A Ilha Perdida de Maria José Dupré: A modernidade e o gênero de aventura em um clássico infantojuvenil que marcou muitas gerações
Dois jovens, Eduardo e Henrique, resolvem explorar uma ilha misteriosa no rio Paraíba. O que parecia apenas uma aventura se transforma em uma jornada de descobertas, perigos e amadurecimento. Perdidos, cada um vai para um canto, Henrique conhece Simon (do tipo asceta e antigo morador da ilha), enquanto o outro garoto ficava na praia construindo uma jangada. No fim, os garotos são resgatados e voltam para os braços da família. Mas não esquecem os ensinamentos da ilha mágica.
Maria José Dupré foi esposa de um engenheiro e passou a publicar estórias infantis primeiro em 1944 com "A Ilha Perdida", uma metáfora do Brasil entre a modernidade e a tradição, entre o campo e a cidade.
A autora havia publicado "Éramos seis" em 1943, uma história emocionante sobre São Paulo na Segunga Guerra. É uma das minhas autoras favoritas de todos os tempos, era esposa de um engenheiro e publicou já adulta suas obras consagradas.
A ilustração do livro foi feita por Edmundo Rodrigues, um cara foi um roteirista editor de historias em quadrinhos. A primeira edição do livro, que traz a capa com arte de Ary Almeida Normanha, foi publicada em 1944 pela Editora Brasiliense. Uma edição bem mais simples e assinada com o nome do marido da autora, a capa e desenhos feitos depois ficaram muito melhor.
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A capa da primeira edição, de 1944. |
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Quadrinho feito pelo mesmo ilustrador, Edmundo Rodrigues, criador de super herois regionais. Publicado em Setembro de 1958. |
Acredito que esse foi o primeiro livro que li e reli mais de 20 vezes. Existem muitos filmes que bebem nas alegorias similares, mas a ideia original parece de uma escrita como a dela, também similar a Mark Twain.
Li essa semana de novo e me impressionei com a atualidade e a rara coesão do livro. Você ainda vê mais camadas do que quando leu na infância.
Indico como primeira leitura para crianças e adolescentes como foi para mim. É um livro sobre independência e maturação e que completamente quer falar sobre a modernidade e a sensação de progresso para novas gerações, além de levantar a ideia de progresso e nativismo como parte de uma experiência pessoal.
Além de óbvias metáforas sobre a modernidade e seu significada para as novas gerações. Outro detalhe são as artes de ilustração, que são lindas e fazem você imaginar ainda mais o que está lendo. Como se fosse um gibi.
Existe todo um conhecimento de frutas, aves e plantas que aprendemos com esse livro. Os jataís, as frutas pão (uma árvore do pacífico plantada por Simon) são citadas como parte do ambiente da ilha.
Tem também o pão-de-ló-de-mico que é uma planta trepadeira usada para curar coceiras. Com uma flor amarela muito viva (também chamada Stizolobium ou Dioclea em alguns registros com nome em latim), típica da Mata Atlântica. O nome popular vem do aspecto fofo da flor.
A Fruta-pão é uma árvore exótica, originária da Ásia e Oceania, mas já cultivada no Brasil, como é o caso de Simon que trouxe uma muda da planta quando se mudou pra lá, 20 anos antes dos eventos do livro.
Simon também criou um universo onde quase ele era o presidente desse país (da ilha) e fez até uma telegrafia sem fio com ajuda dos animais, seus únicos e verdadeiros amigos. Há uma mensagem contra os caçadores em geral e um ensinamento bonito sobre morte e fases da vida.
A inspiração vem do gênero de aventura, consagrado em livros clássicos como Moby Dick e Robinson Crusoé abordam a mesma questão de chamada para aventura e comparações de graus de civilização. Também há uma espécie de jornada do herói vindo da civilização que se encontra com o mito do não civilizado desejável, mas que sofre percalços e aprende lições que levará para a vida, como obedecer mais aos pais ou preservar a natureza e os animais.
