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Round 6 (Squid Game, 2021): Curiosidades e análise da série sul-coreana que se tornou uma das mais populares de 2021



Seong Gi-hun é um pai divorciado e jogador endividado e que vive com sua mãe idosa. Ele não consegue trabalho no mundo atual, e por isso faz qualquer coisa para descolar alguns trocados. Um dia no metrô, um homem estranho o convida a jogar uma série de jogos infantis e bobos por uma chance de um grande prêmio em dinheiro. Aceitando a oferta, ele é levado para um local desconhecido junto 455 outros jogadores que estão todos profundamente endividados. Os jogadores são obrigados a usar macacões verdes e são mantidos sob vigilância o tempo todo por guardas mascarados em macacões rosa, supervisionados pelo Homem da Frente, que usa uma máscara preta e uniforme preto. Os jogadores logo descobrem que perder um jogo resulta em sua morte, com cada morte adicionando ₩ 100 milhões ao prêmio. É a série mais assistida da Netflix, tornando-se o programa mais visto em 94 países e atraindo mais de 142 milhões de domicílios e acumulando 1,65 bilhões de horas de visualização durante suas primeiras quatro semanas de lançamento, superando Bridgerton para o título de série mais assistida. A série recebeu bastante reconhecimento, incluindo um Globo de Ouro de melhor ator coadjuvante série, pela performance de O Yeong-su e quatro indicações no 28° Screen Actors Guild Awards, ganhando dois prêmios. Uma segunda temporada está sendo desenvolvida.



História por trás da série


O criador da série Squid Game é Hwang Dong-hyuk. Ele nasceu e cresceu em Seul, Coreia do Sul. Depois de se formar na Universidade Nacional de Seul com um bacharelado em Comunicações, ele escreveu e dirigiu inúmeros curtas-metragens, incluindo Nossa Vida Triste e Uma Sopro de Fumaça. 



Mudando-se para Los Angeles para estudar para uma pós em Produção de Filmes na Universidade do Sul da Califórnia. Ele continuou a fazer filmes, completando dois curtas Heaven & Hell e Desperation. Seu filme de graduação foi Miracle Mile (2004), um curta estrelado por Karl Yune como um taxista ilegal coreano-americano, uma jovem coreana (interpretada por Hana Kim) a procurar seu irmão que foi adotado pelos americanos há 20 anos. Miracle Mile foi exibido em mais de 40 festivais internacionais de cinema e ganhou vários prêmios, incluindo o DGA Student Film Award e o Student Emmy Award. 




Para sua estreia no cinema, Hwang voltou ao tema da adoção em Meu Pai (2007). Baseado na história real do adotado coreano-americano Aaron Bates, o filme é sobre um soldado do Exército dos EUA estacionado na Coreia que aparece em rede nacional para procurar seus pais biológicos, e então encontra seu pai no corredor da morte por assassinato. Kim Yeong-cheol interpretou o pai ao lado do ator Daniel Henney. Henney e Kim foram elogiados por sua atuação, assim como Hwang por sua manipulação não melodramática de perdão e aceitação, entrelaçada com questões de identidade cultural e pena de morte. 


O segundo filme de Hwang se tornou uma das maiores histórias do cinema coreano em 2011. Baseado em um romance de Gong Ji-young e estrelado por Gong Yoo e Jung Yu-mi, Em Silêncio (2011), que retrata eventos da vida real na Escola Gwangju Inhwa para surdos, onde jovens estudantes foram cruelmente tratados e abusados sexualmente por seus professores e administradores. Hwang disse que deliberou por cerca de um mês se deveria ou não fazer o filme, mas decidiu fazê-lo porque "Tinha que ser dito".



