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A Greve (1925): Filme que recria a greve de 1912 na Rússia czarista é pioneiro na montagem e no uso do audiovisual na comunicação política


O filme recria a greve de 1912 na Rússia, um conflito entre operários e a polícia. Na região fabril durante o governo czarista, a administração está espionando os trabalhadores, revisando uma lista de agentes com codinomes vívidos. Vinhetas são mostradas deles. As condições estão tensas com agitadores e bolcheviques planejando uma greve


Uma trena é roubada no valor de 25 rublos ou 3 semanas de trabalho não remunerado. Um trabalhador, Yakov, é acusado de roubo e, posteriormente, se enforca. A luta segue e o trabalho para. Os operários saem da sala de moagem funcionando e a resistência é encontrada na fundição. Os atacantes atiram pedras e metal solto pelas janelas da fundição. Em seguida, trancada dentro dos portões do complexo, a multidão confronta o escritório. Eles abrem os portões à força e prendem um gerente que o carrega em um carrinho de mão e os joga colina abaixo na água. A multidão se dispersa.


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O capítulo começa com filmagens de patinhos, gatinhos, leitões e gansos. Uma criança então acorda seu pai para trabalhar ironicamente, sem trabalho para fazer, eles riem e brincam. A fábrica é mostrada vazia e ainda com pássaros se movendo. As crianças representam o que seus pais fizeram, carregando uma cabra em uma turba. O proprietário fica frustrado com os pedidos que chegam e a planta congelada. As demandas são formuladas: uma jornada de trabalho de 8 horas, tratamento justo por parte da administração, aumentos salariais de 30% e uma jornada de trabalho de 6 horas para menores. Os acionistas se envolvem com o diretor e leem as demandas. Eles discutem com desdém enquanto fumam charutos e bebem. Presumivelmente por ordem dos acionistas, a polícia faz uma batida nos trabalhadores e eles se sentam para protestar. Em sua reunião, os acionistas usam a carta de demanda como um pano para limpar um derramamento, e um espremedor de limão metaforicamente representa a pressão que os acionistas pretendem aplicar aos grevistas.


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São mostradas cenas de uma fila se formando em uma loja que está fechada e um bebê precisando de comida. Uma briga ocorre em uma casa entre um homem e uma mulher, posteriormente ela sai. Outro homem vasculha sua casa em busca de produtos para vender em um mercado de pulgas, deixando sua família chateada.  Uma carta postada mostra publicamente a rejeição dos administradores às demandas. Usando uma câmera escondida em um relógio de bolso, um espião chamado "Coruja" fotografa alguém roubando a carta. As fotos são transferidas para outro espião. O homem é espancado, capturado e espancado novamente. 


A cena começa com gatos mortos pendurados em uma estrutura. Um personagem é apresentado, "Rei", cujo trono é feito de um automóvel abandonado em meio ao lixo, e que lidera uma comunidade que vive em enormes barris enterrados com apenas suas aberturas superiores acima do solo. Depois de um acordo com um agente da polícia czarista, "King" contrata alguns provocadores de sua comunidade para atear fogo, arrasar e saquear uma loja de bebidas. Uma multidão se aglomera perto do fogo e o alarme soa. A multidão sai para evitar ser provocada, mas é atacada pelos bombeiros com suas mangueiras de qualquer maneira. 


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O governador envia o exército. Uma criança caminha sob os cavalos dos soldados e sua mãe vai buscá-la e é atingida. Os tumultos começam, e a multidão é expulsa por uma série de portões e barreiras em direção à forja e, em seguida, aos seus apartamentos. A multidão é perseguida e açoitada nas varandas. Um policial mata uma criança pequena. Os trabalhadores são conduzidos a um campo pelo exército e fuzilados em massa. Isso é mostrado com imagens alternadas do abate de uma vaca.


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A história da produção do filme


Sergei Mikhailovich Eisenstein (nascido em 22 de janeiro de 1898, Riga, Letônia, Império Russo - morreu em 11 de fevereiro de 1948, Moscou, Rússia, URSS), foi diretor de cinema russo e teórico cujo trabalho inclui os três clássicos do cinema Battleship Potemkin (1925), Alexander Nevsky (1938) e Ivan, o Terrível (lançado em duas partes, 1944 e 1958). Em seu conceito de montagem, onde imagens independentes da ação “principal”, são apresentadas para o máximo impacto psicológico.


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Eisenstein, que era descendente de judeus por meio de seus avós paternos, morou em Riga, onde seu pai, Mikhail, engenheiro civil, trabalhou na construção naval até 1910, quando a família se mudou para São Petersburgo. Depois de estudar em 1916-1918 no Instituto de Engenharia Civil, Eisenstein decidiu seguir carreira nas artes plásticas e ingressou na Escola de Belas Artes.


Com a eclosão da Revolução Russa de 1917, ele se alistou no Exército Vermelho e ajudou a organizar e construir defesas e a produzir entretenimento para as tropas. Tendo já encontrado a sua vocação, entra, em 1920, no Proletkult Theatre (Teatro do Povo) em Moscou como assistente de decoração. Ele rapidamente se tornou o decorador principal e depois o codiretor. Como tal, desenhou os figurinos e o cenário para várias produções notáveis. Ao mesmo tempo, desenvolveu um grande interesse pelo teatro Kabuki do Japão, o que influenciou suas ideias no cinema. 