Logo no início vemos Quico e Oscar as crianças menores dizendo que o sonho delas era ir a ilha mas como eram pequenos não podiam. Os padrinhos falavam que quando ficassem mais velhos eles podiam ir. Logo, faz sentido os dois garotos de 12 e 14 anos ir fazer uma expedição secreta na ilha. O primeiro capitulo é "A Ilha Perdida", o segundo "Na Ilha", depois "A Noite na Ilha".
Depois vem o capítulo "A Enchente", com eles chegando na ilha em meio a tempestade e já não conseguindo manter o barco na margem. Ele já chegam e perdem o barco. O segundo se chama "Abandonados" e descreve com realismo como é desesperador o ato de se perder e ficar sem comida e remédios e não saber se se está seguro.
Seguido pelo capítulo "A Ilha Tinha Habitantes" seguido por "Henrique pensa que está sonhando", seguido pelo meu capítulo favorito "A estranha vida do homem barbudo", seguido por "no mundo da macacada" envolve uma interessante metáfora sobre punir no caso de roubo e uma espécie de julgamento que imita qualquer julgamento. Segue-se o capítulo, "Henrique continua prisioneiro", "Morte na Ilha" marca uma tristeza real e honesta de Henrique.
Quando ele aprende a metáfora da morte é quando ele está pronto para voltar pra casa. Temos o capítulo A Volta, depois "Histórias de Henrique", onde todos perguntam sobre a ilha para Henrique e ninguém praticamente acredita nele. Próximo capitulo é "Vera e Lúcia, Pingo e Pipoca chegam a fazenda". Os mais jovens chegam e em conjunto se organizam uma grande expedição de volta para a ilha, uma espécie de domesticação da aventura. Segue-se o capítulo "A Expedição".
Nessas estórias antigas esse é o ensinamento e A Ilha Perdida mesmos sendo uma inocente estória de aventura, obstáculos, aprendizados e temores, é muito justo ponderar a influência de George Orwell de Revolução dos Bichos. Principalmente no capítulo do julgamento da bicharada.
Os nomes dos macacos era 1 2 3 4 5, que ficaram com Simon por ele ter cuidado deles quando pequenos. Também tinha na gruta (caverna secreta) um criadouro de capivaras (e usava o óleo delas para iluminar a gruta).
A metáfora dos macacos é conhecida por alguns, é uma metáfora de um experimento realizado que reparou que trancados e não soltos macacos que sofreram um ensinamento de algo que impede que eles pegassem a comida na escada. Como todos viram o castigo, ninguém se rebela, até chegar um novo macaco que seja "rebelde" e tente ir embora. No livro, o ato de ir a ilha é questionado como o ato de voltar a civilização também é.
O julgamento dos animais e a metáfora política
Confirmamos a ideia de comparação na parte do julgamento dos macacos. Origens de estudos futuros sobre comunicação política. A ideia é como a cultura pode ser transmitida através do estímulo e da chamada dissonância cognitiva. É muito profunda a mensagem da autora e mostra uma leitura mais uma vez afininada com as últimas tendências em voga no mundo literário.
Quando Simon libera Henrique para voltar para casa, faz ele prometer nunca machucar oa animais, e que cada sociedade se mede o grão de evolução por quanto se faz pelos animais.
Quando Henrique e Eduardo se encontram de novo eles usam a jangada feita por uma ferramenta (o machado de Simon), única prova da estória contada por Henrique, ficando como uma metáfora de que a ferramenta faz o ofício.
Os dois primos eram jovens audaciosos e vindos da capital, nessa época usavam o paletó como qualquer garoto bem nascido. Eles chegaram na casa e beijam Eufrasina, a cozinheira da casa que prepara uma grande refeição a pedido deles.
Os dois mesmo sabendo da proibição em torno da ilha, resolveram arriscar uma expedição. Pensaram em tudo, na laranjada, no ovo, na corda que pediram ao japonês da fazenda, o senhor Nhô Quim.
A cozinheira, os animais, o homem oriental são símbolos arquétipos de América e hierarquia social, os garotos buscam conhecimentos é onde os garotos vão buscar ajuda com uma corda, o japonês dá uma corda velha aos meninos e Eufrasina prepara a comida. Quando um dos garotos volta e tenta construir a jangada de novo, ele pega uma machadinha emprestada dele, mas não consegue fazer de novo o feito, já que a necessidade fez o garoto produzir segundo falaram, ele justificou dizendo que os cipós da fazenda eram mais duros e menos maleáveis que os cipós da ilha.
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A Ilha e a fazenda no interior de São Paulo
A autora buscava de maneira leve abordar um ideal de infância perdida e ela constrói todo um universo de personagens que se repetem. Essa ideia de família grande e paulista. Vale perceber como a aventura é lidada na família.
Eles viajam para a área de Taubaté (interior e arrumam um barco velho largado para ir até a ilha que ouviram estórias sobre depois da volta dos meninos. Ninguém conta aos pais da capital, mas colocaram todos os empregados para procurar os garotos mas só acharam quando eles mesmos construíram o meio para sair da ilha.
Simon simboliza o ideal de esquerda ou progresso perdido no meio da Segunda Guerra. A civilização entrava em colapso por conta das guerras e fugir para a ilha (o naturalismo) parecia uma boa ideia para construir uma ideia de país. Encontrar com ele seria como quando Buda recusou as riquezas do mundo e encontrou a iluminação através da completa abdicação dos bens materiais. O livro chega a citar essa efervescência pulp dos quadrinhos como uma referência ao comparar Simon com Tarzan.
Pensa esse lugar de dois jovens de classe média que viajam para uma zona rural onde está parte mais conservadora da família, dito "os padrinhos" dos dois. Enquanto estavam perdidos, funcionários da fazenda procuraram por eles e acharam quando eles tentando voltar na jangada construída por um deles.
Na volta, os dois contam duas experiências da chamada "jornada da aventura do herói", Um dos garotos tem uma experiência arrebatadora, quer levar o machadinho e as sandálias que ele fez mas Simon tem medo de ter sua casa invadida por pessoas que poderiam matar os animais da ilha, ele tem uma onça que vigia sua gruta, um papagaio medroso com cobras chamado Boni e o veado Lucas.
Fases da vida e a ideia de morte
Em um dos capítulos mais emblemáticos "Morte na Ilha", uma pequena veadinha morre com um tiro na cabeça dado por caçadores. Mesmo tentando de tudo, a morte deixa todos tristes e Henrique também. Ele pede para voltar para depois desse capítulo. Simon ainda brinca que ao ele contar que conheceu um homem barbudo, vegetariano e que vivia entre os bichos era demais e ninguém acreditaria nele. Também dá o último conselho ao garoto, para nunca maltratar os animais depois de ver o animal ferido de caça.
No fim, os padrinhos resolvem com as outras crianças da fazenda fazer uma expedição oficial para a ilha. Aqui há uma metáfora de que é preciso conquistar a imaginação, então a tradição tentar entender o futuro, como uma ilha mágica a parte.
A época da publicação e o contexto político
O Brasil se Getúlio Vargas, em 1944 passava por uma época de ditadura militar que existe para além de Vargas. Muitos autores se sentimos perseguidos no regime e reclamavam de censura que perseguia a maior parte da esquerda, com exceção do PSB. Reclamavam com a razão de entender que comunismo e socialismo eram vocabulários e debates entre sociedade e civilização que não chegavam mesmo ao mercado editorial, ainda mais o infantil.
Mesmo com toda crítica ao getulismo, foi uma época de nacionalismo e isto está presente na tentativa de fazer um clássico a aventura nacional que abordasse ideologia para jovens e foi muito bem recebido. Sendo um clássico que é atemporal para gerações futuras mas que debate muito sobre estilo e gênero em sua época.
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