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Fallout (2024): Análise e crítica da primeira temporada da nova série do Amazon Prime

 


Duzentos anos após o apocalipse nuclear, os mais ricos conseguiram fugir para luxuosos abrigos subterrâneos chamados de Vaults, mas agora por várias adversidades, os moradores são forçados a deixar os bunkers e enfrentar uma realidade brutal e violenta onde a radiação é apenas uma das grandes ameaças




Essa adaptação de Fallout é muito interessante desde sua ideia original. Transformar o universo dos jogos em audiovisual é muito interessante em si, pois os jogos de Fallout já faziam diversas referências a filmes. 


Eu já comentei de Fallout aqui no blog diversas vezes antes de se tornar uma série. Eu só joguei o Fallout 3, que funciona como uma espécie de novo começo para a franquia uma vez que é o primeiro jogo da saga a se tornar em primeira/terceira pessoal, abandonando a visão isométrica dos jogos anteriores. Eu joguei e conclui o jogo na época da pandemia, muito conveniente por sinal pois muitos elementos do jogo se refletem muito no contexto social e político dos últimos anos. 


A primeira vez que falei de Fallout aqui foi quando eu analisei o filme O Mundo em Perigo (Them!, 1954). O jogo faz referência direta a esse filme em uma das missões secundárias do jogo, assim como a diversos outros filmes, Star Trek II: A Ira de Khan, Creature from the Black Lagoon, Forbiden Planet e outros. 


Agora focando na série, ela escolheu por fazer uma breve introdução focada no personagem do Necrótico antes um pouco da bomba atômica atingir os EUA. Ele estava com sua família, composta por esposa e filha, que são negras e ele é branco. 




Depois, temos Lucy uma jovem que cresceu em uma Vault, ao estilo dos personagem que assumimos na maioria dos games. Seu pai foi genialmente escalado com Kyle MacLachlan, o agente Cooper do clássico seriado Twin Peaks. Ela é de uma geração dos crescidos na Vault, e por isso não tem muita noção de como é a vida em sociedade e tem dificuldades em se relacionar.


Um dia, como em todo jogo, acontece algo que tira a Vault da normalidade e obriga Lucy a sair da Vault. Só que foi muito inteligente colocar isso atrelado ao casamento de Lucy, que era para ser uma forma de paz com outra Vault. Mas tudo dá errado quando o noivo e seus convidados se revelam da superfície e começa uma batalha, onde Lucy tem que matar seu noivo com quem acabou de transar.


Ainda temos Maximus, que com seu nome ao melhor estilo império romano, cresceu na Cidadel e é um escudeiro de um soldado, que um dia se atrapalha e morre. Maximus então tem a ideia de pegar a armadura e fingir ser o soldado. Essa trama foi muito interessante pois a armadura representa o status social e a hierarquia ao mesmo tempo, dando a impressão que todo o respeito é status vem de como você se veste e o que você possui. 




Eles todos se encontram um dia em uma cidade, muito bem representada e parecida com as cidades dos jogos, quando um dia o Necrótico perde a cabeça e sai atirando para todo lado. 


Agora, para não contar tudo da primeira temporada dá para resumir que descobrimos que o Necrotico não é tão mau assim, que Lucy e Maximus estão apaixonados e que o pai de Lucy não é tão bonzinho assim. 


Tentando interpretar o que deu para entender da série e minhas impressões, quero começar pelo Necrótico. Enquanto os outros personagens são românticos e representam arquétipos, o Necrótico é um personagem filosófico. Ele é uma metáfora e representa a degradação da sociedade americana após o ataque nuclear: como uma volta futurista e distópica do Velho Oeste, tornando tudo um faroeste. E se todo produto cultural representa a o momento histórico que está sendo produzido, a ideia da série é representar a degradação social e cultural dos Estados Unidos e do mundo atual. 


Isso quer dizer que o Necrótico é de uma maneira vulgar o que Lucy e Maximus são: espécies de cowboys futuristas pós apocalípticos. E se é assim, a disputa, a violência e o poder deixaram eles continuarem no romance? 


Já Maximus e Lucy, são personagens muito baseados nos debates geracionais atuais. Eles são dois adultos jovens, ou seja quer representar o jovens adultos de hoje em dia. Entretanto, como uma sociedade sem referências e sem cultura em comum, ambos possuem uma infantilidade e senso de humor anárquico, algo para os mais jovens como adolescentes e crianças se interessarem pela série. Entretanto, o romance dos dois está marcado por um detalhe ainda pouco explorado pela série: a diferença racial dos dois e como isso pode impactar e ser impactado pela sociedade, algo que a série explorou bem e sem exageros até agora. 


No final da temporada, sem contar o final, há uma grande reviravolta onde percebemos uma proximidade entre Maximus e o pai de Lucy, e a violência envolvida nessa relação choca Lucy. Deixando o romance e os demais relacionamentos da série em um grande suspense que pede uma segunda temporada, mas onde uma próxima temporada pode anular tudo que vimos de mais interessante na primeira temporada. Então, pelo fato da primeira temporada ser tão boa, eleva as expectativas e chama por uma continuidade que pode justamente estragar a série.


