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Sem Novidades no Front (All Quiet on the Western Front, 1930): Pioneiro em mostrar horrores da guerra, filme foi censurado pelos nazistas na Alemanha




All Quiet in the Western Front é um dos filmes de guerra mais clássicos e históricos de todos os tempos. Se passando na Primeira Guerra mundial, adaptado do romance Erich Maria Remarque, é um dos filmes mais realistas ao expor de maneira humanista os terrores da guerra, o que influenciou diversos filmes posteriores. É baseado no romance de Erich Maria Remarque, um veterano de guerra. O livro assim como o filme foram censurados por Hitler e pelos nazistas na Alemanha, algo que só o recente remake tenta reparar



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Análise do filme


Esse é um dos filmes clássicos que, em parte, sinto que sou responsável por estar tendo uma "recuperação", com direito a remake alemão, que está atualmente concorrendo ao Oscar. Claro, vários críticos também construíram nesse processo coletivo de lembrar a importância desse filme e suas similaridades com o presente. Eu já havia escrito sobre esse filme anos atrás, antes mesmo da guerra da Ucrânia. Dessa vez, esse texto é uma atualização do antigo e com acréscimos importantes.  


Entretanto, o motivo dessa "recuperação" do filme é pouco discutido mesmo hoje em dia. O remake desse filme sair no atual contexto e sendo uma produção alemã não é aleatório. Primeiro, isso é uma forma da Alemanha reparar o erro histórico feito por Hitler, que censurou e mandou queimar o livro e censurou o filme, com direito a sabotagens nas salas de cinema que exibiam o filme.   


O filme começa com um longo traveling, que entra pela janela e mostra um professor que faz um discurso apaixonado sobre a glória de servir no Exército e "salvar a pátria". À beira de se tornarem homens, os meninos de sua classe, liderados por Paul Bäumer, são movidos para se juntar ao exército como a nova 2ª Companhia. Seus delírios românticos são rapidamente quebrados durante seu breve, mas rigoroso treinamento sob o abusivo cabo Himmelstoss, que os informa sem rodeios de que tinham que abandonar perspectivas outras, pois agora eram apenas soldados. 




Eles não demoram para perceber onde se meteram. A rotina nas trincheiras, equipamentos velhos, roupas velhas e rasgadas, pouca comida e impossível dormir por causa dos constantes bombardeios. Aqui o filme bilha ao mostrar com perfeição e realismo o que seria a rotina nas trincheiras. Não há heroísmo e nem patriotismo, apenas o cotidiano monótono e perigoso. Ao ver a situação, um dos jovens do pelotão que acompanhamos enlouquece e corre para a morte. 


Depois de ficar horas no bunker das trincheiras sob constante bombardeio inimigo, o silêncio. Ressoa o apito: é finalmente hora do combate! 


Depois de tanto tempo trancados, alguns soldados saem sedentos pelo combate, e logo de cara muitos são metralhados e bombardeados pelo soldados inimigos, e aqui vemos uma coisa: não existe super-herói. O estilo de guerra que implicou a primeira grande guerra, no estilo de trincheiras, implicava um grande desgaste psicológico e, principalmente, no constante risco de morrer. 



O que não se comenta, é que pelo estilo da primeira guerra muitos soldados eram mandados como "boi de piranha" no front. Para morrerem enquanto outro front atacava com aviões e tanques. Se muitos iam morrer nesse processo, dane-se, cumpriram seu "dever patriótico". Não tinha como sobreviver, por isso muitos nem tentavam, se lançavam para a morte de maneira estúpida, algo digno das batalhas medievais. 




Logo depois, na cena do almoço, vemos também um exemplo da burocracia e destrato com quais são tratados os soldados. 


Outra coisa assustadora é como o filme tranquilamente mata um personagem que havíamos acompanhado desde o início, e a cena das botas que vão passando de soldado em soldado, são um bom exemplo disso. O filme joga constantemente em como estar confiante demais pode custar sua vida na guerra, mas também o pessimismo pode te enlouquecer.


A cena que o soldado Paul Bäumer fica preso em um cratera no meio do campo de batalha, com um soldado inimigo que esfaqueou e ainda tenta cuidar e dar água ao inimigo. Uma cena de humanismo impactante e comovente. Uma das mais belas que já vi nos filmes.


