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O Cavalo de Ferro (The Iron Horse, 1924): A construção da Primeira Ferrovia Transcontinental e a "Marcha para o Oeste" dos Estados Unidos são temas de épico histórico de John Ford



O filme é sobre a construção da primeira ferrovia transcontinental americana. Retrata imigrantes irlandeses, italianos e chineses, bem como afro-americanos, como os homens que fizeram o trabalho inquebrável que tornou esse feito possível. O vilão principal é um empresário inescrupuloso, que se disfarça de um índio Cheyenne renegado. Além disso, as tribos locais tentam impedir o avanço da estrada de ferro em seus territórios 


Assista o filme completo, legendado, em link no final deste artigo


Culmina com a cena da condução do pico de ouro no Promontory Summit em 10 de maio de 1869. Há uma nota no título antes desta cena que as duas locomotivas originais do evento de 1869 são usadas no filme, embora isso seja falso - ambos os motores (Union Pacific No. 119 e Júpiter) foram sucateados antes de 1910. As principais estrelas foram George O'Brien e Madge Bellamy.


Crítica do filme 


"O Cavalo de Ferro" não é um filme apenas, é um documento histórico. O filme é simplesmente épico ao reconstruir e retratar uma época que não existia câmeras para registrar nada. Assim, o filme faz um trabalho histórico de reconstrução do que foi a implementação da malha ferroviária nos Estados Unidos. 


É interessante que o filme não se furte das perspectivas políticas e históricas da implementação das primeiras linhas de trem. Por exemplo, é mostrando o interesse de Abraham Lincoln no projeto, sendo o próprio presidente responsável pelo fim da escravidão nos EUA um importante interessado nas linhas férreas. 



A colonização dos Estados Unidos da América aconteceu pela costa leste, margeada pelo Oceano Atlântico, e que dessa colonização inicial resultou a formação das Treze Colônias. Ao longo dos séculos que se seguiram ao desenvolvimento das Treze Colônias, as diferenças e peculiaridades entre as colônias do Sul e do Norte foram tornando-se patentes. Com a Independência, vinda das batalhas travadas entre 1775 e 1783, o Norte e o Sul dos EUA puderam desenvolver, cada um, o projeto econômico que mais pudesse lhes dar lastro financeiro.


O Norte, influenciado pelos ideais iluministas e liberais de pequena propriedade, do trabalho livre e assalariado e do desenvolvimento industrial, chocou-se com os projetos do Sul, que, ao contrário, prezava pela grande propriedade monocultora (a “plantation”) e pelo uso da mão de obra escrava. Os dois modelos conflitivos de civilização geraram a Guerra de Secessão, que durou de 1861 a 1865. Em meio a essa guerra, os representantes do Norte, liderados pelo então presidente Abraham Lincoln, fomentaram a chamada “Marcha para o Oeste” como forma de deslocar a população para regiões do país ainda não ocupadas e, sob o modelo da pequena propriedade, desmontarem o projeto da “grande propriedade”, fomentado pelo Sul.



A marcha para o Oeste tornou-se um fenômeno intenso entre as décadas de 1860 e 1890. A facilitação da aquisição de propriedades no Oeste, proporcionada pela Lei de Terras, ou Lei do Homestead, de 1862.


A Lei Homestead disponibilizou milhões de acres de terras controladas pelo governo para compra a baixo custo, algo melhor retratado em Shane. A Lei das Faculdades Morrill Land-Grant de 1862 forneceu subsídios governamentais para faculdades agrícolas em cada estado. 


O fato é que o então “far west”, o Oeste longínquo, passou a ficar mais próximo dos cidadãos americanos na segunda metade do século XIX. A migração para o Oeste também povoou o imaginário das pessoas. 



Ferrovias surgiram para fortalecer o transporte intermodal hidrovia-ferrovia, principalmente no sul do pais, onde a crescente produção agrícola precisava ser escoada com cada vez mais rapidez. Os Atos Ferroviários do Pacífico de 1862 e 1864 concederam apoio federal para a construção da Primeira Ferrovia Transcontinental dos Estados Unidos, retratada no filme e concluída em 1869. A aprovação da Lei de Homestead e dos Atos Ferroviários do Pacífico foi possibilitada pela ausência de deputados e senadores sulistas que se opuseram às medidas na década de 1850.


A ferrovia abriu para o tráfego entre Sacramento e Omaha em 10 de maio de 1869, quando o presidente da CPRR Leland Stanford cerimonialmente bateu o ouro "Último Pico" (mais tarde conhecido como o "Pico de Ouro") com um martelo de prata na Cúpula Promontory. Nos seis meses seguintes, a última etapa de Sacramento para a Baía de São Francisco foi concluída. 



A conexão ferroviária costa-a-costa revolucionou o assentamento e a economia do Oeste Americano. Ele colocou os estados e territórios ocidentais em alinhamento com os estados da União do Norte e tornou o transporte de passageiros e mercadorias costa a costa consideravelmente mais rápido, seguro e menos caro, diminuindo distâncias de maneira drástica.


Além disso, por onde a linha do trem passava se trazia os negócios, o dinheiro, já que isso significava que produtos poderiam ser rapidamente escoados. Isso gerou, como é mostrado no filme, uma especulação imobiliária, aumentando o preço das terras, ao mesmo tempo que formava cidades no meio do nada. 



Com a ida de trabalhadores para o Oeste para construir as linhas, obviamente outros negócios giravam ao redor. Por exemplo, os trabalhadores precisavam comer, e assim caçadores começaram a pegar búfalos para servir de alimentação para a população, mostrando assim a épica figura de Bufallo Bill, demonstrando que era todo uma economia que era movimentada.