Outra coisa que merece muitos elogios é o casting da série: só tem ator bom e no papel certo. Ella Purnell como Lucy é sensacional e já virou um ícone da cultura pop, com memes e imagens diversas dela na série repercutindo pelas redes. Também Walton Goggins, que já teve uma longa carreira, com diversos papeis diferentes, e ainda assim conseguiu se inovar do zero como o Necrótico, papel que deve ser o mais marcante da sua carreira. Aaron Moten como Maximus também é genial, soube passar o jeito travadão de alguém do meio militar, fazendo parecer uma atuação ao estilo Bufalo Soldier para seu personagem. Outro destaque da primeira temporada é o Michael Emerson, o Benjamim de Lost, que infelizmente não continuará na série. 


Agora, vou debater o que dividiu as pessoas nas redes: o quanto a série é fiel à representação dos jogos. Isso foi o que mais irritou os fanáticos do jogo Fallout: além de não trazer uma explicação ou contextualização melhor para a série de eventos do universo Fallout, não é muito fiel aos locais, personagens, monstros, eventos e a estética original de Fallout. É como se fosse um "Fallout otimista" ou "antidepressivo". E eu devo dizer: foi a melhor coisa que eles fizeram na vida, afinal tudo que era de mais importante da materialidade da série esta lá, como a enforced armor, o macacão da Vault, os robôs, mutantes e outros elementos principais da estética do universo Fallout. 


Eu sou um fã dos jogos de Fallout, mas uma coisa que sempre me irritou no jogo é a profunda solidão causada pelo plot e pela jogabilidade. Você caminha horas por cenários desérticos e vazios, trazendo por vezes uma sensação negativa atrelada a gameplay. São túneis de metrô vazios, fábricas vazias e outras localidades vazios. Quando você encontra alguém, geralmente a pessoa te ataca, obrigando o jogar a atacar de volta para prosseguir no cenário. 


No Fallout 3, por exemplo, o protagonista segue a mesma lógica da série: sai de sua Vault em busca do seu pai. Então o objetivo principal do jogo é sempre tentar achar seu pai, a maioria das vezes fazendo favores (quests) em troca de informação. O problema é que se você seguir o modo história vai encontrar seu pai e apenas vai descobrir que ele fugiu pois está envolvido em um projeto de purificação da água para que os lençóis freáticos fiquem puros e voltem a fornecer água sem radiação e retomando assim as plantações. Só que se de fato você seguir essa missão e zerar o jogo, o mundo aberto do jogo era fechado, afinal toda aquela guerra por recursos ficaria para trás. Ou seja, se não tivesse um save de antes da missão final, já era, perdeu todo o progresso. 


Isso nos leva a outra opção, que é andar livremente pelo jogo, fazendo missões secundárias e o que der na telha. O problema, é que certas se secundárias só eram liberadas após fazer certas missões principais do modo história. Além disso, jogar sem seguir o plot principal facilmente pode levar a jogar com status de "mau". 


Outro detalhe que para mim torna Fallout uma franquia de jogos super quebrada, é a mudança da visão isométrica do Fallout 1 e 2, para um jogo de ação estilo Skyrim em 1/3° pessoa a partir do 3° jogo. Os clássicos são, para mim muito chatos em sua linguagem para jogar hoje em dia e o 3 em diante são pouco originais. 


Essas incongruências sempre fizeram de Fallout uma saga de jogos marcante mas sem uma completude narrativa que incomodava muito, levando por vezes a sensação de ser um simulador de pós-apocalipse. 


A série não tem essas falhas, apresentando uma trama completa, mesmo que não tão forte e impactante como nos jogos. Só que apesar de querer ver mais dá série, não dá para esquecer que os showrunners dessa série são Jay Nolan e Lisa Joy, que antes dessa série eram os responsáveis pela série Westworld, baseado no filme e livro do genial escritor Michael Crichton, e por acaso Westworld foi cancelado e terminou tão mal, com um final tão sem sentido que foi tirado do catálogo do Max, antigo HBO Max, e gerou uma revolta dos fãs. Os criadores ficaram em um silêncio vergonhoso por dois anos, até surgirem com Fallout. 


Então, para concluir, a série de Fallout foi uma surpresa positiva. Em certa altura cheguei a pensar que a série nunca sairia. Demorou, mas valeu a pena. A série é muito boa e uma das melhores coisas que está produzida no universo audiovisual do momento. De fato, deixa a desejar em relação a maior similaridade com os jogos. Mas se os jogos tem um problema em si de identidade e originalidade, onde por vezes a gameplay pode ser tediosa, a série não deixa a peteca cair. Tudo em tela é importante e interessante. Por esses e outros fatores eu recomendo muito a série, mas estou com receito para a segunda temporada pois acho que tem todos os elementos aqui para a série estragar tudo de bom feito na primeira temporada. 

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