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Lula, O filho do Brasil (2010): Filme é citado na revista Times que traz Lula na capa; Veja todas as curiosidades e teorias sobre o filme



O filme acompanha a História e trajetória do ex-presidente da República, Luís Ignácio "Lula" da Silva, desde de seu nascimento e infância difícil com sua mãe, Eurídice Ferreira de Melo, a Dona Lindu no interior agrícola no interior de Pernambuco. Depois, a morte de sua mãe, sua entrada no sindicato até se tornar um líder sindical, sua primeira prisão política, aos 35 anos, detido pela polícia da ditadura militar. Baseado no livro A História de Lula: O Filho do Brasil, de Denise Paraná. Na época do lançamento do filme, o então presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, pediu que uma exibição especial do filme fosse feita em Washington


Fazendo um resumo do que o a revista destacou da entrevista, é notável o foco na trajetória de Lula, algo provavelmente inspirado pelo lançamento recente do livro de Fernando Morais sobre ele. Primeiro, a jornada do herói, uma criança nascida na pobreza, se muda para uma cidade grande, ascende como líder sindical e se torna o presidente mais popular da história moderna do Brasil. Aí veio a tragédia, um homem público celebrado é apontado em uma acusação em um esquema de corrupção, é mandado para a cadeia e é forçado a assistir de lado enquanto seus inimigos desmantelavam seu legado. 


Em Abril de 2021, o STF anulou as acusações que excluíram e que permaneciam contra Lula , ele é universalmente conhecido por denunciar que em 2018 Moro, um juiz corrupto havia construído um caso dúbio contra ele, e que não havia dado direito de defesa e a um julgamento justo. A decisão foi uma bomba preparada para as eleições de Outubro de 2022 é o duelo entre o candidato esquerdista Lula e o de extrema direita Jair Bolsonaro. 


Lula, que tem 76 anos e estava se preparando para uma vida mais calma de lado de fora dos corredores de poder, essa mudança repentina na história foi uma surpresa. Mas ele não hesitou em retornar para a frente política. 


“De verdade, eu nunca desisti, ele pronuncia em sua famosa voz grave, tornada mais toca pela sua idade. “Política vive em cada célula do meu corpo, porque eu tenho uma causa. E nos 12 anos desde de que eu sai do poder, eu vejo as políticas que criei em benefícios dos pobres foram destruídas”. 


É o fim de março, seis semanas antes de Lula lançar sua campanha, ele está sentado nos estúdios de São Paulo, na sede do Partido dos Trabalhadores (PT). Rindo e reclamando que ninguém mais saberia mais fazer uma cadeira confortável esses dias, ele passa como um jovial avô, mas ao ser perguntado sobre o governo atual, suas costas esticam em postura e sua voz se torna mais clara, e ele se torna mais uma vez o sagaz líder sindical nos anos 1970.


O sonho de Brasil que Lula tinha perseguido durante sua presidência de 2003 até 2010 foi despedaçado, ele diz. Através de programas sociais que eram pagos com o preço de produtos do boom brasileiro como aço, soja e óleo, fizeram do governo de Lula um governo que tirou milhões da pobreza e transformaram a vida da maioria negra e indígena do país. Bolsonaro trouxe o fim a tudo isso, acabando com comunidades e trazendo o fim as políticas de acesso a educação e ao fim da prática de violência contra as comunidades negras, como também limitou a proteção as terras indígenas e a floresta amazônica, ao combate da COVID-19 que matou  aproximadamente 660,000 de brasileiros.


A taxa, a segunda maior do mundo, foi piorada por Bolsonaro, que chamou o vírus de “só uma gripizinha” e que duvidou de pessoas que seguiam medidas de isolamento chamando eles de “idiotas” e se recusando também a se vacinar, e a comprar doses quando as primeiras doses de vacina se tornaram disponíveis. Em Dezembro de 2020, um censo nacional demonstrou que 55% dos brasileiros estavam vivendo insegurança alimentar, de 23% em 2013. 