Sem Novidades no Front



Paul, ainda se fere e ganha dispensa para voltar para casa. Entretanto o que ele encontra é uma sociedade destroçada. Sua mãe doente, seu pai paranoico. Não há nenhum amigo, todos estão na guerra. E ao ser convidado pelo professor para dizer as novas gerações como a guerra era patriótica, Paul simplesmente não consegue mentir, sem perceber que foi a ausência do pessimismo que o fizera viver até ali. Por trás da representação do professor, há também certa crítica ao dogmatismo das instituições educacionais e uma certa herança do nacionalismo de guerra.


Logo, Paul decide voltar para o front, para seus amigos, que eram tudo que faziam sentido. Essa parte pode ser lida como uma metáfora: era quase impossível a Alemanha não buscar uma revanche da Primeira Guerra, e sendo um filme feito entre as guerras, ele soa quase como um aviso.


A Primeira Guerra mundial foi resultado de inúmeros fatores. A rivalidade econômica entre as potências, ressentimentos por disputas passadas e questões nacionalistas. O estopim foi o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando e sua esposa, Sofia, em Sarajevo, na Bósnia, em junho de 1914.


Hobsbawm afirmou que a Primeira Guerra matou uma geração. O autor do livro, Erich Maria Remarque, foi um ex-combatente da Primeira Guerra, e o filme se baseia em seus relatos pessimistas para construir na guerra uma sensação de constante desilusão, vazio e uma constante sensação de perda. Isso dá a ele um diferencial dos demais filmes de guerra onde a ação é louvada pelo seu excesso, de maneira que o herói quase sempre nem sente o perigo. 


Em "Sem Novidades no Front" o perigo é uma constante que está sempre no extracampo, algo que fica amargamente marcado na cena final da borboleta, onde o extracampo é magistralmente usado. 


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O diretor desse filme, Lewis Milestone, era russo radicado nos EUA. No início da Guerra Fria , os estúdios de Hollywood, em aliança com o Congresso dos Estados Unidos, procuraram expor supostos conteúdos de inspiração comunista nos filmes americanos. O filme pró-Rússia, The North Star (1943), de Milestone, feito a pedido do governo dos EUA para encorajar o apoio americano à sua aliança no contexto da Segunda Guerra com a URSS contra as potências do Eixo, tornou-se um alvo do macartismo. Foi convocado para depor em uma CPI, mas continuou fazendo filmes até o fim da vida. 


Sua direção não é genial, mas muito eficiente. A cena da batalha, com bombas, metralhadoras disparando pela tela e centenas de soldados, muito bem caracterizados, correndo pela lama é impressionante até hoje, quanto mais nos anos 30. 


Sem Novidades no Front



Um clássico obrigatório e que com certeza inspirou 1917 e outros filmes do gênero. Disponível no YouTube Play.


Sem Novidades no Front


História por trás do filme


Em alemão: Im Westen nichts Neues, é um romance de Erich Maria Remarque, um veterano alemão da Primeira Guerra Mundial. O livro descreve o extremo trauma físico e mental dos soldados alemães durante a guerra, e o distanciamento da vida civil sentido por muitos ao voltar para casa do front.


No início do livro, Remarque escreve: "Este livro não deve ser nem uma acusação nem uma confissão, e muito menos uma aventura, pois a morte não é uma aventura para aqueles que estão face a face com ela. Tentará simplesmente falar de uma geração de homens que, mesmo que tenham escapado de seus projéteis, foram destruídos pela guerra. O livro não se concentra em histórias heroicas de bravura, mas dá uma visão das condições em que os soldados se encontram. A monotonia entre as batalhas, a constante ameaça de fogo de artilharia e bombardeios, a luta para encontrar comida, a falta de treinamento de jovens recrutas (o que significa menores chances de sobrevivência) e o papel abrangente do acaso aleatório nas vidas e mortes dos soldados são descritos em detalhes.


Um dos principais temas do romance é a dificuldade experimentada por ex-soldados que tentam voltar à vida civil depois de terem experimentado situações extremas de combate. Essa destruição interna pode ser encontrada já no primeiro capítulo, quando Paulo comenta que, embora todos os meninos sejam jovens, sua juventude já os deixou. Além disso, a perda maciça de vidas e os ganhos insignificantes dos combates são constantemente enfatizados. As vidas dos soldados são jogadas fora por seus oficiais comandantes que estão estacionados confortavelmente longe da frente, ignorantes e indiferentes ao sofrimento e ao terror das linhas de frente.


