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Cinema Paradiso (1988): Uma carta de amor ao cinema e sua história que reflete a nostalgia aos filmes clássicos e suas ambiguidades



O menino Toto se encanta pelo cinema e inicia uma grande amizade com o projecionista de sua pequena cidade. Já adulto e agora um cineasta bem-sucedido, Toto lembra de sua infância ao descobrir que seu velho amigo faleceu. Isso faz Toto refletir sobre o significado dos anos e da experiência no velho cinema de rua e o próprio significado de sua existência


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Cinema Paradiso é um filme que tem algo mais para dizer para quem possui uma paixão pelo cinema. Entretanto, apesar de parecer uma mera carta de amor ao cinema, o filme problematiza a estrutura do cinema em si, ao refletir sua construção e linguagem conforme as épocas históricas. 

Isso quer dizer que apesar de estar expondo a beleza e o amor ao cinema, o filme tão vai expor os vícios tanto dos filmes como do olhar do espectador. Inicialmente somos levados a pensar que Toto é o protagonista dessa história, mas ele é na verdade um agente do verdadeiro protagonista: o cinema.


A primeira sequência do filme é muito interessante e metafórica, já que Toto só conhece o cinema por causa da igreja. Toto era coroinha e um dia o padre da igreja local foi até o cinema para censurar as cenas mais picantes. O problema é que ele é padre e de tal maneira o romance em si é pecaminoso. No mais leve e romântico beijo, o padre ficava suspirando e admirando o filme, até perceber o poder da cena e então agitar o seu sininho para o projecionista colocar um papel para censurar a cena. 

Toto assiste a tudo escondido, gargalhada a cada reação do padre. Os paralelos com cinema clássico e o hays code são evidentes, ainda por cima pelo fato de que como padre ele não entende o romance, taxando-o como pura sacanagem. 




Isso leva com que Toto fique amigo do projecionista, criando um laço entre o cinema local e a igreja, no mínimo questionável. 

Toto fica cada vez mais viciado pelo cinema e o clima particular da sala de cinema. Aqui temos que contextualizar, já que era segunda guerra, o cinema era o local para se ir para ficar informado com o cinejornal, formato que também foi popular no Brasil da época. E no cinema podia fumar, falar alto e discutir as notícias. Em outras palavras, se Toto se apaixonou pela sala de cinema, ela se dava em um formato que não existe mais. 

Entretanto, apesar daquele momento de confraternização que era a sala de cinema e da mais pura e bela atuação do menino que interpreta Toto, eles estão em um contexto de guerra e as coisas não são muito belas como parecem. O pai de Toto foi para a guerra e nunca mais voltou... sua mãe por isso acaba sendo mais severa com Toto. Em uma situação ao estilo João e o Pé de Feijão, ela mandou Toto comprar leite, só que ao invés disso ele usa o dinheiro para ir ao cinema, desaparecendo e ignorando a sua responsabilidade. Ela então começa a bater no filho. Dois malandros locais acabam ajudando Toto, com gritos ao fundo do morador de rua local dizendo que a praça é sua.



Em outra situação, Toto coloca sua lata com negativos de filme e fotos em baixo da cama. Naquela época era costume usar fogareiros para esquentar a casa no frio. O calor fez com que os negativos, feitos de nitrato, pegassem fogo. A mãe bate em Toto por ele colocar a irmã em risco, mas o que ela não nota é que ele acaba de perder toda sua coleção.

O projecionista, que sempre foi resistente em ensinar o ofício a Todo, decide nesse momento que deve ensiná-lo, afinal o garoto não tem pai. Mas a questão é que ele não queria ensinar o ofício pois o considera exploratório. Ele deve ficar ali horas a fio, sem errar e garantir a alegria de outras pessoas. 




Isso fica muito evidente na cena do incêndio. Acontece que com a popularidade do cinema, os espectadores não querem mais sair do Cine Paradiso. Em um dia então o projecionista e Toto decidem projetar um filme em uma parede da praça. O problema é que o filme super aquece e pega fogo. As chamas são tão intensas que ferem o gravemente, fazendo o projecionista perder a visão. 



Essa parte contém uma metáfora muito bem bem pensada, já que o funcionário do cinema perde justamente a visão. O que só vamos perceber depois é que isso é uma alegoria ao fato de que apesar de ser funcionário do cinema, o homem não tem ideologia. Para ele, como para os primeiros profissionais do cinema, aquilo era mero escapismo. 

