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Ringo, o Cavaleiro Solitário (Dos hombres van a morir, 1968): Um spaghetti espanhol com um final impactante



A gangue de Bill "o Sanguinário", formada por ex-soldados confederados, tem assustado a região com seus assaltos contínuos. Então as autoridades decidem pedir ajuda a Pinkerton, uma agência de detetives. Ao mesmo tempo, Ringo, um ex-soldado do norte e agora caçador de recompensas, está atrás do bando, especialmente  de Kidd, o membro mais jovem dos foras da lei. Ele une forças com o estranho da agencia para ir atrás do bando, descobrindo uma conspiração que envolve cidadãos locais, os assaltos e a Revolução Mexicana


O filme não está disponível em nenhum serviço de streaming. Mas é fácil encontrar em DVD e há um link no youtube com o idioma original e sem legendas no final do artigo




Crítica do filme 


O que mais gosto dos filmes de faroeste, é que mesmo o filme mais simples do gênero pode surpreender, tornando o trabalho de os analisar particularmente um desafio de atenção a detalhes e diferenças da visão sobre o passado e o velho oeste. 


"Ringo, o Cavaleiro Solitário" não me pareceu um filme tão surpreendente de cara, na verdade de maneira geral bem simples. Mas o final é tão fortemente aterrador, que vale apena acompanhar sua análise até o fim.  



O filme começa aleatoriamente com um assalto, dando a sensação que eles tem sido rotineiros na região. Logo em seguida dessa sequência, temos uma conversa de homens mais velhos, todos de terno, nos entregando que são os "Manda-Chuva" da região. Eles discutem como resolver o problema, porém resistem a federalizar o caso. Não porque sejam bonzinhos, apenas porque querem manter seu poder local. 


Assim, começa uma grande disputa na cidade entre as forças que querem acabar com os assaltos e aqueles que estão querendo ganhar algum tipo de vantagem, financeira ou não, com os crimes. 



O filme não é muito complexo e eu não me surpreendeu muito. Ele tem a estrutura e estética básica de todos os spaghetti westerns, mas ao mesmo tempo não é tão rústico como um Mato Hoje, Morro Amanhã, tendo uma estética mais limpa. Um pouco chato para mim, pois torna grande parte do filme previsível e dá para perceber uma certa mistura de vários faroestes clássicos na composição, para tentar com a influencia fazer algo original. 


Já estava pronto para achar o filme mediano e não curtir tanto assim, mas uma surpresa salvou o filme. A grande questão desse filme está no plot de Kidd. Logo no início do filme, como um plot secundário, vemos que o jovem está envolvido com uma moça, filha de um importante local, que está contra os assaltos. 


Como ele não aprova o namoro da filha por considerar Kidd um cara sem futuro, ele decide se juntar a gangue dos assaltos para ganhar um dinheiro e casar com ela, provando para seu sogro que poderia dar uma boa vida para ela. Ou seja, uma ótima metáfora das movimentações políticas da época e como os jovens se sentiam excluídos do processo e oportunidades, dispostos a fazer qualquer coisa para se provar, como na época da ditadura militar no Brasil e outros locais da América latina, onde muitos jovens de movimentos de esquerda participaram de grupos armados e assaltos. 



Kidd passa para o outro lado sem pensar nas consequências. No confronto final, Kidd acaba sendo morto pelo estrangeiro, parceiro do protagonista que veio acabar com a gangue e salvar Kidd. É revelado então, em uma grande virada, que Kidd era o irmão mais novo do protagonista, e que ao matar o garoto o estranho tinha matado o irmão de seu amigo. Por outro lado, o remorso toma o protagonista pois ele sabe que de certa forma ele matou o irmão ao trazer o amigo para ajudá-lo sem explicar o caso, naquele velho hábito cowboy de nunca se abrir. 



Como em vários faroestes, o "estranho" pode ser o próprio protagonista, que poderia ser pesado demais mostrar em tela matando o próprio irmão. O que reforça isso, é que enquanto Ringo segura Kidd morto em seus braços, ele fala para seu amigo ir embora de vez, a metáfora perfeita do que também será para ele a vida após causar a morte do próprio irmão. Assim, ao seguir o moralismo dos grandes empresários e cabeças da cidade que condenaram os assaltos, afinal era interesse financeiro deles próprios, Ringo perdeu seu elo mais próximo, ou seja, no seu pessoal. Ao Ringo tentar ser o "herói" da cidade, sacrificou o seu pessoal e agiu contra sua própria cultura: a dos cowboys. 



