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O Circo (1928): Chaplin, a arte como a "esperança equilibrista" em tempos de crise e as condições do trabalhador de vanguarda frente ao surgimento do cinema


Dirigido e escrito por Charlie Chaplin. No filme, Carlitos é contratado para ser atração do circo, mas recebendo como trabalhador comum pois ele mesmo não percebe que é engraçado. Ele se apaixona pela acrobata filha do severo dono, que deixa mesmo ela sem poder comer quando erra algo
 




Esse filme é divertido demais e emocionante ao mesmo tempo, ele começa com o 'little tramp', personagem  de Chaplin do lado de alguém que estava furtando algo em um carnival de comidas e bebidas e que coloca essa carteira que o cara roubou dentro da roupa dele e ele nem vê, quando o policial pergunta se foi ele quem o roubou, claro que ele concorda para ficar com o dinheiro, já que ele mesmo estava roubando uma comida de uma neném por não ter dinheiro. 


Tem uma polêmica recente, de 2010, onde apareceu já uma imagem de uma cena deletada em extra de DVD do filme e virou meme por parecer mostrar uma moça falando no celular, alguns conspiraram que era "uma viajante do tempo", a la Claire de Outlander


Para entender o quanto influenciou a cultura popular, outra referência marcante sobre esse filme é a música da cantora brasileira Elis Regina "O Bêbado e a Equilibrista", de autoria de João Bosco e Aldir Blanc exatamente sobre esse filme em particular de Chaplin, e no Brasil falava da situação da classe artística frente ao fim do período mais tenebroso da antiga ditadura militar, em 1979, (ano também da refundação do pluripartidarismo no Brasil e de expectativa em relação a futura constituinte de 1988). 


Claro, já que Charles Chaplin apesar de todos os revisionismos em relação a sua vida pessoal, era historicamente conhecido como comunista e foi acusado disso pelo governo americano, como haviam investigações da inteligência britânica sobre ele. Assim, os temas sociais mais uma vez batem a porta dos clássicos filmes de Chaplin, que culminaria no clássico dos clássicos, Tempos Modernos, de 1936, passando por City Lights (1931) e The Gold Rush (1925) e outros diversos filmes sobre a "materialidade" do vagabundo, quase um estudo rasteiro do porque isso acontece e pode acontecer com qualquer um, dessa forma que ele tem que fugir para o circo, porque a polícia descobre e começa a correr atrás dele, assim ele descobre o circo. 


Chaplin teve que aprender muitas artes do circo de verdade, ele teve que realmente estudar uma fórmula de cinema ali para transmitir sua arte de vanguarda, suas técnicas de vandeville e todo o tipo de cinema que "ficaria para trás" com o cinema falado, mas muito como o próprio circo, ir ao cinema para ver Chaplin fez e continuou fazendo sentido mesmo coexistindo ao cinema falado, como uma fórmula de estilo e gênero de filme 


Discute tanta coisa de maneira sutil, aqui são poucas , exploração no meio do circo, greve, comodidade, amor, relevância do humor e espontaneidade nas apresentações. Historicamente, já é um filme amadurecido do velho mestre e estamos aqui debatendo a regra do gênero entre onde fica a fronteira do humor, do que é engraçado, já que o tipo de humor de Chaplin tem muito da técnica do mimetismo do teatro, fazendo a gente acreditar que ele faz seu número sem pensar sobre ele. 


Discutindo qual seria então a ideia de intenção ou não do humor e de ser engraçado ou gostado pelo público. No filme, Chaplin é gostado pelo público e por isso 'ganha o emprego', mas no início, ele nem percebe que é a estrela do show. Outra cena de ouro é o burrinho perseguindo Chaplin, parecia que o burrinho tinha ódio mesmo do cara, muito engraçado.


Depois a acrobata, a Merna foge quando ela sofre outro espancamento do pai e dessa vez Carlitos intervém e por isso é expulso do circo por ter socado o patrão. Depois disso, ele tem uma atitude bem não egoísta, e vê que a moça se casou com o equilibrista (ao estilo da "esperança equilibrista"), apesar de triste, o pessoal do circo chama ele mas ele não vai. O circo passa para frente e ele fica, uma reflexão entre a profundidade. Basta observar o personagem do dono do circo(Al Ernest Garcia), longe de ser bonzinho ou bobo, ele usa seus funcionários e deixa faminta até a própria filha, que também sempre espanca.


Esse também pode ser considerado como o filme mais difícil e que deu mais problemas na carreira de Chaplin, estava se divorciando de sua segunda esposa, Lita Grey, teve problemas com o lançamento, com o filme segurado por 8 meses. Mas apesar disso, o filme foi um sucesso e lucrou $3.8 milhões. A música do filme é muito marcante.




Situado entre The Gold Rush (1925) e City Lights (1931), o filme não perde essa fórmula que atinge o máximo da humanidade possível, choramos, perdoamos e agimos junto com Carlitos de muitas maneiras, como um processo de aprendizado mesmo.  


Tem várias cenas nesse filme que debatem o que é humor e espetáculo no sentido da arte em si. Quando o humor vem da espontaneidade de uma pessoa com trejeitos engraçados. Quando ele perde "o seu amor" ele não consegue ser mais engraçado, mas como ele gosta da garota, ele ajuda ela a se casar para fugir do pai, da figura do dono do circo explorador de seus trabalhadores. 


Nessa cena abaixo Chaplin sem querer entra na jaula do leão que estava dormindo,  com ajuda do cachorro que tentava acordar o leão. A garota desmaia e ele quase é devorado pela fera, no segundo momento ela abre a porta e consegue salvar ele. 



A piada desse filme é sobre os bastidores das artes, quando é contato para o little tramp que ele é a estrela do show, ele finalmente percebe que não é apenas mais um contratado de registro e isso faz ele ter um aumento de salário já que ele já estava substituindo todos os outros trabalhadores em greve. 

Parece com o momento do cinema atual, nessa época o estilo de Chaplin estava "ficando para trás", era o ano dos primeiros filmes falados, logo, a tecnologia afastaria as pessoas e se tornaria o que Chaplin fazia algo parte da história corrente, como no exemplo, os grupos itinerantes de circo, a cena final onde todos vão embora e ele volta a ser o que sempre foi: o vagabundo, mas um vagabundo muito honrado, uma cena triste, poderosa e que cruza fronteiras de gênero. 

Nós realmente damos boas risadas com o filme, ele funciona nesse sentido, mas faz refletir sobre a estrutura e a materialidade da vida. Chaplin desiste do circo (o filme foi realmente muito difícil para ele de fazer), mas o resultado em tela é sensacional de qualquer maneira.   


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