Entretanto, para Toto aquele universo era repleto de significado. Com o projecionista aposentado forçadamente, eles decidem botar Toto para trabalhar de fato naquilo. Nesse momento o filme dá um salto temporal. Agora Toto é um jovem adulto. A censura do padre aos filmes já não existe, e cenas provocantes já podem ser vistas no cinema. Isso faz com que, por outro lado, pessoas agora transam no cinema, existindo até mesmo prostitutas que oferecem serviço dentro do cinema.

Ao mesmo tempo, o diretor do filme aproveitou o salto de tempo da idade adulta de Toto para mudar a era do cinema e seu respectivo contexto histórico. Não era mais guerra, logo o escapismo dos filmes de 20, 30 e 40, é substituído por cinema mais popularesco e logo mais voltado para as massas. As cenas de romance foram trocadas pelas cenas provocantes, refletindo obviamente o cinema dos anos 50. 

Toto agora é um jovem e tem uma namorada. O problema é que por causa do seu ofício e paixão pelo cinema, Toto nunca está disponível. Ele abre mão da sua própria felicidade e vida para que outras pessoas sejam felizes com o cinema. Há um certa dedicação de monge só trabalho, uma vez que seu primeiro contato com o lugar foi através da igreja. Essa dedicação e paixão ao cinema exacerbada de Toto saem um pouco do controle.  




O Toto acaba perdendo a namorada e vê a vida passar da sacada da sala de projeção. Num suspiro, Toto já é um homem de meia idade com cabelos brancos, o mesmo homem do início do filme, fazendo uma continuidade genial no filme. Agora, já parecendo o final dos anos 60, Toto se pega pesando na sua vida como um todo e suas memórias são as imagens de infância que acompanhamos. Ele conseguiu realizar seu sonho de trabalhar no cinema, que hoje está mais mudado ainda, com trillers psicológicos e românticos. 

Toto está perdido em sua vida uma vez que perdeu o grande amor de sua vida. Um dia, porém, ele a reencontra depois de toda uma vida. Eles se envolvem mas fica um gosto melancólico no ar. 

Na sequência seguinte, Toto está no cinema e ele revê os clássicos do cinema que via quando criança, mas sem censura dessa vez. É metafórico mas é claro: pelo fato do padre, que representa a moralidade e a religião censurar os filmes Toto não entendia que amor implicava em paixão, em envolvimento. Em outras palavras, ele não entendia o amor. Ele entendia tudo do cinema mas não do amor. E quando ele de fato ele entendeu amor, só assim ele pode compreender de fato o cinema e as metáforas que se escondem nas screwballs dos filmes clássicos. 




Quando Toto finalmente entende isso o sentido do Cinema Paradiso fica ambíguo, uma vez que o lugar o afastou do amor, e logo da compreensão real do que era o cinema. É revelado inclusive que seu mentor recomendou a sua amada que ela estaria fazendo um bem a Toto ao se afastar dele. Ela deixou um recado no mural do cinema que se perdeu em milhares de anotações de filmes. Ou seja, aquele lugar em seu espaço físico, sua estrutura, apesar de apresentar o cinema a todo, o furtou da real compreensão do que seria de fato o cinema. 

Como um filme do cinema italiano, o que Cinema Paradiso quer dizer é o seguinte: Com neorrealismo de Fellini e o com o surrealismo de Pasolini e de Antonioni, se aprendeu muito em técnica, estética e linguagem do cinema, mas se aprendeu pouco em termos do romance. Nos filmes dos cineastas italianos clássicos o papel das mulheres é sempre não ideal, sendo sempre mulheres e romances que são de alguma forma corrompidos. Seria isso um traço do catolicismo na cultura italiana? Essa é a tese do filme. 




No final, quando o cinema é derrubado, seu sentido é repleto de ambiguidades, uma vez que o Cinema Paradiso representa a tradição filmica italiana. E quando o prédio cai, Toto finalmente está livre, mas repleto de nostalgia. 

Um filme perfeito. Repleto de significados para quem gosta de cinema, principalmente do cinema clássico. Os atores, a direção, o roteiro e tudo mais parece sincronizado em sintonia perfeita, fazendo pensar sobre a estrutura do tempo, sua passagem e como isso se relaciona com a História em si. A nostalgia é refletida em seu sentido político, em um filme perfeito para qualquer época, que não envelhece em sua mensagem. Tudo ao som da incrível trilha sonora de Morricone, que torna tudo inesquecível. 





