Pular para o conteúdo principal

A História do Socialismo II - Notas sobre o Ciclo Revolucionário Soviético: 1905 1917-21



Essa é resenha do livro de Daniel Aarão Reis, que fala um pouco sobre o debate de história e historiografia no século XX e a ascensão do regime soviético. 

Anteriormente, fiz um texto sobre raízes literárias e primárias do socialismo utópico, o "As origens históricas do socialismo- parte 1". Agora, faço uma análise sobre o processo de tomada revolucionária, com a perspectiva de resenha. 

10 notas para o debate dos processos revolucionários do século XX e da revolução russa:

1) Premissa do debate - A Rússia e seus grupos políticos em busca da disputa de poder: As diferenças entre a Revolução de Fevereiro, e a Revolução de Outubro: 

Há uma ideia de que a revolução de outubro de 1917 era o sol enquanto horizonte, lembrada por todos como o produto acabado. Mas alguns estudos miram em dizer que quando essa revolução aconteceu, acabou com a etapa antiga, assim,  todas as outras revoluções seriam apenas coadjuvantes e sem importância na escala política.  Mas dentro do ciclo revolucionário e democrático, a Rússia estaria dentro da própria contradição marxista. Derrubar ou não derrubar a Bastilha, acabar ou não com a família real, mas também levar a cabo a vida de inimigos, esse é mais um ponto do debate. 

Pensando em uma comparação, se colocarmos Lenin ao lado de Getúlio, podemos visualizar uma ideia parecida. Isso porque no Brasil tivemos o tenentismo, que forjou a Revolução de 1930, e também era inspirado em nascente nacionalista, a Rússia se transformou rapidamente de celeiro ruralista a produtora de insumos de sua própria demanda, em uma grande estrutura em efervescência que se modernizava e se radicalizava na mesma medida. A questão de volta de antigas costumes no stalinismo de autoritarismo. É verdadeiro que perdeu o carácter de eleições diretas e sufrágio universal, também perdeu a liberdade de imprensa e opinião, que é fundamental para o entendimento da democracia de tipo liberal e ocidental. 

2) Uma revolução inicial, brigas e cisões a posteriori: 

Essa ideia social democrata foi pensada por nomes como Lenin, que era membro da social democracia russa e depois encabeçou o movimento que levou os bolcheviques ao poder. O primeiro-ministro anterior Kerensky, formado em direito na Universidade de St. Petersburg, esse arranjo era a última voz dos conciliadores, e eles já não conseguia conter os ânimos do fracasso econômico e da inflação, o povo que já tinha vivido a guerra contra o Japão marchou de volta ao seu país, em meio aos conflitos da Primeira Guerra Mundial voltando para casa para achar uma situação ainda mais complexa que a própria guerra externa: uma guerra civil. Lenin escreveu que "a revolução tinha sido mais fácil que levantar uma pluma", isso significa que queria dizer que o movimento bolchevique era esse movimento popular e verdadeiro. 

Mas isso era uma espécie de "primeira revolução russa", uma revolução mais no campo das ideias e das liberdades, que envolvia  e foi antes da tomada soviete e bolchevique de poder, que teria se verticalizado em reformas mais brutas, mas ao mesmo tempo, mais reais e substanciais. 

Essa tomada do liberalismo, tendo como referência o "domingo sangrento", acontecido na cidade de St. Petersburg. Por exemplo, em 1905, envolve a iconografia da famosa Revolta do Couraçado Potekim,  serve como uma ideia dos marinheiros revolucionários, povo e militar ao mesmo tempo, idealizada na fórmula de Lenin,  que batalhavam contra a carne pobre, e o autoritarismo tzarista, ou ao burguesismo menchevique. Já em 1921, com a Revolta de Kronstadt, os marinheiros, dessa vez se colocavam contra o regime soviético vigente, em especial, os bolcheviques. A ideia de forças armadas a serviço do povo começa a ser forjada com essa revolta. O que está por traz é que a Rússia com todo esse edifício institucional arcaico precisava de reformas substanciais em sua estrutura, até mesmo produtiva. Até aquele momento, a Rússia era praticamente rural, um pântano. 