Bolsonaro, um defensor do regime de ditadura militar do século XX, chamou  por grandes protestos contra juízes que o desagradavam e atacou jornalistas críticos ao seu governo. Ele também passou diversos meses avisando sobre uma pretensa fraude eleitoral, em eco ao tom de Donald Trump e seu comportamento antes das eleições de 2020. Em Abril, ele sugeriu que as eleições poderiam ser suspendas se “algo se anormal acontecesse”. Se ele ganhar, as instituições brasileiras não vão acontecer outros 4 anos com ele no poder. 


Voltando de seu exílio político como um cavalheiro branco, Lula diz que ele pode tirar o Brasil desse pesadelo. Mas pode não ser o mesmo país que ele já uma vez governou. Com sua economia se recuperando da pandemia, uma inflação de dois dígitos e nenhum boom de commodities no horizonte. Uma crise de 6 anos de política que dividiu uma sociedade. As mudanças na geopolítica no Brasil se ampliam, e o ocidente vive uma nova fria e quente nova guerra-fria com a Rússia. 
Lula acredita que o raio de sorte vai vir duas vezes. 


Vizinhanças e bairros como esses são o tipo de eleitorado de base de Lula. Quando ele tinha 7 anos de idade, em 1952, sua mãe trouxe ele e mais sete irmãos em um caminhão de pau de arara para São Paulo. Eles viveram em um cômodo de atrás de um bar, e Lula largou a escola aos 13 anos para ajudar a sustentar eles. Quando tinha 17 anos, ele fazia maçanetas na fábrica em São Paulo quando perdeu seu dedo em uma máquina, algo que segundo o livro do jornalista Fernando Morais, foi um fator de muita dor para Lula


Quando tinha 23, Lula casou com sua vizinha Maria de Lourdes. Mas ela morreu dois anos depois de hepatite, quando estava grávida de 9 meses de seu primeiro filho que morreu também. Lula disse que as poucas condições de saúde pública causaram isso no Brasil daquela época. Algumas anos mais tarde, em 1975, ele foi eleito líder dos trabalhadores  de São Bernardo do Campo, um distrito de São Paulo, apenas alguns quilômetros de onde o comício foi feito. 


Muitos brasileiros e estrangeiros conhecem a história da vida de Lula através do filme de 2009, “Lula, Son of Brasil”, filme de Fábio Barreto, que já abordamos aqui no blog antes.


“Eu me sinto orgulhoso de provar que um trabalhador do metal, sem um diploma universitário foi mais competente para governar o país do que a elite do Brasil”, ele disse. “Por que a arte do governo é usada do seu coração, não apenas da sua cabeça”. Bolsonaro, um antigo capitão do exército devotado ao “dizer o que ele realmente pensa” estilo de político, provavelmente concordaria na importância de se conectar emocionalmente aos seus eleitores. 


Mas, segundo o Time, o populismo de Lula esconde uma veia de pragmatismo que permite ele a navegas nas águas a política brasileira. Como presidente, Lula manteve o conservadorismo discal deu seu predecessor, ex presidente e sociólogo Fernando Henrique Cardoso, sinalizando concordância do Brasil com tratdos do Fundo Monetário Internacional e satisfazendo investidores. Ao mesmo tempo, seu programa Bolsa Família para aumentar a renda de famílias mais pobres, enquanto outras políticas eram de expandir o acesso a saúde e a educação. 


Em 2009, dois anos antes de Lula sair do poder com 83% de aprovação, Presidente Barack Obama se referiu a ele como “o político mais popular da face da terra”. 


Em 2017, o juiz federal Sergio Moro condenou Lula a 10 anos de prisão. De dentro da prisão durante todo o ano seguinte, Lula se preparou para uma nova campanha presidencial em outubro. Ele estava liderança as pesquisas de intenção de voto quando o Superior Tribunal Eleitoral votou uma turma não permitindo que ele fosse mais candidato. Lula observou a lógica disso


“Não fazia sentido para mim o impeachment de Dilma, dois anos depois, eu seria presidente de novo. Então eles tiveram que me tirar do jogo.” Bolsonaro derrotou o substituto de Lula por 55.2% contra 44.8%. Moro seria Ministro da Justiça no governo de Jair Bolsonaro. Para a esquerda brasileira, o impeachment de Rousseff foi um golpe, um ataque não a corrupção, a operação lava-jato não teria implicado apenas políticos de diversas origens, mas seria um ataque em si aos .programas sociais que Lula e Dilma haviam implementado. 
 

