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Cidade de Deus (2002): Entenda por que é o filme brasileiro mais visto no mundo após 20 anos de seu lançamento




Cidade de Deus é um filme de ação de 2002, do diretor Fernando Meirelles e Kátia Lund, inspirado na obra homônima de Paulo Lins, que conta a história dos moradores do antigo conjunto do programa habitacional chamado de Cidade de Deus, financiado pelo governo de Carlos Lacerda para atender a demanda da retirada de moradores de desocupações na área da Zona Sul da cidade. Acompanhamos a história de Buscapé, que tenta sobreviver em meio as adversidades e disputas pelo território da favela, principalmente depois que Zé Pequeno passa a controlar a maior parte da Cidade de Deus



Veja aqui onde assistir "Cidade de Deus" ou link aberto no final desse artigo




O filme começa com uma cena em que todos perseguem uma galinha, com uma montagem ao estilo Eisenstein, muito rápida e dinâmica em seus cortes, na favela chamada Cidade de Deus. Através da figura do narrador Buscapé. Acompanhamos a história do "trio ternura", de Cabeleira, Alicate e Marreco. A repressão policial nos anos de 1960 (ditadura) parece muito mais dura do que nas décadas seguintes, evidenciando a questão da falta de direitos por parte dos moradores. 







O Trio Ternura marca de assaltar um hotel, na época ainda dos anos de 1960. Dadinho, que era criança, foi mandado ficar apenas de vigia durante o roubo do motel, mas ele acabou matando todo mundo. 




Em 1970 a favela se transforma em um conjunto de ruas e vias mais urbanas. Buscapé arruma uns amigos do asfalto, e acaba se apaixonando por Angélica (Alice Braga). 





Depois disso, uma certa paz ocorre na Cidade de Deus com o reinado de Zé Pequeno e Cenoura. Enquanto isso, Buscapé continua querendo uma câmera e perder a virgindade, coisas de jovens comuns, já na época dos anos de 1970. 


A história do livro de Paulo Lins parece ser muito a história de Buscapé, sendo o principal enredo de fundo do filme por demonstrar uma visão de integração e fases da vida ligada a descoberta de uma profissão e de um trabalho. 





História por trás do filme



Cidade de Deus (2002) foi indicado ao todo, para 4 categorias do Oscar, incluindo melhor diretor, melhor adaptação por Montovani, Melhor edição (Daniel Rezende), e melhor fotografia, mas não ganhou.  



Houve até mesmo um documentário City of God, 10 Years Later (Cidade de Deus, 10 anos depois), com entrevista com o elenco e visão de como seria a vida deles. Rubens Sabino da Silva, que interpretou Blackie foi preso por tentar roubar uma mulher em um ônibus em 2003. 



O longa não conseguiu filmar em todas as áreas do morro, utilizando o mesmo modelo de um conjunto habitacional com design parecido, na Nova Sepetiba, condomínio parecido com a Cidade de Deus original, construído em 1999, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Já a direção de fotografia ficou com César Charlone. Fernando Meireilles ganhou o Paulo Lins ganhou de presente, um livro publicado em 1997, já o roteiro foi escrito por Bráulio Mantovani. 





Nos anos de 1960, Carlos Lacerda buscava construir núcleos habitacionais para desocupar locais na Zona Sul do Rio de Janeiro. Os moradores do conjunto habitacional foram removidos anteriormente de seis favelas, Praia do Pinto (Leblon), Parque da Gávea, Ilha das Dragas (Lagoa), Parque do Leblon, Catacumba (Lagoa) e Rocinha. A arquitetura do conjunto tinha o conceito de unidade-quadra, não muito comum para o Rio de Janeiro da época, com dois hectares e 144 casas, o projeto inicial prometia saneamento e serviços básicos de infraestrutura que ficaram só no papel. 


O projeto que foi aprovado 20 e dezembro de 1964, teria obras de terraplanagem previstas em 1965, mas houve uma grande enchente, deixando quase 20 mil desabrigados no município e as obras foram canceladas. Negrão de Lima, o recém-empossado governador autorizou a transferência de famílias desabrigas para as casas inacabadas na Cidade de Deus. 