Mesmo que em outubro 1917 tenha tido um carácter de radicalização, a revolução anterior poderia ser revertida com a retomada da força política da elite que se via em meio a constantes guerras. É verdade que o comunismo de guerra era ruim, mas apenas tomar a burocracia do estado não democratizava nos níveis de produção e alimentação dos trabalhadores. Elementos como a fome se caracterizam por serem tangíveis e revolucionário. Sem a tomada dos meios de produção efetivos e capitais, a sombra da dominação tzarista permaneceria. O povo preferia o autoritarismo de um novo regime que tinha a premissa de distribuir, do que apenas reformas parlamentares sem tangência material. 

Na China, por exemplo, o kuomintang era o partido liberal e nacionalista, que se estabeleceu depois da  revolução dos boxes, que derrubou a dinastia Qing, em 1905 também. A China também caminhou nos passos do etapismo e posteriormente fez sua Revolução Cultural sob comando de Mao Tsé Tung, que com base em substituir os elementos burgueses que ainda subsistiam na cultura, fez por exemplo, a proibição  de artes e operas, um grande costume na china, que foi em primeiro momento proibido para laicizar a sociedade.  

3) Uma Revolução perdida?

 O processo teria sido complexo e embaralhado. Até 1939, com o pacto Nazi-Soviético, o mundo observou uma contradição ímpar. Algumas dessas contradições e autoritarismos vieram de vários grupos políticos e também étnicos diferenciados, como a questão dos pogroms executados pelos tzares e depois por alguns comunistas bolcheviques.  Historicamente, uma luta anti tsarista poderia contar com os cossacos, mas depois de outubro, passou a ser a identidade comunista e do estado soviético laico o que triunfou, e a Rússia tradicional, com seus costumes, como a igreja ortodoxa foram considerados burgueses, ás vezes por serem místicos.

Podemos lembrar que pelo grande continente que é a Rússia, sua dimensão territorial contribuiu para sua autossuficiência. O debate teórico conta com novas discussões e serviria para inserir a história regional russa dentro da história global, em uma visão onde podemos classificar comparações entre processos revolucionários diversos, sua importância ou marca principal. 

Isso significa que processos não direcionados por organizações políticas, processos "autônomos" podem sair de controle e se tornarem autoritários. O valor do "fervor e paixão revolucionária" de massas e multidões. O que é contraditório, é que é exatamente o processo aleatório, espontâneo que se é procurado quando se faz política em geral.  Desse modo,  se analisamos a segmentação dos movimentos sociais, dentro de entidades e grupos, sindicatos e ongs, e pautas transversais, os acontecimentos históricos e políticos são disputados por esses grupos de maneira micro e macro. 

Demoraria ainda muito para a cultura da cidade predominar em relação ao surgimento da cultura urbana no mundo, isso ainda era maior no contexto da Rússia, uma das antigas potências da "Europa antiga". Uma concepção atrelada ao senso comum do russo moderno e de esquerda era de uma "revolução permanente", ou "revolução ininterrupta", que seria uma ideia de construção do estado dentro da própria imanência do movimento. 

Houve em 1917, na Revolução de Fevereiro com liberais e socialistas, e depois a Revolução de Outubro, uma concretização  do poder nas mãos dos bolcheviques, liderados por Lenin. O país estava em meio a uma grande ruptura histórica, traduzida na força de uma guerra civil 1918-21, que teria ocorrido no sentido de que seria uma "democracia radical" que evolui para um comunismo científico e bruto, e claro, autoritário.  Coloca-se uma ideia de ciclos específicos, como uma "revolução dentro da revolução", ou seja tomada de poder de grupos. Mas sem o carácter popular de organização, as primeiras reformas não teriam angariando a mesma forma de poder e a mesma relevância histórica.

 É verdade que algumas facetas autoritárias surgiram dos bolcheviques, mas também o sucesso garantido da empreitada comunista veio deles. A questão era sobre conciliar os rudimentares soviéticos, com os ideológicos bolcheviques. 

Principalmente, a noção de laicização e autogoverno dos povos, foi pela primeira vez visto lá,  estimulado pelos bolcheviques. Segundo o texto, seria mais sobre o movimento de fevereiro, do que o de outubro. Mas talvez, sem a radicalidade, não haveria desde tão cedo uma autonomia tão grande e mudança tão radical nos costumes, que foram inovadores até mesmo se compararmos com o ocidente capitalista, que nos século XX encontra-se no meio de crises e guerras. 