Alguns desejaram apenas ter certeza das acusações contra lula, como a cineasta Petra Costa. “Eu queria apenas que as investigações tivessem me convencido que acontecia sob a gerência de Lula”. “Eu queria que os investigadores tivessem me convencido que ele era culpado ou inocente”. Diz a esquerdista cineasta Petra Costa em seu documentário Democracia em Vertigem. “Mas não invés disso, eu via promotores fazendo um espetáculo do caso deles”. 


Lula passou 18 meses na prisão até que em Novembro de 2019, a Suprema Corte decidiu que os acusados não podem ser presos sem que se possa recorrer a todas as opções de apelação. Em Abril de 2022, um comité da ONU declarou que os direitos humanos de Lula  foram violados no processo, e que o julgamento teve bias e que violou as regras de procedimento padrão. 


Publicações e jornais descreviam ele como um criminoso. Sua segunda esposa, de 43 anos, Marisa Letícia, havia morrido de um infarto durante sua acusação, e enquanto ele estava na cadeia, seu neto de 7 anos morreu de meningite. Lula desvia de pergunta sobre seu estado mental naquele período. Ele disse que tirou suas forças das chamadas da Vigília Lula Livre que o acordavam com um “Bom dia, Presidente” todo dia, vindo de seus apoiadores. “Eu estava preparado para deixar a prisão sem sentir ressentimento, somente lembrando que era parte da história. Eu não posso esquecer isso”, ele disse. “Mas não posso falar disso todo dia, eu quero pensar no futuro”. 


A falta de gerência de Bolsonaro na pandemia e os ataques nas instituições democráticas permitiram Lula a coordenador uma facção de unidade maior. Geraldo Alckmim, antigo governador de São Paulo, de centro-direita, e que era rival de Lula nas eleições de 2006, será seu companheiro de chapa. Em um país onde a renda per capita caiu quase a metade desde 2014, mesmo as elites, e muitos apoiadores antigos de Bolsonaro em 2018, alertaram para a ideia de que Lula seria melhor para negócios. 


“Eu sou o único candidato que as pessoas não tem preocupação com questões de políticas econômicas,” diz Lula. “Porque eu fui presidente duas vezes já. Não discutimos política econômica antes de ganhar eleição, primeiro você tem que ganhar as eleições.” Isso pode parecer surpresa para muitos, mas a economia tem sempre um papel central nas campanhas presidenciais no Brasil. Mas Lula elabora seus planos, citando estatísticas do boom brasileiro dos anos 2000. “Você tem que entender que ao invés de perguntar, você tem que fazer, e olha o que eu já fiz”. 
Se ele ganhar, contudo, Lula herdaria mais obscuro do que quando ele assumiu em 2003. 


Isso talvez seja a questão mais evidente, o problema do óleo. Durante o governo do PT, as descobertas científicas em torno do pré sal fizeram a empresa Petrobras crescer e os preços dos combustíveis abaixarem. Hoje em dia, o preço do óleo está alto, aumentando a inflação no Brasil, enquanto esforços para lutar pela crise climática foram apagados graças ao futuro do setor de óleo, que marca 11.5% das exportações brasileiras. 


“Olha o caso da nossa querida Alemanha: Angela Merkel decide fechar toda a energia nuclear. Ela não contava com a guerra da Ucrânia. E hoje em dia, a Europa precisa da Rússia para energia. A visão de Lula em política internacional colocaria contra os ventos que prevalecem hoje em dia. Como presidente, ele recusou a tomar parte no argumento do ocidente e de seus rivais, e se orgulhou de sentar ao lado de Hugo Chávez,  com Mahmoud Ahmadinejad do Irã, e George W. Bursh, or Barack Obama."