Por volta de 2008, Hwang Dong-hyuk tentou, sem sucesso, obter investimentos para um roteiro de filme diferente que ele havia escrito, e ele, sua mãe e sua avó tiveram que tomar empréstimos para permanecer à tona, mas ainda assim lutaram em meio à crise da dívida dentro do país. Ele passou seu tempo livre em um Manhwabang (loja de mangás sul-coreanos) lendo mangás de sobrevivência japoneses como Battle Royale, Liar Game e Gambling Apocalypse: Kaiji. Hwang comparou a situação dos personagens nessas obras com sua própria situação atual e considerou a ideia de poder participar de um jogo de sobrevivência para ganhar dinheiro para tirá-lo da dívida, levando-o a escrever um roteiro de filme sobre esse conceito ao longo de 2009. 



Hwang declarou: "Eu queria escrever uma história que fosse uma alegoria ou fábula sobre a sociedade capitalista moderna, algo que retrata uma competição extrema, um pouco como a competição extrema da vida. Mas eu queria que ele usasse o tipo de personagens que todos nós conhecemos na vida real." Hwang temia que o enredo fosse "muito difícil de entender e bizarro" na época. Hwang tentou vender sua história para vários grupos de produção e atores coreanos, mas foi dito que era muito grotesco e irrealista. Hwang deixou esse roteiro de lado sem nenhum takers, e ao longo dos próximos dez anos completou com sucesso três outros filmes, incluindo o filme de drama criminal Silenced (2011) e o filme de drama histórico The Fortress (2017). 



Na década de 2010, a Netflix viu um grande crescimento na audiência fora da América do Norte, e começou a investir em produções em outras regiões, incluindo a Coreia. Ted Sarandos, co-CEO da Netflix, afirmou em 2018, que eles estavam procurando mais produções no exterior: "A coisa emocionante para mim seria se o próximo Stranger Things viesse de fora da América. Agora, historicamente, nada dessa escala nunca veio de qualquer lugar, exceto Hollywood. A Netflix abriu uma divisão na Ásia em 2018, e enquanto eles ainda operavam fora do espaço temporário de escritórios alugados em Seul, Hwang chamou sua atenção. Kim Minyoung, um dos oficiais de conteúdo da Netflix para as regiões asiáticas, reconheceu o talento de Hwang de The Fortress e seus outros filmes, e ao ver seu roteiro para Squid Game, sabia que eles precisavam dele para o serviço. Kim disse que "estavam procurando por shows que eram diferentes do que tradicionalmente é 'feito', e Squid Game era exatamente isso". 




A Netflix anunciou formalmente em setembro de 2019 que produziria o trabalho de Hwang como uma série original. Bela Bajaria, chefe de operações globais de televisão da Netflix, disse que "sabíamos que seria grande na Coreia porque tinha um diretor bem visto com uma visão ousada", e que "K-Dramas também viajam bem pela Ásia". Sobre seu retorno ao projeto, Hwang comentou: "É uma história triste. Mas a razão pela qual voltei ao projeto é porque o mundo daqui a 10 anos se transformou em um lugar onde essas histórias inacreditáveis de sobrevivência são tão adequadas, e descobri que este é o momento em que as pessoas chamarão essas histórias de intrigantes e realistas." 



Hwang ainda acreditava que a pandemia COVID-19 em curso impactou a disparidade econômica entre as classes na Coreia do Sul, e disse que "Todos esses pontos tornaram a história muito realista para as pessoas em comparação com uma década atrás".




Hwang concebeu a ideia para o Squid Game (que significa literalmente Jogo da Lula, mas que ficou com o péssimo nome de Round 6 no Brasil) com base em suas próprias lutas econômicas no início da vida, bem como na disparidade de classe encontrada na Coreia do Sul. Embora inicialmente roteirizado em 2008, Hwang não conseguiu encontrar um estúdio de produção para encontrar suporte para o roteiro até por volta de 2019, quando a Netflix investiu nele como parte de seu esforço para expandir suas ofertas de programação estrangeira. Lançada em 17 de setembro de 2021, ela se tornou o lançamento de série mais assistida na história da Netflix. O estresse de criar a série fez com que ele perdesse seis de seus dentes. Devido ao sucesso de Squid Game, a Netflix trouxe os filmes anteriores de Hwang Silenced, Miss Granny e The Fortress para o serviço nos Estados Unidos e em outros países.




