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Vera Cruz (1954): Filme retrata disputa pelo México da monarquia de Maximiliano I contra o ideal da "América para americanos" da Doutrina Monroe



Durante a Guerra Franco-Mexicana, o ex-soldado confederado Ben Trane (Cooper) viaja para o México em busca de um emprego como mercenário. Ele se junta a Joe Erin (Lancaster), um pistoleiro que lidera uma gangue de assassinos. Eles são recrutados pelo Marquês Henri de Labordere (Cesar Romero) para um serviço para o Imperador Maximiliano I do México (George Macready), que oferece-lhes uma grande quantia em dinheiro para escoltar a Condessa Duvarre (Denise Darcel) para a cidade de Vera Cruz. Mas a viagem esconde mais surpresas do que aparenta. Dirigido por Robert Aldrich


Durante uma travessia do rio, Trane percebe que a diligência em que a condessa está viajando é extremamente pesada. Erin e Trane mais tarde descobrem que escondidos dentro há seis caixas de moedas de ouro. A condessa informa que vale 3 milhões de dólares que se destinam a pagar por reforços da Europa. Eles formam uma aliança inquieta para roubar e dividir o ouro. Sem que eles soubessem, o marquês está ouvindo das sombras.



Crítica do filme 


Vera Cruz é um faroeste e tanto, um dos melhores que já vi. Está obvio a intenção de tese no filme, onde a composição de dois cowboys com personalidades diferentes que devem conviver, é muito parecida com Rastros de Ódio. Como no clássico de John Ford, um dos cowboys é veterano e o outro um novato impulsivo, parecendo uma metáfora de fazer a mesma coisa várias vezes ao longo do tempo e como aquilo muda seu sentido. 



A primeira coisa que vemos no filme, é o personagem de Cooper em seu cavalo, vindo de um longo horizonte. Seu cavalo começa a dar de lado e mancar da pata. Ele desmonta e logo começa a matutar. Vemos que ele se aproxima, quase de maneira aleatória de uma pequena estalagem, com dois cavalos na parte exterior. Ele examina os outros cavalos e só entendemos realmente sua intenção quando o personagem de Lancaster o abordar: ele queria roubar um dos cavalos para trocar pelo seu, mas fez isso tão de maneira sorrateira que nem desconfiamos de cara de sua intenção. 



Impressiona também na sequência, a frieza com que o personagem de Cooper se descarta do cavalo, atirando nele uma vez que ele não serve mais. 


Eles são perseguidos então por tropas de guarda de Maximiliano I do México. Esse é um diferencial interessante desse western: há forças monárquicas que competem dentro da lógica do faroeste tradicional. E eles atiram nos dois cowboys primeiro, sem deixá-los alternativa.



Maximiliano I do México foi um arquiduque austríaco que reinou como o único imperador do Segundo Império Mexicano, que durou de 10 de abril de 1864 até 1867. Membro da Casa de Habsburgo-Lorena, Maximiliano era o irmão mais novo do Imperador Francisco José I da Áustria. Ele teve uma carreira como comandante-em-chefe da Marinha Imperial Austríaca. 


A França, juntamente com a Espanha e o Reino Unido, havia invadido o México no inverno de 1861 para pressionar o governo mexicano a quitar suas dívidas com as três potências depois que o México anunciou uma suspensão no pagamento da dívida; os espanhóis e britânicos retiraram-se no ano seguinte após negociação de acordos com o governo mexicano e percebendo a verdadeira intenção dos franceses, que buscavam conquistar o país. 



Buscando legitimar a intervenção francesa, o imperador Napoleão III convidou Maximiliano a estabelecer uma nova monarquia mexicana (pró-francesa), que havia sido proposta inúmeras vezes no passado pelos monarquistas mexicanos. 


Com uma promessa de apoio militar francês e a convite formal de um grupo do Partido Conservador Mexicano (monarquistas hostis à administração do Partido Liberal do presidente Benito Juárez), Maximiliano aceitou a coroa do México em 10 de abril de 1864.


O Império conseguiu obter o reconhecimento diplomático de várias potências europeias, incluindo Rússia, Áustria e Prússia. 


Os Estados Unidos, no entanto, continuaram a reconhecer Juárez como o presidente legal do México e viram a invasão francesa como uma violação da Doutrina Monroe, mas não puderam intervir devido à sua guerra civil em curso. Em outras palavras, aqui foi uma das poucas vezes da História que o Estados Unidos foi de "parceiro" com seus irmãos latinos.


