Na cena inicial, dois assaltantes mascarados obrigam um telegrafista a enviar uma mensagem falsa para que o trem faça uma parada imprevista. Os ladrões entram no vagão do correio e, depois de uma briga, abrem o cofre. Eles param a locomotiva e rendem os passageiros. Os assaltantes escapam a bordo da locomotiva, enquanto o telegrafista manda uma mensagem para o saloon.
Até então, o público estava acostumado a ver cenas estáticas, quase teatrais. Porter, no entanto, ousou editar diferentes tomadas para criar uma sequência lógica e dinâmica, misturando ação, tensão e consequência — algo inédito para a época.
O impacto do filme não se deve apenas ao seu enredo de faroeste, mas principalmente às inovações técnicas. Porter utilizou cortes paralelos para mostrar ações que ocorriam em locais diferentes, um recurso que se tornaria base da montagem cinematográfica. Ele também experimentou movimentos de câmera, filmagens externas e até efeitos especiais rudimentares, como o momento em que um bandido é atingido e cai dramaticamente.
Um dos detalhes mais marcantes e frequentemente citado é a cena final, em que o bandido (interpretado por Justus D. Barnes) dispara seu revólver diretamente contra a câmera (foto da capa desse artigo). Esse plano, que podia ser exibido no início ou no fim da projeção, quebrava a quarta parede e deixava o público em choque, simbolizando o poder do cinema de confrontar e surpreender o espectador.
Mais do que um western, O Grande Roubo do Trem é um marco da linguagem cinematográfica. Ele pavimentou o caminho para diretores como D.W. Griffith e demonstrou que o cinema podia ir além da curiosidade técnica: podia contar histórias, gerar emoção e criar cultura.
Entretanto, nem tudo é perfeito. Dois detalhes chamam atenção para a moral e forma de pensar da época. De um lado, a venda do progresso: os bandidos só são pegos graças a utilização do telégrafo, vendendo a ideia de que só o progresso da comunicação poderia combater injustiças. De outro lado, o final amargo para os ladrões, que apesar de serem os protagonistas, não podem se safar e são mortos no final, revelando a moralidade da época.
Apesar de sua simplicidade, o filme continua sendo uma aula de narrativa visual. É o ponto de partida de tudo o que entendemos hoje como cinema de ação, com perseguições, heróis, vilões e montagem rítmica. Ver O Grande Roubo do Trem é revisitar o momento em que o cinema descobriu sua imagem.
Curiosidades sobre O Grande Roubo do Trem (1903)
Antes de The Great Train Robbery, o cinema era dominado por curtas simples e cenas únicas, como as da Edison Company e dos irmãos Lumière. Cineastas como Georges Méliès e o grupo britânico Brighton School começaram a explorar narrativas mais complexas e montagem criativa.
Edwin S. Porter, o diretor, trabalhava originalmente fabricando câmeras e projetores. Depois de um incêndio em sua oficina, ele foi contratado pela Edison e passou a dirigir filmes, inspirado por A Viagem à Lua e outras produções europeias.
Antes de realizar O Grande Roubo do Trem, Porter já havia feito filmes com narrativa elaborada, como Life of an American Fireman (1903), e colaborou com G.M. Anderson, futuro “Broncho Billy”, primeiro astro do faroeste.
A trama do filme foi inspirada na peça “The Great Train Robbery” (1896), de Scott Marble, e em assaltos reais de gangues como as de Butch Cassidy e Bill Miner. Filmes britânicos de perseguição, como A Daring Daylight Burglary (1903), também influenciaram seu estilo.
As filmagens ocorreram em Nova York e Nova Jersey, com cenas externas na Reserva South Mountain. O ator Justus D. Barnes protagonizou o famoso close final atirando contra a câmera, um dos primeiros usos de um “choque visual” no cinema.
O filme foi um enorme sucesso comercial, exibido em teatros de vaudeville e nos primeiros Nickelodeons da história. Tornou-se uma das produções mais populares antes de 1905.
Apesar da fama, Porter não criou o faroeste como gênero: ele apenas consolidou várias ideias já existentes e deu forma ao cinema narrativo moderno.
O close de Barnes inspirou gerações: de James Bond à cena final de Os Bons Companheiros (1990), muitos cineastas o homenagearam.
Em 1990, o filme foi incluído no Registro Nacional de Filmes dos EUA, reconhecido como um marco definitivo da história do cinema.
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