Ouve também uma certa mudança nos costumes gerada pela ferrovia. Isso é mostrado na cena onde vemos uma mulher pedir para divorciar do marido apenas algumas horas depois de casar. A ideia aqui é que com o trem alterou-se a percepção do tempo, e assim se um casamento já começa dando errado é melhor separar, diferente da visão do passado de que as coisas "se assentavam" e as pessoas se acostumavam. Assim, vemos o divorcio com uma ideia do velho oeste, algo nunca explorado por nenhum outro diretor ou filme.



Entre os figurantes usados nas sequências do Pacífico Central estavam vários chineses jogando coolies que trabalhavam na ferrovia. Eles eram, na verdade, funcionários aposentados da Ferrovia Central do Pacífico que ajudaram a construir a primeira ferrovia transcontinental através das Serras, que saíram para participar das filmagens como uma brincadeira. O uso de pessoas chinesas para construir ferrovias foi muito comum, inclusive no Brasil.


Foi com certeza um projeto muito avançado e que permitiu um grande progresso tecnológico e civilizacional aos Estados Unidos. Entretanto, como a ferrovia passava pelo "Oeste selvagem", obviamente os índios se desagradaram com o projeto.



Aconteceram guerras sangrentas com os índios que ocupavam algumas das regiões. Formou-se um universo que girava em torno da linha férrea e as diligências. Formou-se as figuras dos cowboys, do sheriff, dos bandidos e sequestradores, dos prostíbulos e muitas outras, além das paisagens desérticas, típicas do Oeste americano.



Como é mostrado no filme, eles sentiram que os brancos estavam invadindo seu território. Assim, de maneira inocente tentavam impedir o avanço dos trilhos. Daí o nome do filme, cavalo de ferro, pois era assim que os índios viam o trem, como um cavalo de ferro. 


A retração dos índios é um pouco ignóbil, já que assim os índios se colocavam, como os sulistas, contra o progresso. Algumas vezes, são mostrados no filme como uma perigosa ameaça, ao mesmo tempo que em outro momento colocam uma corda para tentar impedir o trem, algo ingênuo. Entretanto, não tão mal representados como em outros faroestes, apenas como ingênuos ao tentar impedir algo fatídico, ao mesmo tempo que demonstra que eles possuem razão pela invasão do território. 


Ao mesmo tempo que coloca todo esse contexto histórico de uma maneira muito formal na linguagem, com uma montagem e edição muito intelectual; John Ford coloca um plot sentimental e romântico para esclarecer de maneira psicológica a trama. 


Acontece que o jovem rapaz, que é o cowboy e mocinho da trama, teve seu pai morto durante um ataque indígena, onde o assassino era um índio de pele branca. Essa questão vai ser explorada de novo em Rastros de Ódio, mas bem basicamente significa que quando o índio é mau de verdade ele é branco como o homem branco. 



Apesar desse aspecto ele não guardou rancor dos índios. Ele se apaixona por uma mocinha, sua amiga de infância, trazida para a região pela linha férrea e afastada dele por seu pai, que tinha o sonho de construir a ferrovia. O problema é que ela é prometida para outro homem, um empresário ligado aos trens. É bem fácil de entender a metáfora aqui: A moça representa a América, divida entre o progresso e civilização, mas por outro lado, apaixonada pelo cowboy e pelo estilo "old school" da cultura faroeste.



No final, ao eles ficarem juntos, representa a união da "velha América", o Oeste, com a "nova América", das treze colônias. Assim, apesar de Ford ver certo problema na postura dos empresários da ferrovia, e mostrar que os índios estavam tendo seu território invadido, o filme representa a implementação da ferrovia de maneira épica, nacionalista, como um orgulho nacional que permitiu as pessoas se encontrarem e realizarem a união da nação, representada pelo romance. Tanto que no final, mesmo o cowboy está de terno e comemorando a inauguração da ferrovia, primeiro por ser o sonho do seu pai, por outro por ter o unido a sua amada. 



De maneira épica mas ao mesmo tempo nacionalista, Ford nos conta simplesmente a trama mais original de todas: aquela que formou tudo aquilo que conhecemos como o faroeste, sua estética e costumes. Os trens, que no filme são locomotivas originais mostradas por Ford, mas também a disputa com os índios, o duelo, o romance e os conflitos. Tudo está ali, de maneira originária, sendo exibida com uma fotografia fantástica, roupas, objetos e materiais que parece da época, trazendo um tom de realismo histórico fantástico, nos permitindo ver o que não podia ser testemunhado em sua época a não ser pelo olho nu de quem lá estava. Claro, há exageros, uma visão um pouco maniqueísta entre bons e maus, e um certo nacionalista romântico exagerado. Mas combina com o tom do filme, apresentando-nos uma histórica tão original e fundamental para a compreensão da América, que nos sentimos extremamente provocados e instigados pelo estudo da História. Mas que recomendável, o filme é obrigatório para os fãs de faroeste e, claro, de História da América. 



Assista o filme completo aqui: 

















Comentários

  1. A conquista do Oeste Norte Americano foi com sacrifício, batalhas sangrentas entre brancos e índios que, depois de um tempo,

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  2. Batalhas sangrentas que valeram a pena. Os EUA se tornaram civilizados de leste a oeste, do Atlântico ao Pacífico, propiciando Bom desenvolvimento do progresso.

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