Pular para o conteúdo principal

Breaking Bad - "Gray Matter" (1x05): O episódio onde White dá miojo a ex-sócio milionário e Jesse vai na entrevista de emprego



O episódio começa diferente: com Jesse tentando arrumar um emprego. Ele está em uma concessionária tentando o cargo de vendedor. Após a sua apresentação, bem ambiciosa e boa por sinal, o cara da loja afirma que para ser vendedor é preciso experiência de 2 anos e graduação completa (para vender carros!). Um absurdo mas que representa bem o mundo de hoje. Ele sai de lá puto, pois o homem quer o oferecer um emprego de segurador de placa, que usa uma fantasia de dinheiro ainda por cima, bem vexatório mesmo. Na saída ele percebe que o cara fantasiado é seu antigo amigo de escola, Badger. 



Breaking Bad está disponível na Netflix e sendo exibida semanalmente pela Band na televisão, domingos, às 22:30h

Veja aqui a análise do episódio anterior, "Cancer Man" (1x04)


Crítica do episódio


Eles vão fumar um baseado no beco e trocar uma ideia. Badger fala que aquilo é só temporário e que ele está querendo montar um negócio: drogas. Ficamos sabendo que Badger só conseguiu aquele emprego por "transação penal": ele foi preso e obrigado a trabalhar ali. Ou seja, para ter emprego tem que ser preso. Que sociedade é essa? Entretanto, é bem engraçado e metafórico Jesse fumar um baseado com um cara vestido de notas de dólar, parecendo que mesmo que ele conseguisse o dinheiro seria tempo perdido, um emprego sem futuro.


Pulamos para Walter e Skyler no carro, indo para uma festa na casa de Eliot e Gretchen. Walter está obviamente tenso, sinalizando não estar muito confortável com a situação. Skyler o convence basicamente reforçando suas responsabilidades. 



Chegando lá, tudo parece bem hipócrita e ruim. Aquelas festinhas típicas da elite, onde tudo é sem graça e o só se fala sobre sucesso e fracasso pessoal e profissional, parecendo uma competição para ver que é o mais desagradável possível. 



Chega o momento dos presentes e de cara o casal ganha uma guitarra assinada por Eric Clapton, só para que qualquer presente depois seja uma merda. Aí vem o presente de Walter: um miojão. 



Sério, eu ri muito a primeira vez que vi essa cena. Boa demais a cara de pau. Pior que Eliot gosta, pois esses caras são tão solitários, tão acostumados a todo mundo querendo tirar deles o tempo todo, que quando alguém tenta manter a honra e não querer o dinheiro deles, eles ficam até emocionados. Eliot agradece muito Walter e o chama para conversar. 



Ele quer que Walter assuma um cargo na Gray Matter, no cargo que for de seu desejo. O lance é que depois disso ele fala também que sabe sobre o câncer e que quer ajudar. Walter então recusa, pois acha que é uma esmola por ele estar doente, quando na verdade o cara quer corrigir o erro histórico que faz soar para todos que ele é mau por ter deixado seu sócio criador fora dos negócios. Estraga a imagem da empresa. Mas ele fica emocional e recusa, saindo dali puto com Skyler pois acha que foi ela que falou. 



Enquanto isso, Jesse começa a cozinhar meta com Badger. Ele imita os princípios que aprendeu com Walter White, mas no final a sua versão da droga não atinge a mesma pureza. Jesse bate uma neurose meio Walter White e decide jogar a droga fora pois acredita que sua pureza está muito baixa. Badger discordam e eles brigam, com Jesse inaugurando a moda de pessoas deixadas no deserto, largando Badger para trás. 



Ao mesmo tempo, em um plot terceiro, Walter Jr. está em frente a uma loja de conveniências com seus amigos tentando conseguir alguém para comprar bebida para eles. De repente, de todos que eles podem escolher, eles vão justamente em um policial. Isso pode ser muito criticado da série. 


Parece discurso moralista de playboy de prédio que quer botar que se você tentar comprar bebida, você vai se ferrar. Tudo bem, é proibido a venda de bebida para menores, tanto no Brasil como nos Estados Unidos. Só que que aqui é 18 e lá 21 anos. Entretanto, na prática muitos lugares não respeitam pois existem sempre aquele "eu moro do outro lado da rua, é para meu pai/mãe" e os vendedores acabam relaxando, afinal eles só querem lucro. Os jovens não começam bebendo longe da família e sim na família, como veremos uns episódios a frente, com Walter forçando seu filho a beber tequila até passar mal. 



Ele chama então Hank, fingindo que ele é seu pai, pois preferia não incomodar seu pai com isso. Ou seja, para a família ele é moralista, mas na prática ele tá fazendo meta. 


Entretanto, o ouro desse episódio está na cena do pillow talk. Que cena maravilhosa. Começando pelo ciclo do moralismo. Quem foi pego tentando comprar foi o Junior, mas de alguma maneira aquilo se torna contra Walter, pois afinal ele disse para Skyler que estava fumando maconha e isso se torna um motivo para uma "intervenção". Cara, como eu sou contra esse tipo de coisa. Só vexa mais a pessoa e funciona como efeito bumerangue: dá mais vontade a pessoa de usar drogas. 



Sempre pensei que aquilo também não é neutro, pois afinal tem ali um policial do DEA, ou seja, todo o moralismo é para manter a estrutura familiar com Hank e dar conta do fato de sua profissão ser a repressão.

 


Eles começam a falar então e fica claro o seguinte: a pessoa mais contra Walter ali é Skyler, pois ela age como sua mãe, só que não qualquer tipo de mãe: uma mãe branca, racista, membro da social democracia falida da época da guerra fria. Ela simplesmente não sabe o que deseja, apenas reflete uma linguagem do senso comum do que é ser esposa e mãe, com provavelmente o que ela aprendeu em programas de TV.



Depois dela fala Walter Junior. Ele esculacha o pai, fala de uma maneira bem grosseira, esquecendo que foi ele estar bebendo o motivo de tudo estar acontecendo daquele jeito. Mas no final, percebemos que ele é o mais a favor do pai ali, pois ele acredita que o problema de Walter seja apenas redenção, ou seja, apenas aceitar fazer o tratamento, acreditando que ele está com medo. Na verdade, ele nem percebe que o problema é mais profundo e por isso parece apenas estar pedindo para o pai continuar fingindo, como sempre. 



Em sequência fala Mary, que não tem nada haver com aquilo, ou seja, não deveria estar ali. Ela sabendo disso, e que ela é muito pior pois tem cleptomania, defende Walter achando que estão pegando pesado demais no discurso. Eu sempre achei isso hilário de Mary, pois simplesmente estragou toda a dinâmica moralista da cena. Assistindo essa última vez, percebi mais uma vez aqui a teoria de Mary é uma versão feminina de Walter, mostrando como poderia ser seu plot na perspectiva de uma mulher. 



A posição de Mary irrita Skyler e ali se desenha uma coisa bem pesada, pois a disputa é entre as duas, e por ego pessoal de família. As duas disputam que é mais bem sucedida, levando a uma disputa inerente entre Hank e Walter. Quando tudo vira uma galinhagem, com ninguém respeitando nada. Walter pega a almofada e ganha o discussão utilizando argumentos de classe, ou seja, lembrando que ninguém ali está preocupado com nenhuma pauta social e ele pelo menos é professor. Ele se escora nisso para fazer merda, mas até aqui ainda tinha razão. 



Por último, tempos a ligação de Gretchen para Walter querendo saber o motivo dele não aceitar o dinheiro. Esse episódio funciona como uma continuação espiritual do episódio 3, onde Walter ficou refletindo sobre seu passado com ela nos anos 80 enquanto tomava coragem de matar Krazy 8. Ela pergunta se é pelo que aconteceu entre eles e está óbvio: Walter não quer aceitar nada de Elliott pois almeja tomar seu lugar um dia, demonstrando quase abertamente para todos que ainda gosta dela. Seria tão mais fácil só aceitar o dinheiro, não é mesmo? Qualquer um aceitaria, mas o orgulho branco dos White não permite.



Um episódio que eu chamaria de "histórico" ou diegetico, pois ele estabelece e explora vários pontos importantes do universo Breaking Bad. Além de termos uma explicação do passado e da relação de Walter com sua antiga empresa, a Gray Matter, também é mostrado que Jesse é um personagem mais humano, um jovem apenas, e não só um "viciado" e "drogado" querendo se dar bem. Ele tem passado, amigos e toda uma rede para além de Walter, seus pais e a escola. A questão de ele tentar sair, conseguir um emprego e não conseguir é marcante, talvez a cena mais crítica e realista de Breaking Bad até hoje. 


Além disso, o personagem de Walter é muito melhor explorado, assim como sua família. Hank e Marie demonstram seu sentido de proximidade, através de Walter Jr., e Skyler deixa de ser apenas um esposa e se torna um personagem mais maquiavélico, que nunca sabemos se está falando a verdade. Walter Jr. também é explorado para além da clássica cena do café da manhã, tendo todo um plot no episódio que serve como metáfora tanto da relação de Walter com seu passado como de Jesse. Assim, nasce a metáfora da série onde todos estão "breaking bad" e não só Walter. Um episódio realmente muito importante para o universo e que não esquece de ser divertido.














Comentários

Em Alta no Momento:

Os Desajustados (The Misfits, 1961): Um faroeste com Marilyn Monroe e Clark Gable sobre imperfeição da obra do artista e o fim fantasmagórico da Era de Ouro do Cinema Americano

Rastros de Ódio (The Searchers, 1956): Clássico de John Ford é o maior faroeste de todos os tempos e eu posso provar

"1883" (2021): Análise e curiosidades da série histórica de western da Paramount

Um Morto Muito Louco (1989): O problema de querer sempre "se dar bem" em uma crítica feroz à meritocracia e ao individualismo no mundo do trabalho



Curta nossa página: