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Nomadland (2020): longa mostra plataformização da América e ganha BAFTA de melhor filme

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O filme Nomadland (2020) da diretora chinesa Chloé Zhao gerou grande comoção por parte do público e da crítica como um dos principais filmes do ano. Polêmico e politizado, o filme apresenta uma proposta realista fora de série para o momento de crise americana atual, ganhou diversos prêmios, inclusive, agora o prêmio da crítica especializada britânica e antecipa o favoritismo para o Oscar


O longa desde do seu título demonstra a questão de uma vida nômade na américa moderna, uma vida que é vivida dentro de carros ou vans, e que se sustenta através de empregos típicos da Indústria 4.0 e do platamorfismo moderno. É uma excelente metáfora política dos Estados Unidos após crise de 2008 e governo de Donald Trump. O filme é inspirado no livro "Nomadland: Sobrevivendo na América no Século XXI", de Jessica Bruder. 


A uberização é uma descrição do filme como forma de sobrevivência, onde pessoas trabalham pelo mínimo possível em locais como a Amazon, como a própria Fern e seus amigos, que parecem documentar uma sociedade americana sem destinos em comum entre as pessoas. Isso é bem marcante, quando Fern interpela os amigos da irmã, se dizendo contra a propagação da ideia do american way of living dos bancos e corretoras de imóveis.  O modelo econômico é para tirar o dinheiro de quem é mais pobre, e fazer uma certa classe lucrar com a liquidez, é o clássico modelo de crise americana, ligada com o setor imobiliário, o filme fala muito disso também. 


Uma mulher que depois da morte do marido de câncer e de perder sua casa para bancos, decidiu abandonar todas as suas raízes sedentárias e viver em sua van, como já tinha feito antes com marido, a diferença é que antes era um estilo de vida, algo como aqueles programas do "History Channel" sobre viver em um trailer e  e pegar a estrada de maneira romântica.


 O filme também descreve uma forma de "movimento social", na figura de um Bob Wells, um vlogueiro que registra sua vida em um canal de youtube inserido dentro do modo de vida dos moradores nômades, mas a precarização e a falta de salubridade sendo marcas presentes dessa vida "fora da civilização". 


Mas há bons momentos, que não são o objetivo central das narrativas do filme, o que torna melhor, pois na tradicional jornada do herói, toda dor é recompensada, e ás vezes a vida real é muito mais bruta e complexa que podemos pensar. 


Esse era o sonho do marido da personagem principal, a Fern, que antes de morrer montou um "acampamento dos sonhos" de trailers e vans e  que logo foi abandonado, pois o filme é um caminhar para demonstrar uma crise estrutural e sistêmica. 


Além de ser uma demonstração de como se fazer um cinema com pessoas de verdade,  "sem nojinho" de pobreza, dando um ar de realismo a sua obra. Um filme que em ideologia lembra o clássico de John Ford, "As Vinhas da Ira". 


O filme foi inicialmente aclamado no país da cineasta, que em recentes entrevistas, se disse também contrária ao regime de seu próprio país, ocorrendo depois, uma certa ocultação de seu trabalho. Mas o que podemos criticar do filme é essa noção de não levar o cinema como prótese da realidade. O filme acaba sendo muito derrotista no sentido geranl, e menos documental e útil que um "Sorry we miss you", de Ken Loach, por exemplo, que também fala sobre uberização, só que no Reino Unido. 


Hoje em dia, a economia em demanda e compartilhada, de grande marcas e empresas de tecnologias e também de grande plataformas, como a Amazon, que é descrita no filme, como única local possível onde pessoas simples possam trabalhar para sobreviver. 


A protagonista vive uma vida que não é romantizada em nenhuma momento, sendo até mesmo um dos pecados do filme, a sensação de desesperança e tristeza, de que os Estados Unidos, junto com o próprio capitalismo, jamais vão mudar. O filme é excelente, porém, para demonstrar esse lado cruel do individualismo e do neoliberalismo americano no meio de uma crise, e é uma síntese do que ocorreu nos Estados Unidos nos últimos anos. 


Outra polêmica é que quando nossa nômade, está em um evento de família, sendo acolhida, por sua irmã, que acha perigoso como ela vive, e busca dizer que ela pode morar com ela. A questão é que Fern não quer viver presa também e recusa a ajuda da irmã, optando por continuar seguindo viagem, como na ideologia dos céticos: "continuar procurando" como a própria essência se continuar existindo. 


O filme é contraditório, pois demonstra grandes bolsões de pobreza, mas também questiona que o espírito de solidariedade e associativo pode surgir dos lugares de onde menos se imagina. Nesse sentido, o filme lembra nesse ponto o Central do Brasil, de Walter Salles. 


Muito mais do que isso, o filme Nomadland significa terra de nômades, ou seja, buscar identificar as premissas de um modo de vida, que no filme, a irmã da protagonista,  quando ela vai buscar uma ajuda financeira com ela, se refere a sua irmã como alguém que faz parte da "tradição americana" dos pioneiros americanos, sendo uma das referências claras do filme sobre política e história. 


Uma boa dica para quem se interessa por cinema, Estados Unidos, movimentos sociais, pauperismo, nomadismo,  e plataformismo. 

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