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Helena, de Machado de Assis: A ilegitimidade na família tradicional e o adeus de Machado ao romantismo


Em Helena (1876), Machado de Assis mistura romance, segredos de família e crítica social em uma trama que começa com uma herança e termina em revelação. Sob a aparência de um enredo romântico, o autor esconde uma história sobre origem, honra e os limites do amor em uma sociedade que olha por cima do ombro e cobra por uma moralidade inexistente, enquanto se espera por um problema para lavar a honra 


Muito antes de Manoel Carlos jurar que faria inesquecíveis Helenas escritas para lembrar da variedade do gênio feminino no Brasil e provavelmente inspirado na Helena de Troia, Machado de Assis imortalizava a figura de uma primeira Helena, aquela que viveu a ilegitimidade e foi condenada a sua revelia. Uma donzela sem controle, mas com toda a dignidade. A honra de sua partida soa como o paradigma de Ofélia de Shakespeare. 


Seu propósito final de vida não é romântico, ela não quer "se dar bem". É redentor, é de explicar como ela era "filha do pecado", mas mesmo assim honrada e bem criada. 


Era mostrar que as preocupações sobre ela eram pura inveja de uma personalidade intransigente, porém digna e confiável. Sua idealização de mulher perfeita somente acha na sua própria origem a desconfiança de uma legitimidade de conveniência que é posta a prova a todo momento.

 

A obra nunca teve uma adaptação em cinema forte, mas teve duas mini séries. Uma produzida pela TV Globo e outra pela TV Manchete (tv pública da época), além de uma adaptação em mangá da obra feito para novas gerações. O livro foi publicado em formado de folhetim pela primeira vez com publicação feita pelo jornal O Globo em 1876. 



O livro é uma defesa absurda do catolicismo no Brasil. Um chamado aos padres progressistas. No livro, é um padre que salva a menina da vergonha de ser descoberta em mentira e pior, de pareced para todos os efeitos que tinha um romance secreto com o escravo da casa, Vicente, que era seu amigo (podia ser namorado também), o livro não explica esse detalhe bem.

 

O conselheiro Vale morre e deixa em testamento o reconhecimento de uma filha até então desconhecida: a jovem Helena, fruto de uma relação fora do casamento com sua amante.  É desse livro a frase icônica "Beleza na mulher é como coragem no homem, mostra-se mais quando não está tentando mostrar". 


Ele deixa ordens para ela ser acolhida pela família legítima dele ao seu filho Estácio. Na casa, Helena conquista até a tia Dona Úrsula e passa a morar no casarão do Andaraí da família. O personagem do irmão é feito na esteira de um novo Bentinho (personagem de Dom Casmurro).  Vou tentar não dar spoiler do livro todo. Vou tentar fazer uma crítica levantando alguns pontos chave do livro, como personagens interessantes. 


O irmão que é acusado de sentimentos não saudáveis pela irmã adotiva. A mãe e o pai (biológico) de Helena mostram uma história de drama que faz qualquer um chorar. Um casal que veio do sul fugido da família e que não se casaram oficialmente. 


A mãe de Helena é descrita como "parte freira, parte bailarina", em outra visão perspicaz de Machado de Assis. Ele faz uma descrição pesada da relativização de costumes, sempre admitida como parte de um homem branco, rico e poderoso, mas sempre punida se for pensada para uma mulher. Dois pesos e duas medidas. Relativização moral e aceitação nunca vinda de qualquer pessoa diferente, ou de pessoas das camadas sociais mais pobres, sempre é apenas o rico que pode legitimar ou não. 


Há personagens como Estácio (que simboliza o pensamento "lacaniano" dos jovens filhos desses homens), mas há o progressismo do padre Melchior que protege Helena sabendo que ela nada tinha culpa de sua origem.  


Ao pai ir pra cuidar do velório do pai, não voltou mais pra família e daí quando voltou a esposa era amante de outro mais, mais rico e com mais condições, ele ele aceitou ficar longe da filha pelo seu bem. Quando Estácio conhece o pai biológico de Helena e vemos uma volta no tempo muito dolorosa explicando os descaminhos da família de Helena. 


Esse é o grande plot twist (revelação) de toda a estória. O que assombra Helena é um fantasma de legitimidade. Tudo é sobre isso. Sobre quem pode errar na sociedade e quem tem que fingir aparências. É o adeus de Machado ao romantismo no sentido mais bonito. Ele se despede em Helena dos seus romances tão crus, mas por isso mais originais do que as simples imitações melosas da literatura europeia. 


Machado se preparou para abandonar a sala do romantismo com esse livro, apesar de escrever ainda Iaiá Garcia (1878), para inovar tudo com o realismo de Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881).


É legal ver uma heroína como ela, apesar do trágico, vemos em Helena uma mulher completa, que entende, que não questiona, mas que ao perceber que sua historia de vida era impossível de entender, ela perde a vontade de viver e vemos aquilo do sacrifício feminino. 


Como seria receber uma filha bastarda na casa tradicional, e porque? Porque  a vontade de um falecido branco e rico tinha que ser respeitada. Mas isso não protegeria Helena, garota criada por ele como filha (a mãe de Helena era "amante oficial" do Conselheiro Vale), que passou a ter uma boa vida ao aceitar ser amante dele. 


Helena é uma heroína madura e diferente. Ela sabe do pecado dos pais e não quer fazer nada de juvenil. Ela cuida da casa e parece superar todos os preconceitos e conquistar a admiração de todos. A noivs de Estácio deixa de ser interessante por ser muito óbvia e superficial. 


Ela serve como oposição artificial a Helena, já que ela não quer competir mas ajudar a menina e o irmão. Ela não é ciumenta ou apegada, mas cuida com selo da casa e acaba sendo senhora de lá até que todos descobrem a origem dúbia que sua família teve e aí todos mudam e a abandonam sentimentalmente. 

Helena sabe cantar e tem mil talentos, sabe cavalgar melhor que os homens. Helena é pura, por isso absolvida por seu fim. Enquanto que Capitu é condenada pela permanência da dúvida como lição de moral. 


Mas seu irmão esquece Eugênia (sua noiva) e começa a se interessar pela irmã adotiva, querendo vetar seu casamento, ainda argumentando ela escondia amizades. Luis era um médico que se apaixonou por Helena, mas desiste quando descobre sobre seu passado. 


De qualquer maneira, vemos o resultado do moralismo de uma sociedade meio largada a sorte de seus arquétipos mais sombrios, o homem que trai, o casal que foge e se separa, a mulher separada e por fim, a amante de luxo conquistada pelo sistema por um homem que pôde prover pela sua filha quando o pai estava ausente. 


É Machado fazendo quase uma propaganda de um progressismo no catolicismo e chamando por uma autonomia na igreja de decidir ficar ao lado dos mais fracos e não dos mais poderosos e suas sinas inexplicáveis. O padra podia pensar como Estácio, mas decide ficar ao lado de Helena, mas ela mesmo não quer viver naquele mundo cruel. Sua expiação é uma lição na moralidade em si. 


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