A Escola como Prisão: Como a disciplina e os Saberes Auxiliares articulam o poder e engessam a educação
Quem foi Michel Foucault? Em primeiro lugar, grande sociólogo e historiador francês e pesquisador da sociedade contemporânea, sabia ele mesmo da revolução causada por Pierre Vernant, Foucault aprendeu e usou umas lições para o seu livro de História da Sexualidade, marcante por abordar a ideia do biopoder (é relacionado com família, saúde e natalidade) e as formas de disciplinar indivíduos e ordenar populações.
Conheci sobre Foucault antes da faculdade, logo no ensino médio, tive a experiência de ler já Vigiar e Punir, sendo uma leitura fundamental para entender como toda a humanidade é regida pela natureza da norma.
Michel Foucault publicou também sobre educação em vários locais, alguns menos como em Vigiar e Punir em 1975, já outra nas aulas do Collège de France (A sociedade punitiva, 1973).
Os outros livros significativos é Microfísica do Poder (1979, coletânea de entrevistas e artigos) traz reflexões sobre instituições, inclusive a escola. A Verdade e as Formas Jurídicas (1973, conferência histórica feita no Brasil) discute saberes auxiliares, poder e normatividade. A Arqueologia do Saber (1969) metodologia sobre como se estruturam os discursos.
Vigiar e Punir é o texto mais conhecido por abordar a norma como a orientação central. É a norma que articula as disciplinas e os outros mecanismos de controle.
“A norma é a medida a partir da qual se avalia, se hierarquiza e se sanciona. É em torno da norma que se exerce o poder disciplinar.”
(Vigiar e Punir, 2ª parte, cap. II — “Os meios do bom adestramento”).
Mais do que falar que escola parece prisão, é interessante pensar que na verdade, todas as instituições podem emanar o poder de controle disciplinar. A disciplina que ordena o poder é multifacetada e se entende por toda a sociedade.
Mas a sua obra serve para entender sobre a sociedade atual e o surgimento da sociedade dessa chamada sociedade disciplinar. As sociedades antigas buscavam punir pelo exemplo, através do suplício, normalmente em praça pública. Nessa época, o crime de lesa pátria era igual a ofensa aos reis, também um dos motivos pelo qual foi tão forte a transformação posterior a Revolução Francesa.
A importância é por entender o poder como ramificação disforme. Ás vezes você não tem problema com o coronel, tem problema com o soldado ou cabo para dar o exemplo. É isso que Foucault fala que atualiza o marxismo que vê poder como um bloco monolítico parado, vindo de cima para a baixo.
Aí talvez estaria o poder e isso tem ligação com os saberes auxiliares. Para se internar alguém consta o laudo do psiquiatra, mesmo aquele indivíduo que seria assassino ou psicopata passa por acompanhamento para tentar descobrir a patologia específica por trás.
Dando contexto sobre o motivo da matéria é a reflexão de como ás vezes mesmo quando a esquerda está no poder reproduz a lógica normativa e enferrujada do sistema de educação da direita capitalista, que assume de maneira que existe diferença de tratamento e enquadramento dependendo da classe do aluno ensinado ou questionado.
Gerando os ideais engendrados de "meritocracia" na sociedade. Nisso, entramos com a ideia de exames e documentação em geral. Há a necessidade de fiscalização da sociedade, mas até que ponto a fiscalização é mais uma exclusão do pobre nos espaços que em termos de direitos deveriam ser considerados pertencentes ao povo, não considerados um favor.
O que se debate na educação seria o nível de atenção dos alunos, que seria prejudicado atualmente pelo uso indiscriminado de telas, mas vale lembrar que isso pode ser controlado pelas famílias e usado para o próprio ensino das crianças que estão nas primeiras letras, por exemplo.
Os saberes auxiliares são a regra e a métrica de construções milenares de poder. Desde de ajoelhar no milho e passando para a palmatória, educar sempre fora moldar para um ideal, antes era a educação moral e religiosa, católica e depois passou a ser a referência do flagelo e da auto suficiência protestante. O Estado moderno passou na evolução da sociedade antiga e estamental para as sociedades disciplinares de controle.
Foucault mostra que as instituições disciplinares (prisão, escola, exército, hospital) não funcionam só pela força bruta, mas pelo acúmulo que dá legitimidade ao controle, traduzindo a ideia para se entender, Foucault fala do surgimento do "tapa com luva de pelica", dado pela virada da sociedade tradicional progressivamente se converter em uma sociedade de eterna celebração do apogeu da burguesia.
O próprio código napoleônico para ele demonstrava a criação de ideais burgueses de proteção a propriedade privada em conjunto, é claro, com o nascimento insipiente das prisões. Ele associa o início da era do dinheiro e dos burgueses com o vertiginoso aumento do encarceramento.
Na prisão, há a criminologia, psiquiatria, psicologia: o criminoso vira objeto de estudo. Na escola, pedagogia, psicometria, estatísticas de rendimento: o aluno é medido, classificado, comparado.
Na prisão moderna, há diversas técnicas de separação, ideia de bom comportamento e redução de pena fazem parte das mitigações progressivas. Além da estrutura desigual do panóptico (estrutura arquitetônica que facilita a visão dos prisioneiros sem que eles vejam de volta), é então reproduzido para todas as outras área da sociedade com os mesmos mecanismos de controle.
No hospital, saber médico seleciona o corpo e a saúde como objeto de intervenção do especialista. Essa é a parte mais interessante da ideia da "microfísica do poder"
Foucault faz uma genealogia das formas de punição e mostra como o poder deixou de se concentrar apenas em castigos físicos/espetáculos públicos e passou a se infiltrar nas instituições do dia a dia — prisão, hospital, quartel, fábrica e, claro, a escola.
Alguns pontos chave para entender a associação entre sociedade punitiva, disciplina e educação:
A Sociedade punitiva não é assim sem motivo, os indivíduos são adestrados para se tornar “úteis e dóceis”, tem suas "asas aparadas". Depois que isso é feito e os métodos se educação não dão mais certo, aí culpa-se o aluno pelo o comportamento ao qual ele próprio foi condicionado.
É um ciclo sem fim. Mas para além do que Foucault falava, acho necessário falar sobre a atenção e o amor na educação como formas implícitas. Não amor aos alunos, pois são estranhos, amor a titularidade do aluno como cidadão que precisa ser estimulado sem ser constituído como algum inimigo. Assim, é necessário fiscalizar e orientar as situações de bullying, pois são esses os casos onde traumas impedem o desenvolvimento cognitivo e aprendizado em geral.
A punição deixa de ser só dor física e passa a ser vigilância, notas, relatórios, advertências, exclusões.
Assim a escola lembra ás vezes uma prisão em seus mecanismos contínuos de controle: a metáfora vem justamente do fato de que a escola e a prisão compartilham os mesmos dispositivos disciplinares: arquitetura: salas em fila, grades, pátios vigiados, horários rígidos, cobrança por falta e perda da vaga cobrados pelas secretarias de educação, mas os dispositivos estão nas mãos do magistério junto a classe patronal.
A confiança no magistério não é o ponto dessa matéria, mas é possível apontar que existem os bons professores e existem os maus professores, quando vira uma classe acima do povo ou dos comuns fica difícil ver democracia em uma atividade fundamental para o desenvolvimento de qualquer nação. Claro que isso chama-se ser doutrinário pelo comentário mal informado.
Mas a pesquisa desse incrível autor demonstra acima de tudo, apesar da dicotomia óbvia entre bons e maus, que existe um poder subterrâneo, burocrático e engendrado que sobrevive a governos e coordenada diversos setores da sociedade.
Os funcionam como julgamentos constantes, comparando, classificando, punindo e premiando. Controle do corpo: postura, silêncio, obediência, movimentos cronometrados.
Vigilância difusa: professores, inspetores, regras internas, tudo funciona como um panóptico em miniatura, que pode ser inocente, mas verifica e separa, normalmente os mais pobres é que sofrem.
Quer que eu te faça um paralelo rápido, tipo um quadro comparativo escola prisão, pra ficar bem visual?
Saberes auxiliares
Foucault mostra que as instituições disciplinares (prisão, escola, exército, hospital) não funcionam só pela força bruta, mas pelo acúmulo de saberes técnicos que dão legitimidade e eficácia ao controle: Na prisão criminologia, psiquiatria, psicologia: o criminoso vira objeto de estudo.
Esses poderes disciplinares fazem proliferar um saber: saberes sobre o corpo, sobre a infância, sobre a sexualidade, sobre os comportamentos; saberes que se tornam auxiliares e que, por sua vez, reforçam os mecanismos de poder.
Aqui Foucault critica como, junto com a disciplina, surge uma obsessão em especializar os campos de saber, dividindo, classificando e produzindo especialistas baseados em noções de moral pretensas como universais. O que Foucault consegue demonstrar em sua obra é a regência capilar e micro capilar da ordem e da norma, dois dispositivos indispensáveis ao capitalismo. Em outras palavras, estresse o pobre com tudo que você puder, todas as dificuldades que possa criar para o pobre não ser ameaça aos ricos em geral. É uma padronização, um exercício eterno de dominação subterrânea.
Cada instituição fabrica especialistas: pedagogos, psicólogos escolares, diretores, inspetores. A punição deixa de ser só moral ou jurídica: passa a ser “científica”, apoiada em exames, diagnósticos, relatórios.
“O exame combina as técnicas da hierarquia que vigia e as da sanção que normaliza. É um olhar normalizador, uma vigilância que permite qualificar, classificar, punir. Estabelece sobre os indivíduos uma visibilidade através da qual se os diferencia e se os sanciona.”
Já os Saberes auxiliares = ciências que dão legitimidade à disciplina (pedagogia, medicina, criminologia).
O que é a microfísica do poder? Não se trata de um “poder” único que desce de cima para baixo. O poder é difuso, múltiplo, local, presente em pequenas relações (professor-aluno, médico-paciente, chefe-operário). Ele atua em micro práticas do cotidiano: no horário escolar.
A especialização também é uma forma de especulação, no sentido de olhar minucioso sobre os corpos, gestos e condutas.
O exame combina as técnicas da hierarquia que vigia e as da sanção que normaliza. É um olhar normalizador, uma vigilância que permite qualificar, classificar, punir. Estabelece sobre os indivíduos uma visibilidade através da exemplificação.
Então como vivemos em sociedade sem esses mecanismos de controle? Essa é uma pergunta que eu não tenho resposta. Mas pensando em sociologia, a primeira instituição é a família, a segunda é a escola, logo a norma da criação está presente moldando o indivíduo, produzindo uma identidade e um procedimento para tudo. Mas como ter a norma na sociedade sem que ela seja instrumento de dominação e diferenciação social? Como levantar dados sem punir, como fiscalizar sem o peso do martelo do juiz pender para famílias mais pobres? Essas são minhas reflexões.
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