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Mato Seco em Chamas (2022): Ficção científica distópica brasileira onde o petróleo se tornou o centro da disputa


Na favela de Sol Nascente, em Brasília, a principal moeda de troca entre grupos inimigos é o petróleo. Chitara, grande gasolineira da região, tenta angariar mais clientela para seu poço particular com a ajuda da irmã. Quando o Brasil se torna mais conservador e ameaça votar na extrema-direita, o posicionamento de Chitara se transforma em um ato político


Clique aqui e consulte onde o filme está disponível 


Mato Seco em Chamas representa muito bem o cinema nacional, na medida que sua própria existência é polêmica. Como muitos filmes do cinema nacional de muito sucesso, o filme dividiu opiniões principalmente entre críticos e a opinião em geral do público. Se olharmos nos sites de cinema e avaliações em geral na internet, o filme está pessimamente avaliado. Entretanto, segundo O Globo, os críticos consideram que o filme foi o melhor dois últimos dois anos. 


A ideia desse site é fazer análises de filmes que vão para além exatamente da visão "crítica". Não cabe exatamente a quem analisa filmes dizer se o filme é bom ou ruim, mas sim desta o valor cultural (ou a ausência dele) em um filme. Existem filmes de grandes diretores que são bombas. Existem filmes de tv, séries e novelas que são o suprassumo do audiovisual. 

Por isso, sempre busco ter uma visão equilibrada dos filmes entre o que ele representa, sua execução e como impactou seu público. Os críticos por muitas vezes são arrogantes e tendem a curtir tudo aquilo que represente o arquipélago intelectual que corrobore e patrocine suas ideias. Entretanto, o ato considerado comum pelas pessoas de "dar estrelas" ou qualquer tipo de nota para um filme, é ultra arrogante por parte do público. Demonstra uma visão onde todo esforço da realização do filme e o tempo que levou, são nada perante a atenção do espectador que se prestou aquilo. Muitas vezes é verdade, mas e quando lixos audiovisuais possuam boas avaliações? Não difícil encontrar isso nos sites que agregam notas para filmes. Outra tendência é: Quanto mais novo o filme mais bem avaliado. 

Tudo isso gera uma bipolaridade no mundo do cinema atual, onde o foco do debate é se o cinema deve só entreter ou passar uma mensagem, quando é consenso que o bom filme sabe fazer o bom equilíbrio entre os dois, dado claro as limitações da produção e da proposta. A Bruxa de Blair é um filme bem realizado? Não, é todo cagado e o final também. Mas o filme é ruim ? Não, é muito bom, pois soube como se realizar em relação a sua proposta e limitações. 

Mato Seco em Chamas é para mim genial. Resumindo bastante, a ideia do filme é que depois de o Brasil transitar muitas vezes entre governos de esquerda e governos de direita, as pessoas tomaram uma postura simbiótica, onde a postura de individualismo e iniciativa pessoal do liberalismo, se misturam com a ideia de desenvolvimento e crescimento social do socialismo. Na realidade do filme, as pessoas passaram a elas próprias extraírem petróleo no fundo de casa. Eles usam isso tanto para usarem elas mesmas, como para vender, em uma uma estética que em muito lembra dos antigos alambiques de cana de açúcar da era colonial. Porém, isso faz como que existam rachas e divisões entre grupos e pessoas que querem ter mais poder e controle em torno do petróleo local que as outras. 



Nisso a ideia de exploração do petróleo se mistura com a ideia dos conflitos urbanos, como o tráfico de drogas ou a milícia, onde grupos disputam regiões de extração e venda do produto. Chitara, a protagonista, se encontra exatamente neste lugar, onde o filme vai da ideia dos atos do personagens até que eles tomem consciência do valor do que fazem politicamente.  

A ideia de cada um ter a sua própria usina de petróleo dá uma nova perspectiva, por exemplo, a famosa frase da campanha brasileira começada por Getúlio Vargas, "O Petróleo é Nosso", entretanto, misturando essa memória nacional a uma ideia meio Mad Max. Sim, de fato, é nosso como a Petrobrás, entretanto, não deixa de ser baseado no extrativismo e logo, não é uma energia renovável ou sustentável. Assim, a ideia do filme é popular mas não é sustentável, e nessa debate o filme é muito interessante.

Entretanto, apesar dessa ideia de tese geral e premissa, que combina a teoria das rotas, da herança da escravidão, à luz do extrativismo e progresso do Brasil; é aqui que o filme para de brilhar. Apesar de uma ótima apresentação, e uma ambientação ao estilo Blade Runner muito legal, o filme não vai muito para frente. Tem aquele estilo paradão do cinema nacional de fazer longos planos mudos que só ganham valor através de metáforas simbólicas. Essa influência de Tarkovsky e sua ideia de "esculpir o tempo", permite bons resultados com produções mais baratas se forem muito bem pensadas, como em Terra em Transe. Mas se o filme não continuar a pensar suas trama e desenvolvimento, o final se torna aleatório. 

Em Mato Seco em Chamas é isso que acontece. O final é previsível, entrega pouco e é de maneira geral desestimulante. Parece aqueles filmes que começam uma série e podem se dar o trabalho de não dar mais que uma ideia inicial. Mas como não há notícias de uma série, não há sentido para essa escolha de realização e final para Mato Seco em Chamas. Isso faz do filme um pouco "bait", na medida que a gente sabe tudo sobre ele na premissa e na sinopse, o título é chamativo, mas em tela aquilo não caminha. 


É difícil saber se é o roteiro que ficou mais escrito ou se a direção do filme que não trabalhou bem, mas faltou diálogo deixando o filme como apenas uma premissa, que só se salva se tiver uma continuação. É claro que esse "apenas" não é justo pois é uma premissa incrível, que combina ficção científica, steam punk, filmes de sobrevivência e alegorias políticas. 

Em países grandes do audiovisual, como EUA e China, todos os anos saem milhares de filmes, onde poucos se destacam.

O filme não é incrível, mas é um quase lá muito bom. Isso nos dá a impressão que a indústria de filmes brasileira está melhorando, na medida que um filme mediano está trazendo premissas muito boas, que fazem valer a pena a assistir ao filme, ao menos pela referência.


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