Crítica do filme


O livro do Santo Agostinho evidenciava uma metáfora perfeita tanto para o livro como para o filme. No livro original, vemos que a Cidade dos Homens estaria fadada ao caos, um conflito eterno entre a Cidade Terrena (Cidade dos Homens). A Cidade de Deus (a nova Jerusalém), por sua vez é marcada pela existência de pessoas que colocam o prazer de lado para dedicarem as verdades eternas de Deus. 


O que Santo Agostinho falava era sobre a dificuldade de implementação das doutrinas cristãs da providência divina junto ao povo comum, ainda muito místico e pagão para aceitar o cristianismo. A doutrina de Santo Agostinho, por sua vez, demonstra uma forma de filosofia da história, onde a Cidade de Deus seria o local final das "boas almas" que acreditam no credo e terão sua purificação, da Cidade dos Homens, essa real e corrupta.  A Cidade de Deus seria a própria igreja na metáfora, e a Cidade dos Homens, a força da política de Roma. 




Seguimos a vida de dois adolescentes da Cidade de Deus, vemos a história de Buscapé (Luis Otávio) que é um jovem que sonha em ser um fotógrafo famoso. O outro é Dadinho (Douglas Firmino), que cresce e vira o Zé Pequeno depois de um batismo espiritual que teve com Zé Pilintra, depois de ter sido ele enquanto criança que atirou e matou todos no motel. 




A primeira cena do filme do churrasco de galinha, quando estão preparando o frango, e uma das galinhas escapa, e o dono do morro grita para Buscapé para ele pegar a galinha, no fim da cena, chega o grupo rival, como também chega a polícia, ilustrando a situação de se correr o bicho pega, se ficar o bicho come, de ficar no meio do fogo cruzado sendo um cidadão comum. 


A cena da galinha é tão empolgante que foi elogiada por Steven Spielberg, que indagou como foi feita a cena. Fernando Meirelles afirma que colocou a câmera na galinha e um sistema com corda onde ele perseguia a galinha com uma cadeira de rodas sendo empurrada. A cena é conhecida no exterior como típica do cinema nacional por empregar o uma gambiarra de maneira natural e que dá um estilo próprio ao filme.



A figura do garoto de 12 anos 'preparado' para matar que o filme ilustra é uma das partes criticáveis do filme, além de excesso de violência em relação as crianças, para talvez ensejar que essa diferença, na fase da vida entre criança e adultos, seja uma barreira bem construída para os ricos e burgueses. 




A vida de Buscapé, nosso herói pacífico que teve seu irmão morto por Zé Pequeno, contrasta em quase tudo com ele. Em uma das cenas, na narração mostra que na sua cabeça, quando foi buscar maconha para sua namorada, Buscapé sabia que tinha sido ele e que se pudesse vingaria o irmão. Mas aí vemos que sua índole não é violenta, por isso ele vai até a boca do Cenoura para buscar e não comprar do homem que matou seu irmão. Buscapé é a galinha do início do filme, presa entre a polícia e o tráfico, lutando para sobreviver no caos.




Zé Pequeno e Bené são dois traficantes e melhores amigos de infância, desde que ele era "Dadinho". A dicotomia entre os dois é literária de tão radical, enquanto Bené era o boa praça, o Mikau, que ajudava a todos e que sempre fazia o discurso do 'deixa disso', Zé Pequeno é uma figura que quer ser o demiurgo da história, mostrado como alguém que imita a mentalidade de grupo de extermínio da antiga polícia dos anos 1960 que chegava matando qualquer um. 




Aqui vemos que Zé Pequeno é Lentz, serve para assustar como "medo urbano", grande bandido procurado e etc... Já Bené é o cara que na sua despedida conseguiu reunir o pessoal do break, do grupo black e o pessoal da igreja, evidenciando que ele é o Mikau, que se apaixona por Angélica, filha de militar que é "paz e amor" e que pede para Bené abandonar o morro, gerando a briga que resulta em sua morte no baile.