Outro tema importante é o conceito de nacionalismo cego. Remarque muitas vezes enfatiza que os meninos não foram forçados a se juntar ao esforço de guerra contra sua vontade, mas sim por um senso de patriotismo e orgulho. Kantorek chamou o pelotão de Paulo de "Juventude de Ferro", ensinando a seus alunos uma versão romantizada da guerra com glória e dever para com a Pátria. É somente quando os meninos vão para a guerra e têm que viver e lutar em trincheiras sujas e apertadas com pouca proteção contra balas e projéteis inimigos enquanto lutam contra a fome e a doença que eles percebem o quão desanimador é realmente servir no exército.


No filme, Paul é baleado enquanto alcança uma borboleta. Esta cena é diferente do livro, e foi inspirada por uma cena anterior mostrando uma coleção de borboletas na casa de Paul. A cena foi filmada durante a fase de edição, então os atores não estavam mais disponíveis e Milestone teve que usar sua própria mão como a de Paul.


A notável comediante ZaSu Pitts foi originalmente escalada como a mãe de Paul e completou o filme, mas o público, acostumado a vê-la em papéis cômicos, riu quando ela apareceu na tela, então Milestone refilmou suas cenas com Beryl Mercer antes do filme ser lançado. O público de pré-estreia continua sendo o único que viu Pitts no papel, embora ela apareça por cerca de 30 segundos no trailer original do filme.


O filme foi filmado com duas câmeras lado a lado, com um negativo editado como um filme sonoro e o outro editado como uma "Versão Sonora Internacional" para distribuição em áreas que não falam inglês.


Um grande número de veteranos do exército alemão estavam vivendo em Los Angeles no momento das filmagens e foram recrutados como jogadores e consultores técnicos. Cerca de 2.000 extras foram utilizados durante a produção. Entre eles estava o futuro diretor Fred Zinnemann (High Noon, From Here to Eternity, A Man for All Seasons, Julia), que foi demitido por falta de pudor.


No entanto, a controvérsia principal do filme iria para outro lugar. Devido às suas mensagens anti-guerra e anti-alemãs, Adolf Hitler e o Partido Nazista se opuseram ao filme. 


Durante e após sua estreia alemã em Berlim, em 4 de dezembro de 1930, camisas marrons nazistas sob o comando de Joseph Goebbels interromperam as visualizações disparando bombas de mau cheiro, jogando pó no ar e soltando ratos brancos nos cinemas, eventualmente escalando para atacar membros da audiência percebidos como judeus e forçando os projetores a fechar. Eles repetidamente gritavam "Judenfilm!" ("Filme judaico!") ao fazer isso.


Goebbels escreveu sobre uma dessas interrupções em seu diário pessoal:


"Em dez minutos, o cinema se assemelha a um hospício. A polícia é impotente. A multidão amargurada descarrega sua raiva sobre os judeus. O primeiro avanço no Ocidente. 'Judeus fora!' "Hitler está de pé aos portões!" A polícia simpatiza conosco. Os judeus são pequenos e feios. A bilheteria do lado de fora está sob cerco. Os painéis de janela estão quebrados. Milhares de pessoas apreciam o espetáculo. A triagem é abandonada, assim como a próxima. Ganhámos. Os jornais estão cheios do nosso protesto. Mas nem mesmo o Berliner Tageblatt se atreve a nos xingamentos. A nação está do nosso lado. Resumindo: vitória!"


A campanha nazista foi bem sucedida e as autoridades alemãs proibiram o filme em 11 de dezembro de 1930. Uma versão fortemente cortada foi brevemente permitida em 1931, antes que os nazistas chegassem ao poder em 1933 e o filme fosse proibido novamente. O filme foi finalmente relançado na Alemanha em 25 de abril de 1952, no Capitol Theatre, em Berlim Ocidental.


Entre 1930 e 1941, este foi um dos muitos filmes a serem proibidos em Victoria, Austrália, com base no "pacifismo", pelo Censor-Chefe Creswell O'Reilly. No entanto, dizia-se que desfrutava de "uma longa e bem-sucedida" corrida em outros estados, embora o livro tenha sido proibido nacionalmente. O filme também foi proibido na Itália e na Áustria em 1931, com a proibição oficialmente levantada apenas na década de 1980, e na França até 1963. 

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