História e produção do filme 


Cinema Paradiso foi filmado na cidade natal do diretor Tornatore, Bagheria, na Sicília, bem como em Cefalù, no Mar Tirreno. A praça da cidade no filme é a Piazza Umberto I, na vila de Palazzo Adriano, cerca de 30 milhas ao sul de Palermo. O cinema 'Paradiso' foi construído aqui, na Via Nino Bixio, com vista para a fonte octogonal barroca, que data de 1608. 

Contado em grande parte em flashbacks de um diretor de cinema de sucesso, Salvatore, de sua infância, também conta a história do retorno à sua aldeia natal, na Sicília , para o funeral de seu velho amigo Alfredo, o projecionista do "Cinema Paradiso" local. No final das contas, Alfredo serve como uma figura paterna sábia para seu jovem amigo, que só deseja vê-lo ter sucesso, mesmo que isso signifique partir seu coração no processo.

Visto como um exemplo de "pós-modernismo nostálgico", o filme entrelaça o sentimentalismo com a comédia e a nostalgia com o pragmatismo. Explora questões da juventude , da maioridade e reflexões (na idade adulta ) sobre o passado. Pode-se dizer que as imagens nas cenas refletem as memórias idealizadas de Salvatore de sua infância. O Cinema Paradiso é também uma celebração do cinema; como projecionista, o jovem Salvatore (também conhecido como Totò) desenvolve uma paixão por filmes que moldam sua trajetória de vida na idade adulta.




O filme existe em múltiplas versões. Foi originalmente lançado na Itália com 155 minutos, mas o fraco desempenho de bilheteria em seu país natal fez com que fosse reduzido para 124 minutos para lançamento internacional; nessa forma foi bem sucedido. Esta versão internacional ganhou o Prêmio Especial do Júri no Festival de Cinema de Cannes de 1989 e o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 1989 . Em 2002, foi lançada a versão de 173 minutos do diretor (conhecida nos EUA como Cinema Paradiso: The New Version ), embora esta fosse a versão original, usada na estreia do filme no Europa Cinema Festival, 29 de setembro de 1988, em Bari.


Na versão de 173 minutos do filme, após o funeral, Salvatore percebe uma adolescente que se parece com a adolescente Elena. Ele a segue enquanto ela dirige sua scooter até sua casa, o que permite que Salvatore entre em contato com seu amor há muito perdido, Elena, que se revela ser a mãe da menina. Salvatore liga para ela na esperança de reacender o romance; ela inicialmente o rejeita, mas depois reconsidera e vai ver Salvatore, que estava pensando em sua rejeição em um local favorito desde seus primeiros anos.


O encontro deles leva a uma sessão de amor no carro dela. Ele descobre que ela se casou com um conhecido de seus anos de escola, que se tornou um político local de recursos modestos. Depois, sentindo-se traído, ele se esforça para reacender o romance e, embora ela claramente desejasse que isso fosse possível, ela rejeita seus pedidos, optando por permanecer com a família e deixar o romance no passado.




Durante a noite juntos, Salvatore, frustrado, pergunta a Elena por que ela nunca o contatou ou deixou notícias sobre para onde sua família estava se mudando. Ele descobre que o motivo pelo qual perderam contato foi porque Alfredo pediu que ela não o visse novamente, temendo que a realização romântica de Salvatore apenas destruísse o que Alfredo vê como o destino de Salvatore - ter sucesso no mundo do cinema. 

Alfredo tentou convencê-la de que se ela amava Salvatore, deveria deixá-lo para o bem dele. Elena explica a Salvatore que, contra as instruções de Alfredo, ela deixou secretamente um bilhete com um endereço onde ela poderia ser encontrada e uma promessa de amor eterno e lealdade. Salvatore percebe que nunca encontrou aquele bilhete e, assim, perdeu seu verdadeiro amor por mais de trinta anos. 

Na manhã seguinte, Salvatore retorna ao decadente Cinema Paradiso e procura freneticamente nas pilhas de faturas de filmes antigos fixadas na parede da cabine de projeção. Lá, no verso de uma das súmulas, ele encontra o bilhete manuscrito que Elena havia deixado trinta anos antes. O filme termina com Salvatore retornando a Roma e, com os olhos marejados, vendo o rolo de filme que Alfredo deixou.


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