Vale ressaltar que esse papel alçou Alice Braga para os filmes americanos, sendo o papel que tornou ela famosa lá fora. Em uma das cenas, uma criança diz "Eu matei, já roubei, sou homem", em um tipo de frase que lembra um dos assuntos do filme, a relação das crianças enquanto crescem em um local que relativiza a violência. 


Colin Kennedy da Empire comparou o filme com Os Bons Companheiros, comentando sobre o carácter de laboratório de técnica e atuação para filmes de ação que o filme possui. 



Já o famoso Roger Ebert afirma que Cidade de Deus flutua com grande energia para contar a história das favelas no Rio de Janeiro, sendo um filme de tirar o ar e que passa certo medo, e que faz você se envolver com os personagens, e anuncia o nascimento de um novo diretor, no caso, Fernando Meirelles, melhor lembrar do nome. 



Já o diretor Robert Altman chamou de "melhor filme que já viu", o que é significativa por Altman ser uma referência para Meirelles. Ivana Bentes, uma acadêmica e crítica de cinema critica o filme por "glorificar a violência" e problemas relacionadas a violência e pobreza, como uma forma de domesticação de temas radicais como produtos de exportação, dizendo que "Cidade de Deus promoveu turismo no inferno", isso citando a questão do turismo na favela. 




Em uma entrevista para a Slant Magazine, Meirelles fala que ele encontrou com Lula que contou para ele o impacto do filme em políticas de segurança pública. Podendo ser uma forma efetiva que criticar o filme, pensando os projetos de pacificação implementados pela esquerda, que buscassem colocar serviços para além dos policiais nas favelas tradicionalmente ocupadas pelo tráfico. 


Uma crítica que pode ser feita é como que o filme casa com os ideais de UPP e favela-bairro. Pensando que serviços nunca vem de graça, colocar a favela no centro pode ser uma forma de colocar o alvo na cabeça do morador, isso quando questionamos por antropologia a forma de domínio e poder natural que nos parece estranha por conta de impressões estéticas. 


O filme serve e para debater, hoje em dia, o que significava esse clima denuncista da imprensa, desde a época da ditadura, mas principalmente nos anos 80 e 90, que narrava de maneira épica a vida de bandidos e a guerra de gangues: as notícias eram geradas pela guerra ou a guerra era gerada pelas notícias? Zé Pequeno posava para foto e por isso Buscapé tinha emprego. Mas e se os traficantes não quiserem tirar a foto, o que vai fotografar o fotógrafo da favela? Pode o jornalista que veio da favela escrever sobre algo que não seja a favela e a disputa entre "bandido e policia" do noticiário diário?


Quando Buscapé não vinga seu irmão da morte de Zé Pequeno, o filme perde esse carácter épico e dramático que se esperava dele para dar razão ao sentimento de estranhamento que uma favela pode possuir em tela. Outro questionamento que fica por fim, é se a pobreza se encontra como lugar de tristeza, ou de potência para sobreviver (como a galinha)? Essa é a pergunta final sobre o objetivo do filme.  



Nesta segunda-feira, 12, o personagem Buscapé ganha um curta-metragem homônimo. O spin-off é fruto de uma parceria da Vivo com a Motorola e idealizada pela VMLY&R. Com produção da O2 Filmes e direção de Fred Luz, o filme de 14 minutos mostra o retorno de Buscapé à Cidade de Deus, agora como fotojornalista profissional, para cobrir um evento na comunidade. Os planos do protagonista — interpretado por Alexandre Rodrigues, mesmo ator do filme original — mudam quando ele se depara com uma descoberta que dá início a uma investigação – conduzida com a ajuda da conexão 5G da Vivo e do novo Motorola Edge 30 Ultra.


Segundo levantamento com base no site americano IMDb, 'Os Intocáveis' é o filme estrangeiro mais visto no mundo, seguido de 'Cidade de Deus'.



Assista o filme aqui:




E assista aqui o curta da Vivo sobre Buscapé 20 anos depois:















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