Hwang descreveu a obra como "uma história sobre perdedores". Os nomes dos personagens, Seong Gi-hun, Cho Sang-woo e Il-nam, eram todos baseados nos amigos de infância de Hwang, bem como no nome do personagem Hwang Jun-ho, que também era um amigo de infância na vida real com um irmão mais velho chamado Hwang In-ho. Os dois personagens principais Gi-hun e Sang-woo foram baseados nas próprias experiências pessoais de Hwang e representaram "dois lados" de si mesmo; Gi-hun compartilhou os mesmos aspectos de ser criado por uma mãe solteira economicamente desfavorecida no distrito de Ssangmun em Seul, enquanto Sang-woo refletiu sobre Hwang ter frequentado a Universidade Nacional de Seul com altas expectativas de sua família e bairro. 


Além disso, o passado de Gi-hun foi inspirado pelos organizadores da greve trabalhista da SsangYong Motor de 2009 que houve contra as demissões em massa que ocorreram no período. O quinto episódio da série contém breves cenas de uma greve trabalhista recebida com uma repressão brutal.




O personagem é uma representação dos quase 2.600 trabalhadores que ocuparam a fábrica de Ssangyong durante 77 dias para protestar contra as demissões antes da polícia reprimir violentamente a greve. Hwang baseou a narrativa nos jogos coreanos de sua infância para mostrar a ironia de um jogo de infância onde a competição não era importante se tornar uma competição extrema com a vida das pessoas em jogo. Além disso, como seu roteiro inicial era destinado ao cinema, ele optou por usar jogos infantis com regras simples que eram fáceis de explicar em contraste com outros filmes do tipo sobrevivência usando jogos com regras complexas. 




O jogo central que ele selecionou, o jogo de lula, foi um popular jogo coreano nos anos 1970 e 1980. Hwang lembrou do jogo de lula( um jogo ao estilo do queimado nosso) ele se refere como "o jogo de infância mais fisicamente agressivo que joguei em becos da vizinhança quando criança, e também o que eu mais amei e então eu escolhi como o título do show".



As cores dos pacotes no jogo inicial, que são azul e vermelho, foram inspiradas na lenda urbana coreana "papel azul, papel vermelho". O jogo "Luz Vermelha, Luz Verde" foi selecionado por causa de seu potencial para fazer um monte de perdedores de uma só vez. Sobre a seleção, Hwang disse: "O jogo foi selecionado porque a cena cheia de tantas pessoas se movendo aleatoriamente e parando poderia ser vista como uma dança de grupo ridícula, mas triste." 




Hwang brincou dizendo que o jogo de doces dalgona de que eles poderiam influenciar as vendas de dalgona, semelhante à forma como as vendas de gats coreanos (chapéus tradicionais) floresceram após a transmissão da série Kingdom da Netflix. Lamber os doces para liberar a forma foi algo que Hwang disse que tinha feito quando criança e trouxe para o roteiro. Hwang considerou outros jogos infantis coreanos como Gonggi, Dong, Dong, Dong, Dongemun e Por que você veio à minha casa? (우S 집0왜 왔?, uma variante coreana do Hana Ichi Monme).



Hwang escreveu toda a série ele mesmo, levando quase seis meses para escrever os dois primeiros episódios sozinho. Depois, ele recorreu a amigos para obter informações sobre seguir em frente. Hwang também abordou os desafios de se preparar para o show que era fisicamente e mentalmente exaustivo. 



Hwang estava inicialmente inseguro sobre uma sequência depois de completar esses episódios, embora ele tenha escrito o final para manter um gancho potencial para uma sequência em mente. 



Com o patrocínio da Netflix, o conceito de filme foi expandido para uma série de nove episódios. Kim afirmou que havia "muito mais do que o que foi escrito no formato de 120 minutos. Então trabalhamos juntos para transformá-lo em uma série." Hwang disse que foi capaz de expandir o roteiro para que ele "pudesse se concentrar nas relações entre as pessoas nas histórias que cada uma das pessoas tinha". Inicialmente, a Netflix havia nomeado a série Round Six, em vez de Squid Game como Hwang havia sugerido; de acordo com o vice-presidente de conteúdo da Netflix na Ásia Kim Minyoung, embora soubessem que o nome "jogo de lula" seria familiar para os telespectadores coreanos do jogo infantil, ele "não ressoaria porque poucas pessoas o receberiam", e optaram por usar o Round Six, pois isso descrevia a natureza da competição. 



À medida que a produção continuava, Hwang pressionou o serviço para usar o Jogo da Lula, que Kim disse que seu nome enigmático e os visuais únicos ajudaram a atrair espectadores curiosos. Na época em que Hwang escreveu a série, seu objetivo era que a série alcançasse a marca de a mais assistida na Netflix nos Estados Unidos por pelo menos um dia. Hwang havia inicialmente escrito a série como oito episódios, o que era comparável a outras séries da Netflix, mas descobriu que o material para o último episódio era mais longo do que ele planejava, por isso foi dividido em dois.



Jung Jae-il, que já havia composto a trilha sonora de Parasita (2019), dirigiu e compôs a partitura de Squid Game. Para evitar que a partitura se tornasse chata, Jung pediu a ajuda de outros dois compositores: Park Min-ju e Kim Sung-soo, um diretor musical para musicais que usa o nome artístico "23" quando trabalha como compositor.


Duas peças de música clássica também são usadas ao longo do show como parte da rotina para os jogadores: o terceiro movimento do "Concerto de Trompete" de Joseph Haydn, é usado para acordar os jogadores, enquanto "O Danúbio Azul" de Johann Strauss II, é usado para indicar o início de um novo jogo. A "Quinta Sinfonia" de Ludwig van Beethoven também é usada para música de fundo no lounge VIP dos ricos. Um cover de "Fly Me to the Moon", arranjado por Jung e cantado pelo artista coreano Joo Won Shin, foi usado durante o jogo "Luz Vermelha, Luz Verde" do primeiro episódio; segundo Joo, Hwang queria um contraste entre o brutal assassinato dos jogadores no jogo e as "letras e melodias românticas e bonitas" da canção, de tal forma que a cena "incorpora a sociedade capitalista cada vez mais polarizada em que vivemos hoje de uma forma muito compactada e cínica".


Para a música "Way Back Then" que acompanha as crianças que tocavam Jogo de Lula, Jung queria usar instrumentos que praticava no ensino fundamental, como gravadores e castanets. O ritmo da canção é baseado em um ritmo de palmas 3-3-7 que é comumente usado na Coreia do Sul para animar alguém. O gravador, interpretado pelo próprio Jung, tinha um leve "bipe", que não foi intencional. A canção "Round VI" foi tocada pela Budapeste Scoring Orchestra.



Crítica da série 


É muito fácil entender o significado de Round 6. A série é uma metáfora cruel do capitalismo atual, como ele influencia na vida em sociedade e nas práticas culturais. Mas vale dar destaque e fazer comentários sobre certos momentos marcantes da série que demonstram isso. 


Primeiro, a crítica ultra atual ao capitalismo moderno e seu baixo índice de empregabilidade perante a quantidade de pessoas sem emprego, obrigando as pessoas a uma ideologia do "bico" ou de qualquer esquema temporário para ganhar dinheiro. Sim, serva para falar do Uber, Rappi e os outros diversos aplicativos de entrega. Mas vai além: como as brincadeiras de criança são a forma de ganhar dinheiro, se expandi para os aplicativos e redes sociais, como Kwai e Tik Tok, onde as pessoas se expõem ao ridículo em dancinhas e brincadeirinhas para ganhar dinheiro. E o pior de tudo: cria-se a aparência junto de que nunca fomos tão felizes, afinal o capitalismo de hoje se fatura com risos e brincadeiras. Mas e aqueles que não querem brincar?