O que faz refletir sobre o título: ele se tornou o "cavaleiro solitário" após matar seu irmão? Mas nome do filme original é algo como "Esses homens vão morrer". 


Há alguns ensaios de debate político no filme, mas muito rasos. Por exemplo, quando o protagonista conversa com seu amigo e revela que ele e sua família ficaram do lado do Norte durante a Guerra Civil. Ou quando o vilão ludibria e assassina um grupo de mórmons, roubando suas identidades para cometer crimes por trás da fachada de bons religiosos. Mas nada que vá muito além, apenas é ensejado mesmo para dispor a narrativa com realismo.



Um faroeste até que interessante. Bem dirigido, mas com algumas confusões de roteiro e direção que tornam o filme um pouco enrolado. Só que o final até que compensa, tornando-o um bom faroeste, mas não muito épico ou marcante, mas divertido. 



História por trás do filme


O filme foi filmado nas cidades madrilenha de Ciempozuelos, Hoyo de Manzanares, Manzanares El Real e Colmenar Viejo.


O filme é uma coprodução Espanha e Itália, mas o diretor, Rafael Romero Marchent, é espanhol, sendo o filme um spaghetti à espanhola, algo mais difícil de se ver geralmente mas muito correto na semântica histórica. 


Nascido em Madrid em 1926, era filho de Joaquín Romero Marchent Gómez de Avellaneda (1899-1973) escritor, editor e produtor; irmão de Joaquín Luis Romero Marchent, diretor e roteirista; a editora Ana María Romero Marchent, e o ocasional ator e diretor Carlos Romero Marchent (1944-2013). Pouco depois, no início dos anos quarenta, ele já desempenha papéis minúsculos em diversos filmes, com um crescente reconhecimento profissional, a ponto de tomar a decisão de se profissionalizar como intérprete e deixar inacabados os estudos da Medicina. Então ele começa os estudos de Dança e Arte Dramática, enquanto continua a trabalhar como um jovem ator.


Desta forma, ele começa sua primeira fase profissional, a do galã do cinema, uma fase que é verdadeiramente definida a partir de sua missão em El traje de luces (1947), de Edgar Neville, e que se estende durante os dez anos seguintes, ambos com novos papéis no cinema: La mies es mucha (1948), de José Luis Sáenz de Heredia, Alhucemas (1948), de José López Rubio, La leona de Castilla (1951), de Juan de Orduña, El mensaje (1953), por Fernando Fernán Gómez, Fulano y Mengano (1957), por seu irmão Joaquín, ou Pasión bajo el sol (1956), por Antonio Isasi ; como com as tarefas teatrais, tanto com a Companhia de Milagros Leal quanto com Salvador Soler Marí, ou com Tina Gascó e Fernando Granada, e até mesmo com sua própria empresa.


No início da década de 1960, ele diminuiu drasticamente seu trabalho como ator e estudou direção, enquanto trabalhava como assistente e roteiro em cerca de trinta filmes, muitas vezes por seu irmão Joaquín. 


Pouco depois, ele começou como diretor com um faroeste spaghetti: Ocaso de un pistolero (1965), empreendido ao socaire de seu irmão, um pioneiro nacional nesse sentido, e que é esbanjado neste gênero, muitas vezes com Joaquín como coprodutor e co-escritor, por exemplo em Manos torpes (1969) e Garringo (1970). No entanto, ele também filmou thrillers, dramas, comédias e até musicais e tragédias eróticas, em uma diversidade genérica onde artisticamente se destacam Santo contra el Dr. Muerte (1973), a última das coproduções hispano-mexicanas com o mítico Santo, el Enmascarado de Plata e Un par de zapatos del 32 (1973), estrelando ninguém menos que Ray Milland e Sylvacina Koscina .


Ele também trabalhou profusamente no meio televisivo, fazendo capítulos de séries de ficção, principalmente Curro Jiménez e Cañas y barro, e documentários. Também foi ator e diretor de dublagem e teatro, além de escritor lírico.


Por todas essas razões, em 27 de abril de 2007, ele recebeu uma simples homenagem em Madri, prestando homenagem a um sobrevivente do cinema espanhol.


Assista o filme aqui:















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