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Populismo: o que é, sua história e tudo que você precisa saber sobre o tema


Vivemos um contexto no Brasil de eleições municipais, e nos Estados Unidos, de eleições presidenciais. No meio de um período de grande descrença nas instituições e na política, e principalmente, no meio das eleições



Estava assistindo no último Roda Viva, daí do nada,  FHC comentou sobre como o "populismo era algo da esquerda". Mas será mesmo? Bandeirinhas, santinhos, carretadas, boca de urna, coligações espúrias, a ideia de "falta de escolha". Muitos são os sinais do que seria o tal do populismo sentido na pele. É de entendimento de muitos, que o populismo ou seria de direita ou de esquerda. Existem vários tipos de populismo, além apenas dessa definição clássica.  


O populismo pode ser visto de várias formas, como um "significado flutuante" como falava Laclau. Tem também a ideia muito forte no sentido do populismo como crítica ao direcionamento do discurso para as massas. A ideia de um líder forte e poderoso, de uma retórica específica em nome do povo,  manipulação das massas é o que pensamos diretamente de cara ao falar de populismo. 


Normalmente é mensurado como crítica por parte de certa elite que ignora a ideia do voto popular. Para o povo, trejeitos, opiniões radicais, falta de comprometimento com o dito 'politicamente correto' não é populismo, mas sim remetem ao que podemos chamar de "autenticidade", ou seja, ao dever e ao costume. Sendo quase impossível argumentar, pois é mais uma sensação que se passa, do que algo palpável e racional. 


Isso faz com que as pessoas esqueçam que o populismo também envolve uma semiótica e uma história específica. O maior exemplo de populismo e de onde surgiu, é na década de 1890. O exercício de militares tomando conta da política vinha de antes, por exemplo na França. Mas essa influência tomou conta do imaginário geral. Esse populismo seria gerado pela política das oligarquias, no Brasil, o populismo já era visto na forma de governo da república velha. Como na mesma época, muitos autores creditam o "people's party" como o começo do populismo nos Estados Unidos na mesma época.


Existem algumas linhas de populismo, vamos analisar:


1)Populismo no século XIX: People's Party (partido do povo) nos Estados Unidos, oligarquias e processos de independência e identidade na América Latina. Alguns autores nessa ideia: Octávio Ianni: "A Formação do Estado Populista na América Latina", e "A formação das nações latino-americanas" de Jaime Pinsky e Maria Lígia Prado.


2)Populismo Clássico: Praticamente, quando alguém comenta por alto populismo, está falando desse recorte. Dentro do contexto do pós Segunda Guerra e da formação dos capitalismos nacionais, esse processo é analisado na América Latina como populismo: Francisco Weffort: "O Populismo na Política Brasileira", ou uma variante dessa linha é o livro "O Colapso do Populismo no Brasil", que é o populismo como  uma questão de fases, uma espécie de "colapso teórico", uma tentativa de integração, uma abordagem, uma linguagem. Só que esse "sistema" de centro esquerda, segundo Ianni teria colapsado em 1964. Ou seja, quando "acabou o populismo" começaria um intenso período de fechamento democrático. 


3) Neopopulismo: uma análise que aborda desde os anos de 1990, de cunho nacionalista e neoliberal. 


4) Populismo de "esquerda" - pós anos 2000. Não abordei essa ideia no meu trabalho com bibliografia nacional. Normalmente, são análises populistas que falam de populismo. 


Mas se nos debruçarmos nos estudos gringos nesse caso, essa é que é a doce contradição, a figura de Lula é separada dos outros líderes da mesma época.


 O livro de  Sebastian Edwards, Left Behind in Latin America e a Falsa Promessa do Populismo. Essa linha  apesar de considerar todos os governantes da chamada "onda rosa" como políticos populistas, o que é questionado, em certa mediada, protege o governo Lula. Praticamente, esse autor coloca como ideal o governo Lula, completamente não populista. Ele argumenta que apenas com ele, o Brasil atingiu seu potencial de crescimento. É um argumento fora da curva, com tantos estudos estrangeiros que apenas buscam com a alcunha de populismo falar mal da América Latina e do Brasil. Algo a ser debatido, com certeza.