Segundo Philip Kotler, o mundo moderno com internet em outras formas de comunicação mais rápida, se tornou um "mundo 3.0", exigindo certas mudanças, comportamentos e práticas. É um tempo onde por isso a comunicação, o marketing e as arte vão ter que foca no cliente como um ser humano em sua totalidade, com necessidades materiais, emocionais e espirituais, sendo assim capaz de satisfazer as instâncias mais nobres do humanismo. As empresas que adotarem o marketing 3.0 terão uma vantagem porque poderão combinar um produto/serviço de qualidade com uma missão imbuída de valores positivos. Essencialmente, o marketing 3.0 é uma mistura de marketing cultural, espiritual e colaborativo.



O marketing cultural está ligado ao fenômeno de mundialização, que recentemente evoluiu para "globalização": as pessoas estão cada vez mais conectadas ao mundo, mas retêm ou redescobrem fortes laços locais. A globalização ainda apresenta muitas desvantagens: ainda há muitas disparidades entre as várias economias mundiais, como a divisão acentuada entre o Norte e o Sul do mundo (assim como entre o Ocidente e o Oriente, com a China no papel de "Fábrica Mundial"). Segue-se que as empresas precisarão possuir valores positivos profundamente enraizados, que não entrarão em conflito com os de seus clientes, combinando produtos e serviços de qualidade com ética e consideração pelo meio ambiente e pelos direitos dos trabalhadores.



Mas ainda estamos falando de marketing, certo? Ou seja, é uma venda, e há um produto à venda: você. A grande sagacidade do criador da série, foi refletir de maneira sombria o universo integrado e positivo de hoje em dia, refletindo como certos aspectos do sistema e do ser humano se perpetuam, como o egoísmo, o individualismo, o narcisismo, a falta de ética, a inveja, corrupção e a opressão. A série converge visões integradas, que louvam o período atual devido as melhorias tecnológicas, com visões apocalípticas que refletem o lado humano de tal processo. 



Segundo, a questão dos jogos,  a teoria de jogos é um ramo da matemática aplicada que estuda situações estratégicas onde jogadores escolhem diferentes ações na tentativa de melhorar seu retorno, na série, isso foi usado para "melhorar" a chance de sobreviver dos personagens. Inicialmente desenvolvida como ferramenta para compreender comportamento econômico e depois usada pela Corporação RAND para definir estratégias nucleares, a teoria dos jogos é hoje usada em diversos campos acadêmicos. 


A partir de 1970, a teoria dos jogos passou a ser aplicada ao estudo do comportamento animal, incluindo evolução das espécies por seleção natural. Na economia, a teoria dos jogos tem sido usada, segundo Joseph Lampel, para examinar a concorrência e a cooperação dentro de diversos mercados, desde pequenos grupos de empresas até relações internacionais. As questões estratégicas da vida real dão origem a um número imenso de variações, impossibilitando o tratamento exaustivo de todas as possibilidades. Assim o objetivo não é resolver as questões estratégicas, mas sim ajudar a ordenar o pensamento estratégico - provendo um conjunto de conceitos para a compreensão das manobras dinâmicas contra os concorrentes.



Squid Game é obviamente influenciada pela Teoria dos Jogos, já que as escolhas são feitas pelo custo e benefício de cada opção e logo não são fixas, mas depende, sobretudo, da escolha dos outros indivíduos. Chegando até o final, onde a teoria é superada com o dilema do prisioneiro, no qual é mostrada a impotência de dois jogadores racionais escolherem algo que beneficie a ambos, sem o combinado prévio; indo pro espaço durante o jogo da lula final.


