Pular para o conteúdo principal

No (2012): O Plebiscito nacional do Chile de 1988 que derrubou Pinochet. Eleições, marketing, comunicação política e como campanhas podem ter suas agendas sequestrada





Após quinze anos de ditadura militar e enfrentando uma pressão internacional considerável, os militares do Chile abrem o plebiscito nacional de 1988. A ideia era manter o general Augusto Pinochet no poder por mais oito anos, só que com voto popular, através do voto "Sim". Porém, se perder o regime deve abrir eleiçõesRené Saavedra, um publicitário de sucesso, é abordado pelo lado do "Não". Pelas costas de seu chefe conservador, Saavedra concorda em participar. Entusiasmado com o desafio de marketing e seu próprio ódio pela tirania de Pinochet, ele propõe ao comitê de publicidade que eles tomem uma abordagem promocional leve e otimista enfatizando conceitos abstratos como "alegria" para desafiar preocupações com os militares


Veja aqui onde assistir "No" 



Embora a estratégia de marketing pouco ortodoxa seja rejeitado por alguns membros do "Não" como uma destituição fácil dos terríveis abusos do regime, a proposta é aprovada para a campanha. 


Saavedra, seu filho e seus companheiros são eventualmente alvos e intimidados pelas autoridades. O chefe de Saavedra, Lucho, descobre sobre as atividades de seu funcionário, mas quando Saavedra recusa uma oferta para se tornar sócio se ele se retirar, Lucho vai liderar a campanha do "Sim" como uma questão de sobrevivência.





Crítica do filme


A campanha histórica ocorreu em 27 noites de propagandas televisivas, nas quais cada lado tinha 15 minutos por noite para apresentar seu ponto de vista. Durante esse mês, a campanha "Não", criada pela maioria da comunidade artística chilena, mostrou-se eficaz com uma série de apresentações divertidas e perspicazes que tiveram um apelo irresistível entre as demografias. Em contrapartida, a publicidade da campanha "Sim", com apenas dados econômicos positivos secos a seu favor e poucos funcionários criativos de plantão, foi ridicularizada até mesmo por funcionários do governo.


A ditadura militar chilena foi um governo militar autoritário que governou o Chile entre 1973 e 1990. A ditadura foi estabelecida depois que o governo democraticamente eleito de Salvador Allende foi derrubado por um golpe de Estado apoiado pela CIA no dia 11 de setembro de 1973. A ditadura foi liderada por uma junta militar presidida pelo general Augusto Pinochet. O colapso da democracia e a crise econômica ocorrida durante a presidência de Allende foram justificativas usadas pelos militares para tomar o poder. A ditadura apresentou sua missão como uma "reconstrução nacional".


O regime foi caracterizado pela supressão sistemática de partidos políticos e pela perseguição de dissidentes a uma extensão que era sem precedente na história de Chile. Ao todo, o regime deixou mais de 3 mil mortos ou desaparecidos, torturou milhares de prisioneiros e forçou 200 mil chilenos ao exílio.


Curiosamente, o atual ministro da economia do Brasil, Paulo Guedes, trabalhou ao longo dos anos 80, época retratada no filme, para o ditador Pinochet. Porém, segundo Guedes, ele estava lá só por dinheiro, dizendo que: “Eu tava era dando aula de economia em tempo integral e fazendo meus papers [pesquisas acadêmicas] lá”.


A Constituição Política de 1980 estabeleceu um período transitório, que se estendia desde sua entrada em vigência, em 11 de março de 1981, até o fim do mandato presidencial de Augusto Pinochet de oito anos, estabelecido nominalmente por ele mesmo (em sua 14ª disposição transitória). 


De acordo com o texto constitucional, pelo menos noventa dias antes da data em que ele deveria deixar o cargo, isto é, em 11 de março de 1989, os comandantes-chefes das Forças Armadas e o diretor geral dos Carabineiros, ou, faltando unanimidade dos mesmos, o Conselho de Segurança Nacional também integrado pelo Controlador Geral da República, deveria propor ao país uma pessoa para ocupar o cargo de Presidente da República para o mandato seguinte, sujeito à ratificação da cidadania através de um plebiscito (27ª disposição transitória).


Os efeitos do resultado do plebiscito seriam os seguintes:


Se ganhasse a opção "Sim", ou seja, o candidato proposto fosse aprovado, o presidente assim eleito tomaria posse em 11 de março de 1989, no mesmo dia em que o anterior deixaria o cargo, e por um período de oito anos (até 11 de março de 1997), entrando em vigor as regras permanentes da Constituição, exceto a seguinte: nove meses depois, seriam realizadas eleições gerais de senadores e deputados e, enquanto isso, a Junta de Governo continuaria a exercer a função legislativa, até a instalação do Congresso Nacional. Isso aconteceria três meses após a convocação das eleições parlamentares.


Se vencesse a opção "Não", isto é, o candidato proposto não fosse aprovado, o mandato presidencial de Augusto Pinochet seria prorrogado por mais um ano, até 11 de março de 1990, assim como as funções da Junta de Governo, e quando esse período expirasse, as normas permanentes da Constituição estariam em pleno vigor. Para esses propósitos, noventa dias antes do término da prorrogação do mandato presidencial, seria necessário convocar a eleição do Presidente da República e dos parlamentares.


Aqui acontece um dos exemplos de quando a História dá spoiler do que acontece no filme, afinal sabemos que o "Não" ganhou. Então, esse é um filme que importa menos o que vai acontecer, do que como vai acontecer. Essa é inclusive a falha do filme, ser sobre algo óbvio deste o título. Mas se você não conhece a história do plesbicito do Chile, é uma boa forma e oportunidade de conhecer. 


Assim, vamos a análise fílmica propriamente dita. A grande questão do filme é nos mostrar uma inversão histórica que se manifesta até hoje nas campanhas políticas. A esquerda, após vir de uma ditadura, estava vilipendiada, focada em denunciar os crimes da ditadura. Enquanto a direita militar podia vender uma mensagem positiva, afinal estavam no poder. 



Nesse passo, a esquerda foi obrigada a aprender a falar uma linguagem mais "pop", que apetecesse a imagem da esquerda e não a deixasse com medo. Isso foi um movimento que aconteceu também no Brasil no processo de redemocratização depois da ditadura, e, mais recentemente, nos Estados Unidos. 



No filme, o personagem de Gael é um publicitário que já tinha feito campanhas de marketing para a Coca Cola e outras marcas. Várias campanhas de marketing, a partir dos anos 80, passaram a utilizar da linguagem do protesto e da esquerda para vender produtos. Jeans, refrigerantes, chicletes e outros doces como chocolates, lojas de eletrodomésticos e etc; venderam a imagem do progressismo para que as pessoas se sentisse bem, inclusas e consumissem mais. Detalhe para a marca de refrigerante que no filme serve de portfólio do publicitário: "Free", que no português significa "livre" ou "liberdade", nome muito simbólico para representar a ideologia de tal marketing.



O que o filme tenta elaborar foi o processo contrário, porém dentro da mesma proposta: O marketing desses produtos sendo utilizado para uma campanha política a favor da democracia. 


O personagem de Gael tem problemas de relacionamento com sua esposa, pois ela diferente dele não se contenta com o marketing e o discurso e tenta de fato mudar o sistema, fazendo militância de rua e sendo presa. A vida pessoal do marqueteiro se mistura de tal maneira com o plesbicito, obrigando seu posicionamento e atingindo sua vida pessoal para sempre. 


 


Apesar de bom no que faz, o personagem de Gael é muito bobão, infantil. Sua criatividade provém de sua própria rotina, seus costumes liberais e falta de seriedade. Como era uma ditadura, seu comportamento era contra o regime, mas em uma democracia ele era só mais um. Então é como se ele estivesse vendendo seu estilo de vida de classe média alta para a população em geral. 