Muitos veem em Getúlio Vargas e Lula o populismo, mas muitos fazem análises mais profundas do que isso.  O populismo de direita pode ser visto com a instituição da ditadura militar, já que o governo não era apenas instituído pelas armas, mas sim por um arcabouçou institucional e político que constituíam a sociedade civil.  A ditadura militar no Brasil proporcionou uma experiência de 21 anos de eleições indiretas que não incluíam toda a população. 


Isso foi culpa da direita, não da esquerda. Acontece que os cientistas políticos estão acostumados com a teoria clássico do populismo. Essa teoria corresponde ao populismo dos anos 1940, 1950. 


Em sua vertente mais recente, existe a linha do "neopopulismo", que é mais investigada pela ciência política estrangeira, seria a linha de políticos como Fernando Collor. O neopopulismo, por exemplo, é ligado com a direita neoliberal na América Latina, na época dos anos 1990. 


Grita Debert, Francisco Weffort... Enfim, era uma forma de abordagem comum. Esse tipo de estudo é mais uma questão de populismo relacionada com a área de "ideologia política". O populismo também envolve um senso comum da figura do "líder", ou da sua persuasão, da sua retórica, que normalmente falaria em nome do povo.  Tudo isso faz parte da semiótica do populismo. Um tema que caiu muito em desuso por conta da sua inviabilidade ideológica. Normalmente são críticas dirigidas ao campo político da esquerda.


Populismo e academia: Uma lição histórica:


A teoria clássica do populismo é aquela focada na análise da América Latina, que induz a pensarmos que temos um pretenso processo de dependência que nos impede o desenvolvimento.


 A vontade nacional e um dos termos de que os intrigantes de todos os tempos e os déspotas de todas as eras mais abusaram amplamente. Uns viram sua expressão nos sufrágios comprados de alguns agentes do poder; outros nos votos de uma minoria interessada ou temerosa; há ate mesmo os que a descobriram totalmente formulada no silêncio dos povos e que pensaram que do fato da obediência nascia, para eles, o direito do comando. (TOCQUEVILLE, 2005,P.65)”


Muitos autores, diferentemente do senso comum sobre populismo veem na crença cega com a democracia americana, um clássico caso de populismo. 


A sacada é que o populismo americano não seria uma ideia de Estado e governo, mas sim uma ideia de crença no indivíduo, na liberdade de empreendimento e iniciativa. A ideia de Laclau envolveria ver um valor a mais, haveria então uma "razão" de ser populista,  como também é dele a ideia de que o populismo seria uma forma de "significado flutuante". Isso é verdade. Podemos analisar o populismo como a maioria faz: fruto da exploração da lavoura agro exportadora, do plantation e da falta de diversidade na economia. 

 

Segundo o autor Michael Kasin, o populismo americano pode ser entendido na diferença da crença no Estado dependendo da sua raça ou religião. A ideia de "idealização da democracia" seria a forma do populismo na américa. Esse processo pode ser rastreado desde a Revolução Americana. Figuras como Thomas Paine, Tom Watson, ou Thomas Jefferson, ou mesmo a única declaração de independência, e também a construção envolvem um contexto histórico bem marcante. As políticas do Big Stick, ou da Doutrina Monroe. Mas nunca pensamos em ligar a ideia de populismo com a ideia de de Estados Unidos. Sinal de que eles sabem "vendeu seu peixe". 


Teria surgido com o partido "People's party" por volta de 1890, eles organizavam trabalhadores rebeldes, geralmente vindos do interior, do campo, como também eram os produtores urbanos. Eles possuíam a retórica que envolvia "falar em nome do povo", como também o estudo de Ernest Laclau sobre retórica populista comentava muito.