Há uma forte referência e crítica ao espaço universitário e as teorias acadêmicas em voga ao longo da série. Sendo eu mesmo alguém graduado em um forma de curso de comunicação (Estudos de Mídia), assim como o criador da série, consigo entendo bem o que o diretor tentou retratar na série por causa de uma experiência específica. Ao longo da minha graduação, tive a disciplina obrigatória de Comunicação Política, e nela o professor responsável pela disciplina em uma de suas primeiras aulas, decidiu fazer um jogo com a turma reproduzindo uma guerra. Os alunos deveriam escolher majoritariamente entre duas opções: atacar ou passar a vez. 


Particularmente não sou chegado a esse tipo de proposta, e sempre preferi os professores que explicavam sobre o que era a aula, passavam textos e conteúdo em torno do tema e no final aplicavam uma prova ou trabalho, pois afinal você quer o conteúdo e não brincar com seus coleguinhas. Mas existe uma malandragem na teoria dos jogos é que eles são extremamente coletivistas, e se você se recusar parece um individualista sem graça e anti-social. Então, você como indivíduo aceita, pois afinal tudo vale nota, é um "jogo da lula". 


Como aquilo era só um jogo para mim e o objetivo era ganhar para acabar logo e ir para casa, meu pensamento era: atacar todas as vezes, afinal tudo era blefe, como no pôquer. Mas ao dizer isso a primeira vez, meu grupo me achou extremamente maquiavélico, e achou que o outro grupo não teria fibra moral para começar atacando, logo decidiram que não iriam atacar. Resultado, fomos atacados e perdemos o jogo. Aqui eu percebi a perversidade desse método aplicado a uma aula: mesmo que você esteja certo, a proposta é tão individualizante aos membros do grupo como players, que você logo sempre estará sozinho em ultima instância. Em outras palavras: independente do resultado, a banca sempre ganha, e o professor sempre estaria certo não importando o resultado, sendo tudo aquilo uma desculpa apenas para reforçar a autoridade e a (suposta) inteligência do professor. 


Se pensarmos que o jogo é muito maior, está na sociedade, e que estamos jogando o tempo todo, querendo ou não, as coisas ficam mais inteligentes. Não é preciso construir um joguinho de ataque e recuou para as pessoas entenderem nada, pois afinal se por exemplo a pessoa não tem o dinheiro necessário para qualquer atividade sua cotidiana, ela já vai sentir o peso exato do jogo. O que a teoria dos jogos opera, na verdade, é uma operação elitista que protege os mais ricos, criando uma aparência democrática e de escolhas, culpando o indivíduo por qualquer falha, afinal a escolha foi dele. E isso ficou evidente no plot do velhinho.


Isso foi explorado de maneira genial pela série, uma vez que eles não foram jogados e obrigados a jogar. Eles tiveram escolha, inclusive podendo sair no final do primeiro episódio. Mas ao voltarem para a sociedade, vemos que o jogo continua operando com as mesmas regras porém com outros objetos e fórmulas. De maneira que quase todos voltam para o jogo no segundo episódio, afinal ainda estão desesperados por dinheiro e oportunidades. 


É a partir daqui que a série deslancha de fato, pois o primeiro episódio é demasiado violento e soando um pouco boboca na proposta, parecendo haver certo orgulho de ver pobres e trabalhadores sendo executados em um joguinho bobo de criança, algo muito problemático da série e que eu mudaria a forma como foi introduzido. A partir do segundo e terceiro (melhor episódio na minha opinião) é que a série brilha realmente, pois é na totalidade de entender que o jogo é apenas uma oportunidade radical e reencenada da sociedade, logo tudo não parece tão difícil. A verdade é que existe sempre uma malandragem para vencer as provas, beneficiando sempre aquele que interpreta os problemas de uma maneira coletiva e popular, sendo mortos sempre os egoístas, conservadores e escrotos de maneira geral, esse seria o lado "de esquerda" da série. 