O que foi a Doutrina Monroe? A Doutrina Monroe foi considerada um conjunto de regras criadas pelos Estados Unidos visando o combate dos interesses econômicos dos países europeus pela América. Foi anunciada em 1823, pelo então presidente norte-americano James Monroe por meio de um discurso que defendia a “América para os americanos", famosa frase.


Para esclarecer de qual conflito estamos falando, o filme retrata a Segunda intervenção francesa no México. Foi uma invasão do México levada a cabo pelo Segundo Império Francês, inicialmente apoiada pelo Reino Unido e pela Espanha, após a suspensão dos pagamentos de juros relativos a empréstimos contraídos a países estrangeiros por vários governos mexicanos decretada por Benito Juárez, em 1861. 


Após a proclamação da independência, o México atravessou sucessivos períodos de instabilidade política, com vários golpes de estado e conflitos armados entre as diversas facções que disputavam o poder. Estes conflitos depauperaram progressivamente o tesouro mexicano, e após a guerra da Reforma, em que os liberais liderados por Benito Juárez derrotaram os conservadores, liderados por Miguel Miramón e Félix María Zuloaga, o estado mexicano encontrava-se financeiramente falido. 


Apesar de reconhecer as dívidas mexicanas à França (3 milhões de pesos), Espanha (5 milhões de pesos) e Reino Unido (70 milhões de pesos), mas praticamente sem qualquer dinheiro para poder pagar, Juárez decidiu suspender os pagamentos da dívida por dois anos. Esta suspensão provocou a ira dos governos da França, Espanha e Reino Unido, os quais, por iniciativa de Napoleão III, celebraram o Tratado de Londres em 31 de Outubro, unindo assim os seus esforços no sentido de levar o México a retomar os pagamentos.


Como consequência desta operação militar, os mandatos presidenciais de Benito Juárez (1858–71) foram interrompidos pelo governo monárquico da casa de Habsburgo (1864–67). Os conservadores mexicanos tentaram estabelecer uma monarquia ao trazerem para o México um arquiduque da Casa Real da Áustria, Maximiliano de Habsburgo (casado com Carlota da Bélgica, com o apoio militar da França, interessada nos recursos mineiros do noroeste do México). Aqui se localiza o filme.


Porém, Maximiliano e seus aliados franceses nunca derrotaram completamente a República Mexicana. As forças republicanas lideradas por Juárez continuaram ativas durante o governo de Maximiliano. Com o fim da Guerra Civil Americana, em 1865, os Estados Unidos começaram a fornecer ajuda mais explícita às forças de Juárez. 


Exércitos franceses começaram a se retirar do México em 1866 em parte devido à Guerra Austro-Prussiana. O Império entrou em colapso sem ajuda francesa, e Maximiliano foi capturado e executado pelo governo republicano, restaurado em 1867.



Assim, sabendo brevemente desse contexto histórico, sabemos que, de cara, os cowboys estão aceitando uma missão perdida por ganância e interesse pessoal. 


Isso é importante lembrar, pois por mais que o filme te leve a torcer por eles por serem o foco da narrativa, eles não heróis ou bonzinhos. Isso faz com que o eco de uma missão que já começa fracassada repercuta todo o filme, dando a ele um tom cômico, mesmo que por vezes sádico. 


Uma cena que resume bem todo esse jogo, por exemplo, é a cena que eles são cercado pelo poder local e Lancaster se fecha em um quarto com crianças e uma bomba, ameaçando colocar tudo para o alto se eles fizerem algo contra eles. Também engraçado na parte que Cooper ajuda a moça que estava sobre perigo e ganha um beijo dela, mas na verdade ela estava roubando sua carteira. 


Há também uma certa ironia em mostrar que as monarquias tradicionais da Europa, com seu requinte e costume todo, precisam recorrer a dois cowboys fora da lei para completar a missão.



Esse é um faroeste muito cultural. Primeiro o nome, "Vera Cruz". Para quem lembra das aulinhas de história do Brasil, Ilha de Vera Cruz foi um dos primeiros nomes dados ao nosso território por Pero Vaz de Caminha, antes de ser nomeado "Brasil", por causa da madeira pau-brasil, que tem a cor vermelha como "brasa". 


É bem clara a referência histórica específica ao México, como já explorado, mas o nome não deixa de ser uma referência ao Brasil, como uma grande metáfora de estar ao "sul da fronteira". Esse elemento o torna profundamente parecido com Tesouro de Sierra Madre



Outro fator, é que o filme é extremamente tropical, um faroeste com visual diferenciado, combinando elementos e paisagens históricas do México fantásticas, como ruinas e pirâmides. Ao que parece, o filme foi rodado no território de Teotihuacan. 