Dentro do livro: A Persuasão Populista: Uma história Americana (2007), tem esse trecho que explica:



Durante o século XIX, o pietista e o racionalista coexistiram na retórica, em partidos políticos e nas coalizões dos descontentes. A cristandade protestante, como um sistema de crença, foi comum a ambos os grupos, mesmo que as formas de adoração fossem diferenciadas amplamente. Pastores plebeus e propagandistas seculares concordaram, como um historiador coloca: “que pessoas deveriam esquecer todo o preconceito servil e aprender a melhorar as coisas por elas mesmos”. (KAZIN,1995,p.11)


Mas o estudo sobre populismo difere muito dependendo da ideologia, do lugar de onde se fala, e de quem se quer agradar. Acontece que o estudo de populismo normalmente vê na nossa América Latina a fonte de todos os males. Isso teria acontecido fruto da ascensão de mais indivíduos nas classes médias. Esse processo ocorreu com as formas de capitalismo de Estado que vivenciaram países como o Peru, com o aprismo, o México com o cardernismo, e em tese, o Brasil de Getúlio Vargas. 


Populismo de esquerda seria pautado na ideia de formação pela massa. O povo que se fala o populismo pode ser o povo fruto da cultura de massa, o povo como "people", como dentro de uma ideia de "democracia popular", ou pode ser o povo enquanto volk, que sofreu com o êxodo do interior indo para as cidades, e o povo folclórico inventado por um grupo específico ou outro desvinculado com a ideia de nação. 


Esse seria um tipo de populismo mais de direita, ou de extrema esquerda. A esquerda pecaria ao acreditar demasiadamente no aumento da renda, como o salário mínimo, e a direita erraria com seu "populismo cambial", ou seja, fuga dos dólares e investimentos, grande índice de desemprego e afins.  Já o populismo de direita seria a crença nos fins monetaristas da economia. 


Já apontei diversas ideias norteadoras do que seria o populismo, uma das mais inovadoras é a do "colapso do Populismo na América Latina", livro de 1968, que refletiria sobre o "sentido das crises" na temporalidade política brasileira. 


  Alguns fatores são colocados no livro:  1) na ruptura e recomposição sucessiva alternadamente das relações políticas com a sociedade tradicional e os ditos “sistemas externos”, 2) a frustração das tentativas de implantação de um modelo de desenvolvimento econômico autônomo, 3) a combinação dos modelos exportadores, substituição e associado, ou internacionalista dentro de um sistema heterogêneo e contraditório, 4) a participação crescente do estado no comando do processo econômico, 5) a transformação da região centro-sul (com centro específicos em locais como Espírito Santo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo como núcleos hegemônicos na economia nacional, 6) a formação de movimentos de massa.


Populismo e História - Lócus e Logus:


Essa seria a teoria estudada pela história, como em Francisco Weffort, como também na opinião de alguns estudos modernos de populismo. No Brasil, normalmente é estudado a época da "república populista" de 1946 a 1964. Conhecido como estudos do "Populismo clássico". O outro livro de Octávio Ianni muito indicado para o estudo de populismo é o livro publicado em 1973 em parceria com Di Tella e Gino Germani: "Populism e Contradicones de Clase em Latino américa". Considero problemático. Afinal, o mundo inteiro vivia a questão do crescimento "babyboomer" do pós Segunda Guerra. Mas apenas a América Latina carregou a pecha de "populista". 


De acordo com Octávio Ianni em "Formação do Estado Populista na América Latina", diferentemente da maioria, propõe uma leitura do processo de formação das identidades latinas, e uma análise do período correspondente ao século XIX. Ou seja, na mesma época da formação do People's Party americano. Seria um enfoque na formação das oligarquias militares como formadoras do processo populista, por exemplo, no período correspondente a República Velha. 


Outra ideia de interpretação de Ianni sobre o populismo é que ele demonstra uma ideia de colapso das instituições e da política no Brasil. Esse processo teria começado com a Revolução de 1930,com novos atores e reunificações, mas colapsado com a instituição da ditadura militar. 


A ideia de Thomas Frank de "Populismo de Mercado" como traço da mídia liberal Americana é uma atualização dos anos de 1990. Michael Kazin observava isso já, como Octávio Ianni no século XIX.  


As três principais linhas de investigação oficiais são: "ideologia política", "estilo político", e "estratégia política". 


A minha linha de análise é mais "estilo político", com Panizza, Laclau e Kazin.


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