Novidades como aborto para mulheres, e abolição de crenças rudimentares, autodeterminação dos povos. Tudo isso era uma experiência empírica e nacional, mas também já tinha sido versada e imaginada de antes por teoria política e por visões científicas de sua tomada de poder em Marx,  como a ideia de que a revolução comunista seria ou na Inglaterra, ou na Alemanha devido ao pioneirismo capitalista. Mas o comunismo "ocorreu" de fato, de maneiras muito diferenciada,  em diferentes locais, que não eram tão capitalistas assim, no caso de China e Rússia, um passado monárquico muito centralizado e exclusor. 

No caso de Cuba: opressão, escravidão e exportação de matéria-prima dentro do comércio atlântico, um passado certamente de opressão econômica e exploração periférica de tipo colonialista, essa era a novidade. Seriam portanto,  locais que viveram uma forma de opressão econômica: como em Cuba, China e Rússia. 

 Algumas para além da desculpa de serem "herdeiras de seu tempo". Mas o legado para pobres e trabalhadores do mundo, de um mundo pensado, pelo menos, ideologicamente e economicamente em torno de seu legado e representação. O duro da vida do comunista trabalhador, as longas horas de trabalho e a pouca ração tornavam improvável fazer o trabalhador ser tanto braçal, quanto intelectual. Assim nem eram todos que gostavam da opção de estar dentro do regime. 

Nesse sentido, a propaganda e a noção de guerra externa eram fundamentais. Isso já era realidade dentro das reformas parlamentares do governo de Kerensky, que mesmo implementando importantes reformas de carácter estruturante, não conquistou o coração do povo, e o governo social democrata durou plenamente uns 3 meses sem grandes revoltas. É necessário dizer que o contexto era de grande estímulo a gigantescas mudanças promovidas pela nova organização social do país. 

Os sovietes, suas comunas rurais, ainda eram vistas como herdeiras de alguma forma de poderio tzarista, por conta da tradição dos conselheiros monárquicos aldeões, que foi abolida e substituída pela estrutura dos comitês, ou seja, era visto como uma forma de política rural e provinciana.

4) Ideologia e Nacionalismo:

O que mais está presente na formação de uma certa ideia de unidade continental que está no cerne da formação da União Soviética seria o apelo as massas fruto desse nacionalismo, simbolizado na figura de combate desde Napoleão, pela França em 1812, que gerou o Movimento Decabrista em 1825, representados pela ideia  de identidade literária, como em Tolstói, Guerra e Paz, demonstrando certa visão cultural de povo mesmo já no século XIX. 

5) Povo, sociedade e etnicidade - O que é estrangeiro ou nacional?

Para o Russo do início do século XX, que era o povo 99% da população, apenas 1% era membro do extrato  monarquia e da elite, e o resto seriam praticamente miseráveis, mesmo depois da revolução de 1917, o país ainda convivia com fome e miséria, o argumento do texto é levantar a hipótese de que na data mais lembrada pela revolução russa, era a data exatamente do começo do autoritarismo do socialismo soviético. Ou seja, essa história serve para ensinar o carácter não romantizado e realista de qualquer revolução. Seria a ideia de que "nem tudo são flores", e que os edifícios institucionais de democracia precisam de longo caminho para serem edificados com louvor.

6) Ancestralidade russa:

O debate pode ter o ângulo da cultura e das diferentes etnias. O povo russo é um povo imigrantes e do movimento revolucionário em meio a cidades nascentes, era em meio ao contexto da ideia de debate em torno da figura do russo moderno. 

Podemos lembrar a herança ancestral de formação confederada, da dominação de Gengis Khan. De tal forma, que de maneira dentro da formação da identidade e etnicidade, o russo moderno seria filho de mãe eslava, e  pai mongol. a ideia dos Cossacos russos, mesmo eles que tinham papel principal como inimigos do tzar no ciclo antigo de expansão do território russo antigo, logo essa força seria a ideia símbolo da permanência da tradição, pois também viraram inimigos dos comunistas. Isso gerou um processo conhecido como "descossaquização", que foi uma política bolchevique. Dentro do processo revolucionário, a missão era abolir as classes sociais, e no meio disso, o povo cossaco foi visto como um povo que por seu estilo de vida e hábito, não poderia se adequar ao novo estado soviético. Os cossacos podem ser comparados com os tenentistas no Brasil. 