Aqui o "jogo" mostra sua fachada mais cruel: se o jogo é mortal para outros mas te beneficia, você não jogaria? Nisso há uma profunda reflexão do quando o capitalismo se baseia no melhores e na compreensão deles da falta de sentido, para criar soluções "bomba", que em longo prazo mais prejudicam que ajudam. Mas no final, de novo a contradição está na faculdade, pois um dos principais jogadores é o amigo de bairro do protagonista que diferente dos colegas, conseguiu ir a faculdade e se formar, sendo um exemplo para o bairro, mas de maneira contraditória, representando o motivo de os demais poderem ser excluídos já que não conseguiram. 



A série foi muito injusta com vários personagens e focou em alguns plots que não fizeram sentido. Por exemplo, foi uma sacanagem o final da Han Mi-nyeo (212). Ela era o personagem alívio cômico perfeito, e por vezes meu personagem favorito, principalmente nos momentos em que a série esfriava. Ela foi a única há convergir malandragem e humor. Se final foi injusto e desnecessário. Mesma coisa o plot do policial. Eles comeram um episódio quase inteiro (o quinto) com o plot dele, e no final apesar da revelação nada foi resolvido, dando a impressão que perdemos tempo acompanhando esse plot. 



Para resumir e finalizar, Squid Game ou Round 6 é uma série que vale a pena pela sua capacidade de discutir com fluidez, assuntos, métodos e estilos que estão em voga, mas que são muito pouco questionados estruturalmente em seus valores. O que significa sucesso se todos ao seu redor passam fome, por exemplo? Questionar de maneira sociológica a visão que acha natural dividir a sociedade entre vencedores e perdedores é onde a série brilha. 


Há uma certa combinação entre o fofo e o perverso que é interessante divertido da série. Entretanto ela poderia ser menos violenta e infantilizar menos o espectador. Há uma certa combinação de bobagem infantil que tenta chamar a atenção dos jovens e crianças, mas a série é extremamente violenta e não recomendável para crianças pequenas, sendo engraçado existirem brinquedos para crianças de 0 a 10 anos da série. 



A série brilha na técnica, que além de ter muitos bons atores no elenco, soube combinar cores, estilos e efeitos práticos e digitais, para criar um ambiente totalmente imaginativo e surreal, parecendo muitas das vezes com um sonho. Talvez isso minimize a crueldade da trama de uma maneira que se torne infantil e logo aquela sociedade pareça mais aceitável. Isso parece interessante para um período de Covid-19, onde falar de mortes parece mais aceitável e didático para crianças e adultos sobre a necessidade de se proteger. Mas em longo prazo, a violência gratuita e estética da série parece minimizar o radicalismo da capitalismo e seus efeitos na vida das pessoas, afinal tudo é um jogo. 



E aqui preciso entrar em um único SPOILER para comentar expectativas sobre a segunda temporada: uma vez que o protagonista ganhou o jogo, não conseguiu gastar o dinheiro e quer voltar pro jogo para acabar com ele, parece uma metáfora de que aqueles que ganham no "jogo" atual, não estão dispostos a ajudar os outros e nem deixar que outros ganhem também, mostrando a crueza final e máxima do jogo. 


A série é complexa e contraditória, mas é muito bem feita e diverte e muito melhor que a maioria das séries recentes, por isso necessária e eu recomendo assistir. Mas além de vários problemas na trama e na estética, não sei se dá segunda temporada. Vai ter que se esforçar muito para a fórmula continuar funcionando, ainda mais que agora o protagonista vai parecer "mau". 


Hwang considerou um final alternativo onde Gi-hun teria embarcado no avião depois de concluir sua ligação com os organizadores do jogo para ver sua filha, mas Hwang disse sobre esse final: "Essa é a maneira certa de realmente propormos a pergunta ou a mensagem que queríamos transmitir através da série?"





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