Lula permanece um crente que acredita que “dois eleições como chefe de estado, sentando na mesa, e olhando olho no olho,” pode resolver muitas diferenças. Ele diz que o Presidente Joe Biden e os líderes americanos falharam ao não contornar os conflitos que levaram a invasão da Rússia em Fevereiro. “Os Estados Unidos tem muita influência. E Biden poderia ter evitada a guerra, não incitado,” ele disse. “Ele poderia ter participado mais. Biden poderia pegar um avião para Moscow e conversar com Putin. Essa é a atitude que você espera de um líder”. 


A maioria do ocidente analisou que a invasão de Putin teria sido motivada por desejo imperialista de aumento de território, mais do que provocações da Ucrânia. Mas na visão de Lula, o presidente da Ucrânia Volodymyr Zelensky, que está 9 meses com as tropas na sua fronteira, compartilha culpa. “Eu vejo o Presidente da Ucrânia, falando na televisão, sendo aplaudido, ganhando aplausos  de pé em todo o parlamento europeu”, ele disse. Balançando sua cabeça. “Esse cara é tão responsável quanto Putin pela guerra. Porque na guerra, não tem como ter apenas uma pessoa como culpada. 


Ele argumenta que é irresponsabilidade para líderes do ocidente celebrar Zelenscky mais do que focar em fazer negociações de porta fechada. “Vocês estão encorajando esse cara, e aí ele pensa que ele é a cereja do bolo. Nós deveríamos ter uma conversa séria. Ok, você era um comediante legal. Mas não vamos fazer guerra apenas para você aparecer na TV. 


Os Estados Unidos e a U.E deveriam garantir que a Ucrânia não se juntaria ao NATO, diz Lula, comparando com a crise dos mísseis em 1962, quando U.S e Rússia concordaram em remover os mísseis do quintal de cada um. As sanções do ocidente em torno da Rússia foram injustas comparadas com outras regiões. Ele fala mais. “Guerra não é a solução”, ele disse. “E agora nós temos que pagar a conta por causa da guerra na Ucrânia, países como Argentina, Bolívia também pagarão. Vocês não estão punindo apenas Putin. Vocês estão punindo vários países, vocês estão punindo a humanidade. 

 
Apesar das dificuldades do mundo fraturado atual, muitos líderes e diplomatas gostariam da volta de Lula: depois de 4 anos, Bolsonaro queimou infinitas pontes, atacou a China com piadas racistas sobre COVID-19, e falou mal de líderes europeus. “O Brasil será de novo o protagonista no cenário internacional,”, Lula afirma, “E nós vamos proar que é possível ter um mundo melhor” 


A próxima administração de Lula será mais focada na luta anti racista. “Ir ao pinto de volta ao que era antes de Bolsonaro não é o suficiente para nós. Nós temos que ir conquistar mais do que os governos PT conquistaram” ele disse. “E Lula escutou os diversos ativistas negros, intelectuais e políticos. Ele sabe que a reconstrução do Brasil necessita atacar o racismo.”


Agora eu não estou falando sobre as pessoas quererem bancar um churrasco, mas também sobre vegetarianos”, ele escreveu no tweet em Fevereiro, “Para que possamos investigar em uma agricultura mais saudável nesse país”. 


A mídia brasileira atribui alguns novos pontos de conversa, que incluem falar sobre equiparação de gênero e direitos dos animais, influência de sua noiva, Rosângela da Silva. Em 2019, Lula anunciou seu noivado com Janja, uma socióloga de 55 anos e ativista do PT, e eles planejam se casar em Maio. Ele está hesitante em falar sobre ela, “Ela pode falar por ela mesma!”, e ele “aprendeu com ela”, disse ele. Quando você perde sua esposa, você pensa, bem, minha vida não tem mais sentido. Aí aparece uma pessoa e faz você querer estar vivo novamente. Estou apaixonado como se eu estivesse 20 anos, e como se ela fosse minha primeira namorada.”


Lula acredita que o casamento vai alinhar o tom de seu próximo capítulo na política. “Um cara feliz não sente raiva, deixa seus oponentes fazer o que eles querem” ele disse. “Se eu pudesse, na campanha, falaria apenas sobre amor. Não acredito que é possível ser um bom Presidente se você apenas sente ódio dentro de você, se tudo que você quer é vingança. Não, passado acabou, eu sou construir um novo Brasil”. 