Ou seja, houve uma eliminação de um grupo que inicialmente tinha participado do processo revolucionário. Depois que houveram as cisões políticas, houve a perseguição. O termo cossaco vem do turco e significa "homem livre". O debate em voga é sobre quem é o povo russo verdadeiro e como eles são ou não parte do "comunismo soviético". Podemos ver como que os fenômenos se manifestam. Os debates além de serem em torno dos Bolcheviques e Sovietes, mas também em torno da massa territorial russa, e como ela se pensava enquanto nação. Quem está dentro e quem está fora? Houve diversos avanços econômicos e formação de estado e ideologia, mesmo com as crises periódicas de escassez. 

7) O sucesso do comunismo sempre em análise:

 em relação ao conteúdo programático dos estilos de historiografia em termos de ciência política e a relação dos estilos nacionais de história no meio disso. Ou seja, diferenças entre a historiografia russa, e a tradução de estudos franceses, que são a maior parte das fontes da área. 

 

8) Economia e Ciclos:

Os embargos econômicos que locais comunistas possam ter por não serem do "sistema-mundo", faz com que o sucesso histórico, ou se podemos dizer, sucesso cíclico, está em planejamento de longos ciclos. Como na ideia dos Ciclos de Kondratiev.  

Se pensarmos a ideia de viabilidade do socialismo, enquanto "cientifico", isso envolve planos econômicos, desenvolvimento de estratégias de produção e organização da vida social em geral, planos de meta, necessitam para o "sucesso do comunismo", um ambiente de auto sustentação, ou uma ideia de "substituição de importações", e mesmo assim, ainda há processos de fome. A questão não está em dizer que foram as revoltas populares que mudaram o mundo, mas que se o povo vive no contexto onde se chega ao ponto de querer revolucionar, é porque enquanto valor histórico coletivo agregado, esse povo está, contraditoriamente, mais preparado para fazer a revolução e abolir o que estaria antigo e arcaico na sociedade. Mas como nada é perfeita, é claro que na realidade houve sim corporativismo e autoritarismo na verticalização de poder de Stalin, mas isso foi depois. 

Houve uma grande gama de conquistas, algumas muito radicais e nunca antes experimentadas, como a morte dos membros das famílias reais. Isso tudo significa em última instância que o que é mais debatido é o melhor viés de uma mudança, e de uma revolução. visto comumente como tomado de poder do povo, nas palavras de Marx, a ditadura do proletariado, o autoritarismo era já comum na sociedade antiga, esse foi o problema. Houve certa retroalimentação de elementos autoritários e totais antigos na moderna e comunista União Soviética. 

09) Burocracia e Instituições X Revoluções:

A ideia seria que o primeiro ciclo revolucionário, social democrata, como parte de uma "elite culta" que fez uma revolução nas bases burocráticas do estado. Essas reformas, muito importantes para qualquer estruturação. Uma forma de reformismo parlamentar. No século XIX algumas dessas reformas como a abolição da servidão aconteceram. 

10) Polarização e Ação política:

A ideia de "polarização" teria obscurecido o estudo de revoluções. Acredito que o quis dizer é que essa ideia de lado vencedor, lado derrotado acaba virando o mote de todos os argumento em torno do debate. Por fim, concluo que a como a União Soviética, mesmo tendo uma história única e reflexiva, acaba sofrendo da própria essência do que é a história, que quando é de longa-duração percebe certas formas de permanecer tradições antigas, mesmo dentro de tradições modernas lampejos e resquícios daquilo que é tradicional. 


Bibliografia:

Aarao Reis Filho, Daniel. As Revoluções Russas de 1917 - Uma Revisão Necessária: 

TROTSKY, Leon. A História da Revolução Russa Tradução E. Huggies -  A tentativa da Contra-Revolução. Vol 2, 3° edição. Paz e Terra, 1980. 


Comentários

Em Alta no Momento:

Os Desajustados (The Misfits, 1961): Um faroeste com Marilyn Monroe e Clark Gable sobre imperfeição da obra do artista e o fim fantasmagórico da Era de Ouro do Cinema Americano

Rastros de Ódio (The Searchers, 1956): Clássico de John Ford é o maior faroeste de todos os tempos e eu posso provar

"1883" (2021): Análise e curiosidades da série histórica de western da Paramount

Um Morto Muito Louco (1989): O problema de querer sempre "se dar bem" em uma crítica feroz à meritocracia e ao individualismo no mundo do trabalho



Curta nossa página: