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Black Sabbath (1970) - Análise


No final dos anos 60, a Inglaterra estava imersa em transformações culturais e sociais. O movimento hippie pregava paz e amor, mas a realidade da classe trabalhadora de Birmingham, cidade industrial marcada por fábricas, fumaça e desemprego, era bem diferente. Foi nesse ambiente cinzento que quatro jovens — Ozzy Osbourne (vocal), Tony Iommi (guitarra), Geezer Butler (baixo) e Bill Ward (bateria) — cresceram.


O Ozzy cresceu em Aston (Birmingham), numa família muito pobre, trabalhando desde cedo em fábricas e pequenos serviços. Na adolescência, com pouca perspectiva, ele acabou se metendo em pequenos furtos. Uma dessas foi um roubo em uma loja de roupas e equipamentos. Resultado: foi preso e passou cerca de seis semanas na prisão de Winson Green.


Quando saiu, ele queria realmente tentar algo na música. Só que ele não tinha dinheiro para instrumentos. Foi aí que seu pai, Jack Osbourne, fez um esforço enorme e comprou para ele um amplificador (às vezes também contado como um pequeno microfone + amplificador improvisado). O detalhe é que o pai marcou as letras "O.Z.Z.Y." no equipamento com uma ferramenta de solda, para o caso de o filho tentar vender e alegar que era roubado — já que Ozzy tinha fama de aprontar.


Esse gesto foi determinante, pois deu ao Ozzy os primeiros meios para cantar em bandas locais.


Foi com esse equipamento que ele se anunciou em anúncios de jornal procurando músicos (“O.Z.Z.Y. Zig Needs Gig” era a forma como ele assinava).


Esse anúncio acabou levando ao encontro com Tony Iommi e Geezer Butler, que mais tarde formariam o Black Sabbath.


Ou seja, se não fosse esse amplificador dado após a prisão, talvez a banda nunca tivesse acontecido da forma como conhecemos.




Tony Iommi, aprendiz de soldador, sofreu um acidente que mutilou as pontas de dois dedos da mão direita. Isso poderia ter encerrado sua carreira, mas ele adaptou o jeito de tocar, criando um som mais pesado e sombrio — ironicamente, a limitação virou um diferencial sonoro.


Geezer Butler, apaixonado por ocultismo e filosofia, foi quem trouxe as letras densas e sombrias, abordando temas espirituais, políticos e existenciais.


Bill Ward, com seu estilo cru e visceral, foi o motor rítmico da banda, mais próximo do jazz do que do rock convencional.


Antes de se chamarem Black Sabbath, tocaram covers sob o nome Earth. A mudança de nome veio inspirada em um filme de terror italiano de Mario Bava: I Tre Volti Della Paura, ou As Três Máscaras do Terror ou Black Sabbath nos EUA. Eles perceberam que as pessoas pagavam para sentir medo. Eles decidiram: “E se a gente fizesse música que causasse o mesmo impacto de um filme de terror?”.


Assim nasceu a banda e o disco Black Sabbath, lançado em 13 de fevereiro de 1970 (uma sexta-feira 13), praticamente considerado o ato de fundação do heavy metal.


A capa do álbum e suas lendas


A capa do álbum Black Sabbath (1970) mostra uma casa sombria à beira de um rio em Oxfordshire (a Mapledurham Watermill), envolta por uma atmosfera enevoada. Em frente à casa, há a figura de uma mulher de preto, pálida, olhando diretamente para a câmera.


Durante anos, os fãs especularam sobre quem era essa mulher. Algumas versões diziam que era uma camponesa local, outras que se tratava de uma modelo contratada pela gravadora Vertigo.


Mas a lenda mais famosa é que a modelo nunca mais foi vista depois da sessão de fotos. Segundo essa versão, ela teria desaparecido misteriosamente, aumentando a aura sombria do disco.


Oficialmente, os fotógrafos Keith Macmillan (mais conhecido como Keef) e a equipe de design já disseram em entrevistas que era apenas uma modelo contratada para a sessão, mas nunca revelaram seu nome. A ausência de registro alimentou ainda mais os rumores.




Faixas de destaque:


"Black Sabbath": O álbum começa com um som de chuva ao fundo, muito bem sonorizado com o ruído do LP. A abertura do disco é um verdadeiro manifesto. 


Antes mesmo do Sabbath estourar, o Geezer, como disse, era obcecado por ocultismo. Ele lia livros sobre magia negra, espiritualidade e até chegou a pintar o próprio quarto de preto, colocando cruzes invertidas, caveiras e símbolos esotéricos.


Um dia, ele recebeu de presente (alguns dizem que foi da namorada, outros que comprou em um sebo) um livro raro de ocultismo. Segundo a versão mais contada, era um grimório (um livro de feitiços).


Nessa mesma noite, ele deixou o livro em cima da mesa de cabeceira e foi dormir.


Durante a madrugada, Geezer acordou e, segundo ele mesmo, viu uma figura sombria de pé aos pés da sua cama. Era uma silhueta escura, imóvel, observando-o. Ele ficou paralisado de medo.


Quando acordou de manhã, o livro tinha desaparecido misteriosamente. Nunca mais o encontrou.


Essa experiência o marcou tanto que inspirou a letra da faixa de abertura do álbum, "Black Sabbath", que começa justamente com a sensação de pavor de se deparar com algo maligno. O trecho descreve a presença dessa “figura de negro” (“What is this that stands before me? / Figure in black which points at me…”).


O uso do trítono (intervalo do “diabo”) e a atmosfera lenta, pesada e apocalíptica criam a sensação de horror. É quase como ouvir um ritual musical.


"The Wizard": Ozzy toca gaita, dando um contraste inesperado ao riff hipnótico. A música mostra que o Sabbath ainda tinha raízes no blues, mas já com uma aura de escuridão e peso musical. A bateria dessa música soa desritimado e ao mesmo tempo genial. Na verdade, essa faixa entrega de maneira geral o lado cru da banda, que justamente remonta ao experimentalismo do jazz.


"Behind the Wall of Sleep": letra influenciada por H. P. Lovecraft, trazendo a influência em literatura sombria que seria constante na banda.


"N.I.B.": talvez a mais memorável. O solo de baixo de Geezer é visceral e abre caminho para um riff que virou assinatura do gênero. A letra que  mencionava Lúcifer diretamente, causou polêmica na época.


"Evil Woman": cover de uma banda obscura americana (Crow). É a única faixa que destoa um pouco do conjunto, mas ajudou a atrair ouvintes mais acostumados ao rock da época.





Entretanto, mais do que qualquer coisa o disco foi uma inovação estética: nunca antes o rock tinha soado tão sombrio, assustador e denso.


Cada membro trouxe um elemento único de sua vida que ressaltavs no som (Iommi com riffs pesados, Ozzy com interpretação inconfundível, Butler com letras profundas, Ward com batidas originais).


O disco foi gravado em apenas dois dias, com mínima edição, o disco soa cru, quase como um show ao vivo. Dali nasceu não só o metal, mas várias ramificações (doom, stoner, sludge).


Claro que a produção simples, de baixo orçamento, mas justamente isso que dá o charme da gravação. Algumas faixas são mais jam sessions estendidas do que composições estruturadas.


Esse disco mudou a história da música. Foi o primeiro a transformar o terror em som. Enquanto o rock da época falava de amor, psicodelia e rebeldia juvenil, o Sabbath trazia medo, pecado e apocalipse.


Criou a base do metal como estética cultural: riffs pesados, atmosfera obscura, identidade ligada ao lado marginal e proletário da sociedade. Sua influência no mundo da música é amplíssima: Inspirou incontáveis bandas, de Metallica a Nirvana conhecidas. Consolidou a ideia de que a limitação (como o acidente de Iommi) pode ser transformada em força criativa.


Nota final:


5 / 5 estrelas O primeiro álbum do Black Sabbath não é apenas um disco: é um ato de fundação cultural. Um reflexo da Inglaterra industrial do fim dos anos 60, da marginalidade social e do desejo de romper com a estética hippie. Mesmo com produção simples e faixas às vezes desiguais, sua importância histórica e impacto cultural são gigantescos. É um álbum que não apenas iniciou um gênero, mas moldou a sonoridade de décadas.


Ouça aqui:

 

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