História por trás do filme 


O filme foi baseado na tese de doutorado em História na USP da jornalista Denise Paraná. O roteiro foi escrito por Paraná, Fábio Barreto e Daniel Tendler, enquanto o escritor Fernando Bonassi deu o acabamento final no roteiro.



Segundo Denise, a trajetória de vida de Lula coincide com vários aspectos marcantes da história do Brasil, motivo pelo qual ela decidiu escrever o livro, que é sua tese de doutorado em História pela Universidade de São Paulo (USP). 




Nas suas pesquisas para o livro, Denise entrevistou Lula e várias pessoas ligadas a ele. Dentre os fatos da trajetória de Lula e da História do Brasil que se encaixam, de acordo com Paraná, estão a morte da primeira esposa no parto (ela havia contraído hepatite) na mesma época em que o Brasil detinha um dos maiores índices mundiais de morte no parto, a migração da família de Lula no momento em que o Brasil presencia sua maior onda de migração interna e o alcoolismo que marca o pai de Lula no período de maior incidência deste vício no Nordeste, devido o trabalho pesado e exploratório


Já o diretor Fábio Barreto é filho de Luís Carlos Barreto e Lucy Barreto, e irmão do também cineasta Bruno Barreto. Atuou no primeiro curta-metragem, "Três Amigos que Não se Separam", quando tinha nove anos; no filme também atuaram sua irmã (Paula Barreto).



Foi assistente de direção de Carlos Diegues em Bye Bye Brasil (1979). Iniciou sua carreira no cinema aos 20 anos, dirigindo o curta-metragem A Estória de José e Maria (1977). E estreou como diretor de longa-metragem no Festival de Cannes de 1982, com Índia, a Filha do Sol (1982), inscrito na Quinzena dos Realizadores; tinha 24 anos. Seu filme O Quatrilho (1995) foi indicado para o Oscar de melhor filme estrangeiro de 1995.


Leitura do filme


Acredito que analisar este filme é uma tarefa obrigatória para todos que querem entender melhor o cenário do audiovisual e da política no Brasil atual.


Segundo Alessandra Meleiro e Stephanie Dennison, no artigo Brazil, soft power and film culture, debatem que "Lula, O Filho do Brasil" é um filme que representa e foi impactado pelo soft-power brasileiro. A nação parecia determinada a maximizar uma gama de oportunidades (a próxima Copa do Mundo e as Olimpíadas, por exemplo) para assumir um papel mais significativo na política global. Isso deu uma contribuição potencial ao cinema ao utilizar a narrativa do soft-power brasileiro, com foco na política sendo representada de maneira cinematográfica e melodramática, no apoio à divulgação do cinema brasileiro no exterior e no lugar da produção cinematográfica na visão do soft-power brasileiro. Existiam outros filmes sobre presidentes, mas com estilo melodramático e pessoal, acompanhando cada fase da vida, amores, romances e conquistas: parece um jeito tipicamente brasileiro de contar uma história.


Vamos começar em torno das questões de marketing e publicidade do filme na época. No contexto do longa, Lula estava saindo da presidência da República com 80% de aprovação. O seu governo registrou crescimento de 32,62% do PIB (média de 4%) e 23,05% da renda per capita (média de 2,8%), maior índice desde Getúlio Vargas.




O lançamento do filme, janeiro de 2010, foi alvo de críticas pelo fato de que era um ano eleitoral, em que seria eleito o presidente sucessor de Lula. Ou seja, a data de lançamento do filme seria proposital, uma tentativa de ajudar na eleição da candidata do partido de Lula ao governo. Dilma Rousseff, candidata à sucessão de Lula, já admitiu que o filme pode influenciar no resultado das eleições. Isso fez com que muitos dos patrocinadores do filme sejam empresas que cresceram durante seu governo. Por isso, a Agência Estado e Revista Época assim como uma esquerda mais liberal, criticaram o filme por ter sido patrocinado por diversas empreiteiras, algo extremamente incomum no mercado brasileiro, tanto que no início do filme, anuncia-se que a obra “foi produzida sem o uso de qualquer lei de incentivo fiscal federal, estadual ou municipal, graças aos patrocinadores”. Mas se o filme é sobre o Lula, alguém que veio do povo e lutou para ter sua casa e suas coisas, faz todo sentido empresas que ganharam com seu governo patrocinarem o filme, não é?! Isso se chama política. 


