Mato Hoje Morro Amanhã (1968): Faroeste italiano retrata o desejo por vingança em resposta ao ódio à miscigenação
Após cumprir uma sentença injusta de cinco anos, Bill Kiowa quer se vingar de Elfego, o homem que matou sua esposa indigena e o prendeu, se tornando o líder dos Comancheros. Ele então contrata quatro homens armados e parte em busca do bandido. Entretanto, Elfego é protegido por um pequeno exército de foras da lei
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Esse é um faroeste bruto, não muito lapidado, e por isso muito verdadeiro e expressivo em sua mensagem. Esse é mais um faroeste de vingança, só que diferente dos faroestes americanos, onde há uma justificativa das ações do protagonista bem clara e evidente desde o início, aqui primeiro vemos apenas que o personagem quer vingança antes de saber o motivo.
Começamos com a cena dele treinando na cela com um simulacro de arma, e sua ênfase em treinar e se vingar é tão forte que leva o carcereiro a acreditar que a arma é real.
Aqui está o primeiro ponto do filme, que acredita que se empreender tempo em si e se dedicar, é possível conseguir seu objetivo. É notável o aspecto rústico do filme, reforçado por ser uma produção italiana. Todos os cenários do filme, principalmente interiores e lojas, tem aquele aspecto de vendinha clássica, ou a famosa "cantina", ajudando a criar o clima e credulidade na trama.
Os figurinos e roupas do filme são particularmente convincentes também. As atuações são muito boas também, principalmente do protagonista, que consegue transmitir o ótimo de sua vingança.
Podemos criticar um pouco os exageros do filme, marcando o protagonista como tão absoluto e "fodão", que o roteiro se torna todo previsível. Por exemplo, quando o protagonista compra sua arma, sai da loja e dois homens vem o confrontar e ele derruba obviamente os dois. Essa cena é bem feita, mas muito óbvia em termos de jornada do heroi.
Depois, na cena do carteado, onde um dos homens tenta trapacear pegando uma carta da manga e ele percebe, claro, tacando uma faca na carta, algo totalmente irreal apenas para marcar que com ele não se brinca.
Porém o grande mérito de Mato Hoje Morro Amanhã vêm só mais à frente, quando descobrimos finalmente a motivação da vingança que motiva o protagonista, em uma cena que assume o tom sépia para representar um flashback onde vemos que o homem que ele persegue armou para ele ser preso, após estuprar e matar sua namorada por ela ser de etnia indígena.
Obviamente a metáfora do filme é que a civilização forçada da cultura western e ocidental, pode esconder uma opressão e preconceito a miscigenação. O único "erro" do protagonista foi amar e tentar viver sua própria vida, explicando o motivo e legitimando a violência de sua jornada por vingança. Depois de ser preso, nosso herói passa a treinar na cadeia a todo momento sua mira para se vingar. Essa ideia do filme é bem parecido com Rastros de Ódio.
Esse elemento é interessante pois ganha aspecto histórico e civilizacional, já que uma trama se armou contra ele, utilizando inclusive o aparato jurídico e prisional, pois ele se "misturou com uma selvagem" e deve ser corrigido, demonstrando um caráter opressor por trás da aparência e fachadas de normalidade e qualificação daquilo que é considerado "bom".
Assim, diferente dos faroestes clássicos de "heróis" da lei contra "vilões" vingativos. Aqui os mocinhos devem assumir uma postura truculenta, formar uma gangue e se vingar para encerrar o ciclo de maldades dos vilões, que no filme se disfarçam nas fachadas de bons cidadãos e homens de negócio.
Só que a "correção" na verdade trás para ele o sentimento de ódio e vingança. O elemento de formar um bando é interessante e realista, já que ele busca se vingar de uma gangue, mas ao mesmo tempo já havia sido explorado em Sete Homens e um Destino.
Esse fator, junto com o título, nos faz questionar o caráter de tese do filme, já que ele realiza a vingança, ele não começa um novo ciclo. Quem assiste o filme acha justo a vingança, mas e depois que ela acontece, eles não se tornarão a gangue local?
Essa é uma reflexão necessária a vários faroestes, uma vez que após a vitória sempre há um depois e essa profunda reflexão sobre a necessidade e consequência da vingança: ela é útil e movimenta uma história, mas não leva a mais nada.
As cenas noturnas do filme são incríveis, sendo impressionante como a fotografia do filme trabalhou com o mínimo de luz possível em certos momentos, trabalhando expressivamente o movimento de câmera.
Entretanto, a cena do duelo final, sua suspensão e linguagem, é muito bem feita, expressiva, lenta e épica. O tempo do filme parece parar perante o momento tão esperado do filme, porém, como havia afirmado, com o final esperado e onde quem rouba a cena é o ator do vilão, Tatsuya Nakadai, que faz uma expressiva morte final. Simplesmente épica.
No final, Mato Hoje Morro Amanhã é um faroeste necessário. Um pouco cru e simples demais talvez, mas o elemento de como a questão da vingança é explorada é onde o filme se torna único.
O uso do flashback como linguagem para explicar o filme, como a cena do duelo final fazem valer o filme, que reflete, como um faroeste italiano, perfeitamente a típica "vendetta" italiana. Recomendo como um filme perfeito para quando está se sentindo injustiçado e incapaz de superar um obstáculo.
História e bastidores do filme
Esse filme tem curiosidades interessantes, Bud Spencer é incomumente dublado por Ferruccio Amendola; também no filme ele tem uma barba falsa, já que ele teve que se barbear para filmar Além da Lei.
Curioso é a presença no filme de Tatsuya Nakadai, que anos depois será o protagonista de Kagemusha - A Sombra do Guerreiro e Ran, ambos dirigidos por Akira Kurosawa.
Brett Halsey não acreditou muito neste filme e, para não ser muito associado a ele, decidiu usar um pseudônimo. Mas filme acabou sendo seu maior sucesso de todos os tempos e até hoje o ator é mais conhecido na Itália como Montgomery Ford. Outros artistas aparecem com nomes de palco: Franco Borelli como Stanley Gordon e Dana Ghia como Diana Madigan.
Ao contrário da maioria dos espaguetes, filmados entre o deserto e cenários rochosos da Espanha, todo o filme é filmado na floresta e prados de Caldara di Manziana, perto de Roma, os interiores foram feitos nos Estúdios de Elios, em Roma.
Assista o filme aqui:
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