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Bob Marley: One Love (2024): Filme mostra o lado pai de família do cantor mas cortou fatos mais interessantes de sua vida


Bob Marley: One Love é um filme biográfico dirigido por Reinaldo Marcus Green (King Richard: Criando Campeãs) que conta a história de Robert Nesta Marley OM, mais conhecido como Bob Marley, grande ícone do reggae. O filme relembra os importantes feitos do cantor para seu país, assim como as dificuldades que sua família e conhecidos passaram.


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Bob Marley é uma figura misteriosa. Apesar de ser associado diretamente com a cultura da paz, do amor e do Reggae, relatos demonstram que o cantor era severo e exigente. Se repararem, seus álbuns são todos muito distintos entre si, demonstrando uma concentração e dedicação única. 


Agora, precisamos refletir uma coisa sobre biografias: filmes sobre artistas, principalmente sobre cantores, geralmente são para quem não conhece o artista. Como obviamente todos conhecem Bob Marley, fica claro que a proposta em filmes biográficos sobre pessoas que todos conhecem é melhorar ou divulgar a sua imagem para um público ao qual aquela figura não seja muito popular. 


Isso fica claro no filme, uma vez que apesar do ator ser bom, desde a escolha do ator para interpretar Bob no filme da para perceber essa tentativa de tornar sua imagem mais moderninha e pop. Fica clara a tentativa de torná-lo mais aprazível para classes médias e altas, através de ser um cara positivo, apolítico e bom pai. 



Podemos presenciar momentos de sua vida privada, como cenas com a família em casa e jogando futebol juntos. Também mostra sua vida pública, com imagens dele se apresentando diante de multidões em grandes estádios.


No entanto, nem tudo foi relaxar para Marley. Ele foi surpreendentemente alvo de uma tentativa de assassinato em sua própria casa. Em 1976, um atirador desconhecido disparou contra a casa de Marley, ferindo vários membros da família. Essas partes são muito boas, onde dá para sentir a sinergia de sua música. A ideia de canções de paz para combater a violência foi muito bem pensado pelo filme, onde percebemos que Bob era muito ligado ao que fazia no palco. 


Marley passou a se apresentar dois dias depois no show gratuito "Smile Jamaica". O objetivo deste concerto era trazer unidade à Jamaica, mas alguns acreditam que a tentativa de assassinato se deveu ao envolvimento de Marley e ao seu apoio ao primeiro-ministro Michael Manley. 


Manley defendeu um programa social democrático e foi descrito como populista. Ele continua sendo um dos primeiros-ministros mais populares da Jamaica



Marley decidiu exilar-se para a Inglaterra, onde gravou os álbuns Exodus e Kaya. O filme gira em torno da criação do álbum Exodus, álbum mais pop do cantor.


Alguns dos produtores do filme são seus parentes, incluindo seu filho Ziggy, sua esposa Rita Marley, e sua filha Cedella Marley. Ziggy Marley declarou em entrevista no CinemaCon 2023: “É ótimo estar aqui hoje em nome deste filme sobre meu pai. Estou aqui como produtor deste filme, mas também como administrador do incrível legado do meu pai... esta mensagem de unidade e amor é tão urgente como sempre. As pessoas aprofundarão sua conexão com Bob e honrarão Bob da maneira certa”.


Isso deixa bem claro a necessidade de fazer uma imagem positiva de Bob, e isso fica um pouco exagerado no filme. Não parece uma pessoa de verdade, que bate o pé na quina da mesa e xinga. Parece artificial, alguém precisa ser positivo por causa da expectativa das pessoas e não por ser um pacifista. 



Sabemos que Bob Marley (1945-1981) ainda se destaca entre as estrelas mais rentáveis. Sua colocação na parada de sucessos dos falecidos comercialmente ativos se explica por uma fama genuinamente global e pela atração de seu merchandising: qualquer produto que leve seu nome e sua imagem é vendável (e isso inclui de roupas a uma marca de maconha). Tudo o que gira ao redor de Bob Marley é desmesurado, incluindo sua biografia: por volta de 500 livros.


Como mostra um artigo do El País de 2021 que combina muito com o que vemos no filme, um erro comum é dizer que Bob era filho de oficial britânico branco que engravidou uma garota local. Mas, na verdade, Norval Marley era jamaicano de nascimento. Um engenheiro militarizado durante a II Guerra Mundial. Diziam ainda que Cedella Booker não foi uma mãe modelo, que não teria tomado conta o suficiente de Bob. Mas ela e o filho levaram uma vida dura. Antes de se casar com um norte-americano, manteve uma relação complicada com o pai de Bunny Wailer, futuro colega de seu filho no grupo The Wailers.


Na cruel hierarquia da época, sua pele era uma complicação: era chamado de “o menino alemão” e “o pequeno amarelo”. É impossível imaginar hoje a pobreza que Bob Marley conheceu. Sua viúva, Rita, lembra de dias em que precisava esconder sua nudez, enquanto a única roupa que tinha secava.


Também é exagero o mito de que Bob Marley era um Che Guevara. Apesar das músicas de cunho social, por suas crenças, abominava a política, isso o filme mostrou bem, mas não que ele mediou o confronto homicida entre os principais partidos da ilha, o JLP e o PNP; de fato, manifestava certa simpatia pelo direitista Edward Seaga [primeiro-ministro da Jamaica entre 1980 e 1989]. 


Em outras palavras, tudo de interessante e que marcava a figura de Bob como carismática não foi mostrado como filme. Eles focaram em fazer um filme publicitário para representar sua grandeza para a eternidade, focando na positividade e não no que Bob Marley era, mas na impressão que as pessoas tem dele, da necessidade que as pessoas têm de ver ele como alguém positivo e perfeito. 


Isso é chato pois apesar de todo o contorno político, trazido até mesmo pelo atentado, que possui um livro só para falar sobre esse detalhe do filme, o filme ignora isso e tenta fazer um vídeo clipe biográfico enquanto rola canções do Bob que todos amamos. 


Os momentos com os filhos e com a família são o ponto alto do filme. Mostrar Bob como um pai de família comum, que só busca a paz e por isso é mal visto e até mesmo odiado, foi sensacional. Acho que isso de fato tem muito haver com a mensagem e com a vida real de Bob, uma vez que isso de fato foi presenciado por seus filhos e família. Entretanto, parece que em termos musicais e políticos, Bob era um enigma até para amigos e família.



Isso faz com que o final do filme seja tedioso, estranho, sem sentido, pois seu final foi trágico e difícil de entender. 


Entretanto, no foi mostrado por exemplo a fase do seu álbum mais político e meu favorito, Survival, que para mim através da ideia pan-africana representa mais como pensava de verdade Bob sobre vários aspectos. Nem mostrou, por exemplo, momentos marcantes de Bob pelo mundo, como sua vinda ao Brasil e sua partida de futebol com músicos brasileiros, como Chico Buarque, foto que é uma das primeiras que aparece no Google quando você pesquisa seu nome. 


Então, para resumir, Bob Marley: One Love é um filme mediano: divertido, que celebra uma das maiores figuras da música internacional. Mas como filme é fraco, com uma edição e direção sem ponto, que não reflete e nem leva para lugar nenhum. Como filme biográfico, pior. Não mostra realmente quem era Bob Marley e por isso se torna um filme efêmero, que você só assiste uma vez para nunca mais. E frustrante pois mostra um Bob Marley apolitico, do "centrão", e que percebemos que não combina com quem cantava "eu atirei no Xerife". 


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