Na lista de patrocinadores, constam muitas empresas, como CPFL, Oi, Hyundai, Brahma e outras. Mas tudo que a grande mídia com parte da esquerda "crítica de cinema" new yuppie reparou foram as empreiteiras Odebrecht e Camargo Corrêa, apenas por serem na época as duas maiores do país e que são investigadas na Operação Lava Jato, da Polícia Federal e do Ministério Público.


A Operação Lava Jato era coordenada pelo então juiz Sérgio Moro. Depois das empresas, em 2018 o próprio Lula se tornou um alvo, e foi preso naquele mesmo ano, sendo impedido de concorrer a eleição que viria a eleger Bolsonaro. Entretanto, ao empossado o novo presidente uma surpresa: ele indica como ministro da justiça de seu governo o juiz Sérgio Moro, que abandonou o magistrado ao aceitar o cargo, levando questionamentos sobre sua parcialidade ao julgar e prender Lula.


Uma campanha "Lula Livre" foi organizada pelo seu partido, o Partido dos Trabalhadores (PT), e uma Vigília pela sua liberdade foi organizada na porta da Polícia Federal em Curitiba, onde estava preso. O impacto da Lava Jato na sociedade brasileira havia sido tão grande, com suas ações e versões tendo ampla cobertura da mídia e jornalistas que surfavam na onda de denuncias, que conseguiram até mesmo alterar a mudança na lei constitucional para aprovar a prisão após condenação à segunda instância. Hoje, a lei já foi revista e revogada, e por isso gerando a soltura de Lula, em novembro de 2019. 


Depois disso, o Supremo Tribunal reviu as condenações do juiz Sérgio Moro em uma série de casos, declarando sua suspeição, fazendo que todas as penas e condenações de Lula fossem revistas. Hoje, além de inocente, Lula está elegível outra vez e é o favorito para as eleições de 2022. 




Se é assim, não devemos reconsiderar a condenações as empresas e empreiteiras condenadas pela Lava Jato? Vários juristas argumentam baseados em investigações em empresas estrangeiras, que sempre se prende os envolvidos mas se mantém as empresas. 


Isso também vale para o filme, que sempre foi criticado por "especialistas" como "chapa-branca", mas em pleno 2021 ganha nova conotação e DEVE ser revisto. Primeiro, por ser o único filme exclusivamente sobre Lula que temos. Segundo, após pandemia e governo Bolsonaro, aquilo que estava "dado" no filme, hoje não está mais e é isso que ninguém notou do filme.


A sequência de sua infância com Dona Lindu e sua família é a parte mais legal do filme. O atorzinho que faz o Lula arrebenta, e nessa sequência vemos o passado rural que marcou a vida de muitos brasileiro e costumes como do "pau-de-arara", carro que levava os boias-frias e outros de uma cidade a outra. O pai de Lula, é representado de uma maneira até mais leve do que ele mesmo conta em depoimentos e entrevistas, sendo mais bonachão do que mal. Ele, diferente da mãe que quer que ele estude e sempre deu apoio a Lula independente de suas escolhas, queria que Lula trabalhasse, algo pode parecer mal mas que é comum no Brasil. Seu pai parece no filme a representação perfeita do eleitorado que Lula precisa ajudar.