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Para a produção de O Sábio, uma adaptação da peça de Aleksandr Ostrovsky, ele fez o curta-metragem Dnevnik Glumova ("Diário de Glumov"), que foi exibido como parte da performance em 1923. Logo depois o cinema começou atenção, e ele produziu seu primeiro filme, Stachka (Strike), em 1925, após ter publicado seu primeiro artigo sobre teorias da edição na revista Lef, editada pelo grande poeta Vladimir Mayakovsky. Ele disse ali que no lugar do reflexo estático de um evento, expresso por um desdobramento lógico da ação, ele propôs uma nova forma: a “montagem de atrações”, na qual imagens escolhidas arbitrariamente, independentes da ação, seriam apresentadas. não em sequência cronológica, mas de qualquer maneira que criaria o máximo impacto psicológico. Assim, o cineasta deve ter como objetivo estabelecer na consciência dos espectadores os elementos que os levariam à ideia que deseja comunicar; para Eisenstein o cinema deve tentar colocá-los no estado espiritual ou na situação psicológica que daria origem a essa ideia.


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Orientado pelos princípios socialistas de conscientizar o povo, ele queria fazer um filme que fosse motivacional e mostrasse de maneira real e quase documental, a vida dos trabalhadores na russa pré-revolucionária. Assim que surgiu A Greve, que narra a repressão a uma greve dos soldados do czar, Eisenstein justapôs tiros de trabalhadores sendo ceifados por metralhadoras com tiros de gado sendo abatido em um matadouro. O efeito foi impressionante, mas a realidade objetiva foi falsificada, adulterada, em prol de um sentimento que o diretor queria passar.


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Leitura do filme


A primeira característica diferenciada do filme é não haver um protagonista único e sim coletivo: os trabalhadores da fábrica. Esse fato faz com que a estrutura narrativa se dê em torno de construir uma ideia e constante sensação de coletivo. Por sua vez, os movimentos de câmera, com planos abertos, e a montagem devem acompanhar esse ritmo. Podemos considerar então, baseando-me nas próprias ideias de Eisenstein, que A Greve possui uma montagem estrutural, buscando se confundir com a realidade e utilizando de direcionamentos visuais para mostrar a hierarquia dentro da fábrica. 


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É interessante como para contar uma história, Eisenstein sempre constrói uma linguagem específica na montagem, montando um sistema de valor inerente a história. Se queremos representar o nível do esforço ou vontade dos trabalhadores, montamos a imagem deles seguida de imagens de engrenagens de uma máquina funcionando a todo vapor. Se queremos passar a sensação de medo e violência, mostramos um rosto de medo e depois uma arma. Esse tipo de construção de valor estabelece uma relação psicológica e pedagógica do olhar entre os quadros. Em outras palavras, seus filmes ensinam quase a como ler os filmes: nos mostram a linguagem rudimentar de montagem e sensação de valor e movimento que permanece até hoje no filme mais genérico de ação.


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Há também um valor em representar certos cargos sociais através de trejeitos. Por exemplo, quem usa chapéu é superior na hierarquia, e se vamos representar ricos aristocratas, eles devem estar vestidos formalmente e fumando charutos. Para representar os "pelegos", espiões da fábrica, ele os demonstra com codinomes de animais, representando suas éticas. Essa montagem interna, ou seja dos fatores dentro de cena compondo e gerando valores, como uma forma de influência do teatro e uma adesão interessante a linguagem do cinema, que parece natural mas nem sempre esteve lá. Na época, a teatralidade, os valores sociológicos nas formas de representar dinâmicas da sociedades, e a montagem extremamente moderna e violenta e a temática ultra atual, fazem de A Greve um filme ultramoderno.  


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Entretanto um fator sempre me intrigou de Encoraçado Pomtenkim e A Greve: o fator histórico. Se seguirmos o preceito de entender o cinema como fonte histórica, é interessante notar que apesar de abordar um período anterior ao regime socialista, seu filme reflete a forma de produzir filmes na União Soviética da época. 


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Então, ao assistirmos um filme mostrando como os trabalhadores se organizam e utilizam a greve como forma de se mobilizar contra o governo, o quê impede da mesma estratégia e realidade ser utilizada contra o regime soviético? 


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Entendendo as origens de Eisenstein e suas escolhas, fica claro que para ele um regime, socialista ou monarquista, não poderia reprimir uma greve por vias autoritárias e moralistas, baseados em pontos de vistas patrimonialistas. Isso fica claro na forma violenta que a greve é reprimida no filme. Há também uma forte crítica ao lumpemproletariado, que ocasionalmente se junta aos trabalhadores contra os patrões, mas rapidamente rompem e traem os trabalhadores.


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Por outro lado, Eisenstein inseriu uma crítica ao extremismo do movimento, ao mostrar que enquanto estavam todos fazendo greve, em casa com suas famílias, tudo deu certo. Até o último movimento, que poderia ser evitado, e que resulta na morte de um filho de operário por um soldado. Aqui há uma defesa fortíssima da greve como forma de reinvindicação, Essa cena, por um lado mostra a crueza do militarismo e autoritarismo da era da Rússia tzarista, sem nenhuma empatia ou senso de nacionalidade. Por outro, mostra que a ideologia pode ser um abismo, e nada de fato é obrigatório e nem garantido. 




Ao mesmo tempo, A Greve marca o início do uso do cinema como forma de conscientização: qualquer trabalhador que assistisse ao filme, já saberia como reivindicar junto ao regime socialista. Mas se o regime oprimisse os trabalhadores, então simplesmente ele não seria socialista. Essa genialidade da compreensão social, somada ao poder do convencimento e simbologia da montagem, formaram a mentalidade e moldaram o olhar cinematográfico do século XX e XXI. Um frame seguido de outro e pronto! Está feita a arte máxima do cinema ao significar, ensejar e representar, elevando o cinema ao patamar máximo de seu uso político. Nasce o uso do audiovisual na comunicação e marketing político, algo que até hoje é irreversível. 



O filme, como todos da antiga URSS, estão em domínio público, estando disponíveis ate mesmo no Youtube.









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