É uma antiga cidade mesoamericana localizada em um sub-vale do Vale do México, que está localizada no Estado do México, 40 quilômetros a nordeste da atual Cidade do México. Teotihuacan é conhecido hoje como o local de muitas das pirâmides mesoamericanas mais arquitetônicas construídas nas Américas pré-colombianas. Em seu auge, talvez na primeira metade do primeiro milênio (1 a 500 d.D.), Teotihuacan foi a maior cidade das Américas pré-colombianas, com uma população estimada em 125.000 pessoas ou mais.


A brincadeira do filme é refletir o quanto dessa tradição desapareceu e o quanto permanece viva nos conflitos armados e políticos.



Esse não é um faroeste muito complexo ou com um final muito impactante, sendo na verdade sua simplicidade combinada com uma pegada histórica que torna o filme atraente. É mais a forma como ele é contado do que um fim ou grande mensagem em si. 


Isso me leva ao principal ponto do filme: o a direção. Aldrich fez um verdadeiro trabalho de gênio nesse filme. Além do ambiente, há um trabalho de foco e ângulo muito interessante, destacando os momentos mais significativos e sentimentais do filme, além de explorar esse aspecto histórico do roteiro com grandes planos abertos das paisagens. 


A direção também soube moderar essas nuances psicológicas do roteiro, entre metáforas de arquétipos e situações. Elas existem, mas são bem episódicas. Talvez o filme só peque por ter uma metáfora final simples, que critica a ganância e faz um elogia a simplicidade da experiência e envelhecimento. O filme é bem sintético também, sendo resumido em poucos planos para contar uma trama que a princípio parece bem complexa. 



O elenco também fez um grande trabalho. Fora Cooper, que nesse trabalho está bem diferente de High Noon, sendo ele aqui não um xerife moralista mas sim um cowboy veterano, popular e ético. Já Lancaster, faz perfeitamente o facínora, o cara idiota que perde tudo por excesso de ganância e violência, pois afinal é jovem e tem pressa. No final, a disputa entre os dois sugere superar essa ganância excessiva com moral do filme. 



Entretanto, não são só os astros, o elenco de apoio, principalmente os mexicanos e extras, é muito bem escolhido. Se Sierra Madre ainda tem problemas de arquétipo, aqui isso não acontece, sendo inclusive o elemento dos mexicanos como grande paredão de "maioria silenciosa", que reivindica que o ouro pertence a população do México, é uma das coisas mais interessantes e chamativas do filme. Isso porque, essa metáfora final dos mexicanos reivindicando o ouro nos ensina a questão histórica por trás do porque o ideal da monarquia no México estava errada, um dos processo que vão acabar culminando na Revolução Mexicana. Dentro de uma aventura de dois cowboys querendo se dar bem, acabamos aprendendo um pouco de História.


O filme é genial, com certeza um dos maiores faroestes de todos os tempos e com certeza recomendo para todos, principalmente para aqueles que gostam de História. 



História por trás do filme 


Burt Lancaster e Harold Hecht tinham acabado de assinar um contrato com a United Artists para fazer dois filmes, começando com Apache, dirigido por Robert Aldrich. Pouco antes das filmagens do filme começarem em outubro de 1953, Lancaster anunciou que seu segundo filme seria Vera Cruz com ele e Gary Cooper, baseado em uma história de Borden Chase.



Em dezembro de 1953, depois que Apache terminou as filmagens, Lancaster anunciou que Aldrich dirigiria Vera Cruz. United Artists estava tão feliz com Apache que mudaram o acordo de dois filmes com Hecht e Lancaster em um contrato de dois anos cobrindo sete filmes. Mari Blanchard era para ser a protagonista e Hecht assinou para emprestá-la da Universal. No entanto, havia uma cláusula proibindo-a de aparecer na televisão com a qual Hecht discordava. Em vez disso, eles lançaram Denise Darcel.



As filmagens começaram em fevereiro de 1954 no México. Em maio, a unidade havia se mudado para Estudios Churubusco. Aldrich e Lancaster se davam bem em Apache, mas quanto a Vera Cruz, o diretor disse que "provavelmente tivemos uma relação menos amigável do que esperávamos. 


Isso foi porque Burt, até que ele dirigiu O Kentuckian, pensou que ele seria um diretor e quando você está dirigindo seu primeiro grande filme grande você não recebe outra pessoa na mão com noções de direção. Havia algumas diferenças de opinião sobre conceitos e sobre ação."


Assista o filme aqui:



Mais cenas marcantes do filme:













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