Dona Lindu é demonstrada como grande protagonista do filme, tanto que no pôster do filme a atriz Glória Pires tem maior destaque. Esse ponto é interessante pois assim explora algo que Lula sempre comenta mas poucas pessoas se atentam: o papel das mulheres em sua vida. Diferente da maioria dos baby-boomers, marcado por um traço machista do orgulho do heterossexual e do macho, Lula é mostrado como um jovem sensível. Por exemplo, na cena onde a professora (Lucélia Santos, uma das fundadoras do Partido Verde) quer o adotar por ser inteligente. Depois, quando ele começa a trabalhar, em seu primeiro dia onde é treinado pelo grande Antônio Pitanga, ele suja sua roupa de graxa de propósito para mostrar para a sua mãe que havia trabalhado duro. Ou na cena que ele assiste a novela Irmãos Coragem com sua noiva, mãe e irmã, sendo o único homem na sala. 




Essa sua sensibilidade foi transferida para a atuação política e sindical, e o filme mostra isso bem na cena da greve, onde o jovem Lula aceitar ir com o movimento (PCB) para a fábrica, e danificar estava tudo bem, mas quando viu os patrões da fábrica sendo mortos (em uma sequência que lembra o clássico "A Greve"), corre como o diabo da cruz, demostrando sua vertente mais social-democrática. 


Então, ele começa a se interessar pelo sindicato patronal. O sindicato patronal é aquele organizado pela própria direção da fábrica para ouvir e atender gradualmente as demandas dos trabalhadores, justamente para evitar greves e motins. Esses sindicatos eram majoritariamente governados por filiados ao PTB, onde Lula se encontra mais que no PCB. Coincidentemente, ele conhece sua primeira esposa e começa morar com ela em uma casa recém construída em um bairro humilde (o que justamente explica patrocínio de empreiteiras de maneira lógica, por ser algo mostrado no filme, e não as teorias da conspiração da Lava Jato).

 

A cena da morte da primeira esposa e filho de Lula, história pouco conhecida por muitos do seu passado, deixam claro que foi um caso de negligência médica pelo fato do jovem casal não ter dinheiro para ter acesso a saúde privada ou para fazer uma cesariana, realidade de muitos no Brasil até hoje. 


Outra cena clássica baseada claramente em história oral, entrevistas e depoimentos de Lula, é onde ele conhece dona Marisa Letícia, ex-esposa de um taxista que foi assassinado. Lula simplesmente chegou se apresentando para a mãe como namorado de Marisa, mesmo sem ser, algo que a constrange mas demonstra seu carisma. O filme se esforça para mostrar Lula como um cara romântico e conquistador, aproveitando sua popularidade com o público feminino (vide o recente burburinho em torno da foto das coxas do Lula). E logo que ele se casa com ela, ele entra de vez pro sindicato ao estilo italiano.




As partes mais bem feitas do filme são as sequências de greve e confronto com a polícia militar da Ditadura. O filme faz um esforço muito bacana de misturar a narrativa dramática do filme com cenas reais de greve e de reportagens com narrações da época.


É mostrado que a grande sacada de Lula no sindicato foi pensar em sentido organizacional e incluir técnicas de comunicação e mídia para conscientizar os trabalhadores da importância das reuniões e da participação no sindicato e na sociedade civil. Também elementos constitutivos da identidade petista e da história do PT foram explorados no filme, como a ocupação de fábricas, a participação de mulheres na militância e a ligação com a igreja católica e a teologia da libertação.


Quando Lula é preso, e sua mãe morre, é como se houvesse uma virada onde Lula não tivesse mais escolha de não ser líder: ele já se tornou um símbolo, um momento muito bem construído pelo filme. 


O filme pode ser criticado por usar uma técnica demasiada episódica para um filme, parecendo mais uma série, e poucas técnicas formais. Porém há uma certa genialidade do filme para mim em justamente em discutir a vida e a importância de Lula de uma maneira melodramática. Assim a narrativa de Lula se confunde com a das pessoas e dos jovens que cresceram no seu governo, e ganha a proporção nacionalista de falar para os filhos do Brasil. Como os primeiros de sua família a irem para faculdade, por exemplo, e conseguiram o diploma de graduação (como eu). 


A grande sacada do filme é a forma correta de usar a história do Brasil, de maneira a casar estruturalmente entre os momentos políticos do Brasil e a vida pessoal de Lula. Um filme que vale ser revisto com atenção.


Disponível no Globo Play. 





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