiu terminar de fazer o filme de forma eficiente.


Clique aqui para ler mais textos sobre Clint Eastwood no site


Assista ao filme aqui:












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