A técnica implica ainda em usar a rotina dos meios e das pessoas para criar familiaridade. Assim, o marketing da campanha do "Não" começa um apresentador como se estivesse em uma bancada de jornal, emulando mecanismos da linguagem jornalística. Essa técnica foi descrita por Tuchman no final dos anos 70, refletindo sobre a apropriação de rotinas dos jornalistas pelo público. No Brasil, na eleição de 1989, feita por Paulo Tarso, o PT utilizou das mesma técnicas, porém sem êxito. O que aconteceu? Talvez a ideia de consumo e cultura pop não cole tanto na cultura da esquerda brasileira, uma vez que aqui existe a direita liberal, na época cabeçada por Collor, vencedor daquela eleição. Ou seja, a campanha do "No" no Brasil foi feita com sucesso por Collor, um direitista. 



O diretor Pablo Larrain tenta estabelecer aqui uma técnica meio "cidadãos e consumidores" de contar a História. Essa é uma ideia do autor argentino Nestor Garcia Canclini. Canclini faz uma análise da nova organização da sociedade e aponta o consumo como fator de construção de uma marca de pertencimento. Ao consumir bens materiais ou simbólicos, mais do que ser enquadrados como vorazes consumidores de superficialidades e objetos de manipulação da economia capitalista, os consumidores estariam tecendo as malhas do tecido social a que pertencem ou desejam pertencer, criando sua identidade.



Nos grupos de jovens, eles se vestem de forma parecida, usam as mesmas marcas, falam as mesmas gírias e se comportam quase que da mesma forma. E não precisa ser de uma tribo específica, como, por exemplo, os roqueiros; os jovens estão em busca de sua identidade, delimitando seus territórios, estabelecendo suas regras de participação neste ou naquele grupo.


Canclini fala que o consumidor assume-se como cidadão, apropriando-se coletivamente dos bens materiais e simbólicos, construindo pactos de leitura e desenvolvendo o papel regulador do consumo em comunidade como forma de pertencimento.


Assim, a linguagem do filme tenta, como metáfora do próprio processo político que retrata, combinar esse ideal progressista do consumismo com o socialismo de esquerda latino americano. Logo, o ponto é esquecer seus problemas e focar em uma estratégia de desenvolvimento e resolução prática de problemas. Isso invade a estética do filme que tenta colocar um ar de propaganda e de história do marketing televisivo. 


Visualmente, o filme é bem vistoso e inovador, criativo. De certa forma, entramos na perspectiva do filme de positividade, substituindo os princípios e ideias defendidos, para aquilo que é possível mostrar e exibir em imagens e audiovisual da ideia e do sentimento que se busca com aquela mudança política. 


O problema é que ao longo do tempo, o quanto a imagem positiva não pode ser utilizada como forma de apagamento dos princípios sociais de esquerda, em troca de uma venda do progresso. Por exemplo, nos tempos atuais, após 2016, Trump e Bolsonaro foram eleitos com o marketing eleitoral positivos, ao estilo do "No", onde a venda de uma resolução populista e mágica de todos os problemas suplantava a prática das possibilidades políticas reais de solução da crise.


Canclini analisa as consequências da crescente participação através do consumo para a cidadania. A organização individualista dos consumos tende a separar-nos, como cidadãos, da desigualdade e da solidariedade coletiva. 


Muito pouco tem sido feito no sentido de analisar as práticas de consumo como uma forma de criação de redes de intercâmbio de informação e de aprendizagem do exercício da cidadania as mudanças na maneira de consumir alteraram as possibilidades e as formas de exercer a cidadania. Ou seja, alguns preferem ser consumidores do que cidadãos. Isso explica Trump, isso explica Bolsonaro.


Em outras palavras, criar uma solução metódica, com linguagem de televisão e tudo mais, só significou a venda da própria televisão e outros objetos de consumo em primeiro momento, mas em segundo momento significou que todos seriam reféns de linguagens de televisão rígidas e hoje já envelhecidas de tão reproduzidas e reificadas. Ganhar com a televisão, significou a vitória da televisão e não da esquerda. Tanto que hoje essa linguagem é utilizada pelos conservadores. 



O filme e a perspectiva de Pablo Larrain pega em um ponto crucial do debate político, do marketing e da comunicação política: Não estaria a esquerda se vendendo em estratégicas de comunicação que sempre vão envelhecer no momento seguinte, não focando em pautas sociais? Como filho de conservadores mas apoiador de Bachelet, o diretor tenta criticar o pacto conservador da esquerda, que aceita o esquecimento e a neutralidade através do mito do profissionalismo, perdendo as rédeas em segundo momento. De maneira leve, isso é ensejado na cena onde, no final do filme, Gael vê a comemoração do No nas ruas, com promoções de televisão nas lojas buscando estimular as vendas com a comemoração. 



Por um lado, é positivo ter as coisas e ver as pessoas tendo acesso. Por outro lado, é assustador como esse ideal pode ser mobilizado por políticas conservadores e da direita para terem poder. Logo, você pode ver pessoas populares defendendo conservadores para manterem seus bens de consumo e seu acesso financeiro. Assim, o filme explora um lado obscuro da linguagem política, que é reificar mais os meios que a própria mensagem. E nos meios do Chile de então, tinha repórter de televisão que recebia o general ditador com dois beijos no rosto, uma intimidade assustadora que nem no Brasil nunca aconteceu.



Criticaria o filme apenas por beber e estimular a própria linguagem que quer refletir em termos de legado. O diretor sabe e deixa claro que há problemas naquele modelo, evidenciado principalmente no filme no péssimo relacionamento do publicitário interpretado por Gael com sua esposa, que é mais de esquerda que ele e o considera colaborador com a mensagem do regime. Entretanto, o filme mostra isso como lindo, maravilhoso e esteticamente provocante. 



O filme parece utilizar de algumas técnicas do Dogma 95, buscando emular uma produção de baixo orçamento. Até a câmera utilizada parece de menor qualidade, tipo câmera de celular ou de televisão dos anos 90. A fotografia e o estilo visual do filme são muito vistos e criativos por isso. Entretanto, ficando com um direcionamento fraco, já que o próprio filme parece apenas um clipe, um display ou videoclipe, que ilustra e passa pelo movimento do plesbicito, mas tão pouco vai além na crítica e estabelece os ditames exato de sua crítica e comparação. 


O filme é muito bom para quem gosta da temática do marketing, das campanhas políticas e do uso dos meios comunicações tradicionais, principalmente a televisão, para fazer campanha. Mas pode soar um pouco prosaico, denso, diria até acadêmico, com um ponto final que pode desagradar a muitos pelo seu climax pouco decisivo entre concordar ou criticar a forma do processo político. Entretanto, para quem gosta de política, História, marketing e publicidade eleitoral, é um prato cheio, que com certeza serve para ilustrar o melhor o processo político em questão, suas contradições e legado para a política democrática eleitoral. 





Comentários

Em Alta no Momento:

Os Desajustados (The Misfits, 1961): Um faroeste com Marilyn Monroe e Clark Gable sobre imperfeição da obra do artista e o fim fantasmagórico da Era de Ouro do Cinema Americano

Rastros de Ódio (The Searchers, 1956): Clássico de John Ford é o maior faroeste de todos os tempos e eu posso provar

"1883" (2021): Análise e curiosidades da série histórica de western da Paramount

Um Morto Muito Louco (1989): O problema de querer sempre "se dar bem" em uma crítica feroz à meritocracia e ao individualismo no mundo do trabalho



Curta nossa página: