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A Mão que Balança o Berço (1992) é a mão que governa o mundo?



A trama segue a esposa grávida de um obstetra de Seattle que se mata após ser acusado de má conduta sexual por seus pacientes. O choque leva a esposa a um aborto espontâneo, após o qual ela se faz passar por babá da mulher que acusou o marido e começa a se infiltrar na família e a substituir ela pouco a pouco. 


O título do filme faz uma referência a uma frase histórica "A mão de balança o berço governa o mundo", e foi retirado de um poema de 1865 de William Ross Wallace.  Há várias referências à ópera cômica The Pirates of Penzance. A mão que balança o berço arrecadou aproximadamente US$ 140 milhões em todo o mundo, um valor impressionante.


 

O filme teve um remake na Índia, em hindi com o nome Khal-Naaikaa, em 1993, além de ter sido o mesmo nome usado no filme mudo de 1917 com o mesmo nome, The Hand That Rocks the Cradle, que foi inspirado no caso do julgamento da enfermeira Margaret Sanger, uma pioneira que ajudava em políticas de controle populacional e de planejamento familiar, por isso foi condenada por ser ativista da pauta em favor do controle de natalidade. 


Esse filme é considerado um filme perdido, e com uma agenda bem a frente de seu tempo. Em 2013, foi anunciado um remake com parte da produção original que não foi para frente pela ABC, mas não foi para frente a ideia não. A reflexão da frase ser uma adulação a personalidade feminina ajuda a imaginar que a frase é uma metáfora de feminismo e do valor das mulheres na sociedade. 


É mais ou menos aquela ideia da música "It's a Man's Man's Man's World de James Brown "Esse é um mundo dos homens, mas não seria nada sem uma mulher ou uma garota". O título desse filme é a frase clássica de um poeta que saúda o universo feminino pensando nesse lado pessoal da figura da mãe que cuida. Mas a obrigação de criar na maior parte do tempo não é dividida, e Claire vive como uma dona de casa que fez tudo sozinha no primeiro filho, como sua família melhorou sua condição de vida, seu próprio marido reflete que agora ela pode "descansar".  


Contratar uma babá ou uma empregada, ela reluta inicialmente, mas depois como por mágica, uma mulher loira e misteriosa chega e parece se encaixar no perfil da "babá perfeita", loira, bem educada e parecendo falar tudo "certo", ela conquista a confiança da mulher que ela planeja substituir e usa o fato do casal ser padrão também para controlar e manipular a família.   


O personagem de Solomon (Ernie Hudson, o diretor do presídio da série Oz), por vir de fora e de ser considerado "fora de perfil", descrito em muitas sinopses do filme como "retardado" (sim, pesado assim),  sofre o preconceito de raça e classe, mas mesmo assim defende a família branca fiel até o fim, ao estilo "Cabana do Pai Tomás". A babá loira parece saber dos preconceitos médios da família e usa eles para destruir a família de Claire.



Mas já vemos aqui a frase sendo usada para referência para debates feministas. Beyonce indagou em sua música "Quem comanda o mundo?", garotas, ela disse, e parece bobo em algum nível, mas não. 


O controle dos nascimento e das diversas sociedades matriarcais não necessariamente significam democracia ou esquerda necessariamente. Tanto que os clips da Beyonce foram quase todos dirigidos por um profissional de origem austríaca, se não me engano (ou seja, vende uma ideia de empoderamento feminino pela estética de imperialismo). Julia Roberts era para ser a babá do filme, mas desistiu por estar grávida na época. A atuação das crianças e da babá Rebecca De Mornay . Eu particularmente sinto raiva de Claire por conta da primeira cena, e de como ela se porta depois do filme.


A mão que balança o berço significa exatamente isso, a ideia de quem realmente trabalha ou convive constitui os laços afetivos e isso constitui em uma fragilidade, vários filmes usam essa premissa, como Que Horas Ela Volta? da Anna Muylaert ou Ousmane Sembène e seu filme La Noire De (1966), filmes que refletem o lado de atuação de profissões que costumam ficar no backstage (nos bastidores) e que possuem a capacidade de "governar o mundo", pois governam a família, seria essa a ideia. 


Como fiquei sabendo desse filme? Em um episódio de Pokemon, onde o James da equipe Rocket disse que o episódio parecia mais o filme "a mão que balança o berço". E realmente ele tem uma razão vendo o episódio e o filme. No episódio, Misty é quem salva o Marill (um bichinho azul) de uma situação de perigo porque ela é corajosa, mas quem é a dona do bicho de fato é uma das paixonites genéricas de Brock. Por isso o comentário cinéfilo genial de James, um pseudo vilão. 


O filme tem questionamento sobre o perfil de um casal aparentemente perfeito e americano, na primeira cena a jovem mãe já comete racismo.  O filme de 1992 foi também a tese de conclusão de curso de Amanda Silver (que trabalhou no roteiro do filme). Também ficaram esperando o casting das atrizes femininas. Seria originalmente filmado em Atlanta, Georgia, e acabou sendo filmado mesmo em Seattle, Washington. 


Roger Ebert, por outro lado, elogiou muito o filme e disse que a ideia do medo que o filme percorre funciona e é a forma que "cola" a narrativa. Também comenta o personagem de Julienne Moore como um reverso da estupidez que assola a mãe (Claire), lamentando que ela tenha poucas cenas no filme. 


Outro detalhe do filme é que a filha mais velha do casal é a mesma atriz que fez o filme Matilda (1996) e é por conta dela e de Solomon que o casal é salvo, sem nenhuma ajuda do homem branco médio padrão, que passou a sequência final do filme todo desacordado pela loira. Sim, Matilda (Mara Wilson) já era a garota que salva os pais sem noção em outro filme.  É ela quem salva todo mundo do filme com ajuda de Solomão da babá maluca.



A Claire sofre uma violência grávida e denuncia seu próprio médico, o que acaba com a carreira dele. A mulher do médico se infiltra como babá e busca suprimir todas as "deficiências" da jovem mãe, colocada cada vez mais como fraca e desnecessária para a casa. Progressivamente, todos confiam na loira (a ex esposa do médico que perdeu tudo por conta dela), e ela usa toda sua maldade empírica para fazer manipulação com a mulher (que é realmente bem burra e fraca, é um filme ao estilo contra tudo e contra todos). 



Algumas críticas de cinema consideram o filme anti feminista porque a premissa do filme faz questionar um pouco essa ideia da denúncia, já que a Claire denuncia e tudo piora 100%. Também a solução seria não denunciar o caso? Ou o filme indaga que mesmo sendo necessária a denúncia, vai ter uma ponta da cadeia evolutiva que vai se ferrar na equação, o efeito boomerang da denúncia e do denuncismo, ao mesmo tempo que vemos que a estirpe da babá e do médico eram mesmo de abusivos, quando ele se mata, leva a sua filho junto, pois sua esposa estava grávida. Vemos a perda dela e vemos o quanto ela não tem mais nada e quer vingança. 


Ou seja, a personalidade de fazer uma esposa troféu do médico abusivo faz parte do ethos que formou a mulher dele para estar prontinha para vingança em uma situação de tragédia. Talvez o filme questione o arquipélago de denúncia e apuração criada em cima de situações constrangedoras como essa. Para mim, o filme exemplifica como o machismo e o racismo e o elitismo perpassem as situações do cotidiano a um ponto de todos serem burros e passivos em relação a fachada necessária de ser construída para a viver a "vida na América". 



A personagem da Julianne Moore é muito interessante por simbolizar uma mulher que se recusa a ser como Claire, apesar de querer ajudar ela, ela é uma feminista e primeira mulher do marido da jovem esposa e participa como amiga e conselheira do cara. Ela acaba descobrindo a identidade da mulher do médico conferindo a sua lista de imóveis no seu trabalho, identificando que ela era casada com o médico abusador que tirou a própria vida. Ela simboliza uma mulher forte, mas nem ela é páreo para a babá satânica em busca de vingança. 




O que é incrível é o nível de manipulação da mulher, em tornos os sentidos. Até de dar de mamar no lugar da mãe (já que ela tem leite nos seios do filho que ela perdeu), o que também torna tudo da história um pouco questionador.   


O filme questiona esse lugar da substituição nas famílias mais ricas e que dividem a criação com babás e empregados do amor dos filhos. No caso aqui, é uma relação predatório já que a babá busca vingança, mas o filme vai além e questiona a social democracia americana e seus hábitos de quintal, como fazer um jardim para a dona de casa Claire, o mesmo jardim que depois mata a ex namorada do seu marido e amiga da família que queria desmascarar a babá. 


A principal questão desse filme para mim, é que todos focam na maldade da loira, mas ninguém a maldade da inaptidão do homem da casa, a fraqueza e estupidez de Claire, que beira o surrealismo em sua passividade e visão de mundo. Claire tinha dito que Solomom (homem negro) não tinha "perfil" para ser babá de sua filha segundo a mãe, apesar dele tratar ela bem, mas ela deixou a "loira republicana perfeita" tomar o seu lugar por conta de seu racismo. Mesmo assim, por causa das crianças, no fim eles conseguem se livrar da loira sinistra, mas sem muita ajuda dos pais inaptos.


Em Seattle, a dona de casa Claire Bartel está casada e grávida do segundo filho. Em um check-up de rotina, ela é molestada sexualmente por seu novo obstetra, Dr. Victor Mott. Traumatizada, ela conta ao marido Michael, que a incentiva a denunciar o Dr. Mott ao conselho médico estadual. Sua acusação faz com que mais quatro mulheres se apresentem sobre o ataque do Dr. Mott a elas, e várias acusações são preparadas contra ele. Dr. Mott comete suicídio para evitar ser preso. 



Os advogados dizem à viúva grávida do Dr. Mott que os bens de seu marido foram congelados por causa dos processos judiciais. Eles também revelam que ele anulou seu contrato de seguro de vida ao cometer suicídio, e ela perderá sua luxuosa casa. Estressada, a Sra. Mott entra em trabalho de parto prematuro, perde o bebê e é submetida a uma histerectomia de emergência. Enquanto se recuperava, ela vê uma notícia identificando Claire como a primeira mulher a apresentar as acusações contra seu marido.


Seis meses depois, Claire deu à luz um menino, Joey. Procurando uma babá, ela, sem saber, contrata a Sra. Mott, que usa o pseudônimo de "Peyton Flanders". A Sra. Mott faz uma campanha para minar Claire em sua casa, buscando vingança contra Claire por denunciar seu marido, apesar de seu comportamento, já que seu marido era sua única chance de ter filhos. Ela frequentemente amamenta Joey em segredo; isso faz com que ele pare de tomar o leite de Claire. Sra. Mott tenta virar a filha de Claire, Emma, contra ela e secretamente destrói a proposta de escritório de Michael. 


Solomon é identificado como alguém que nos remete ao problema do casal principal da trama, um casal rico, branco e isolados, na cena inicial, a mãe tem um caso de histeria ao gritar quando vê o trabalhador negro em sua casa. Obviamente, seu diagnóstico de doença mental vem do preconceito com ex presidiários, e o projeto é como se fosse uma transação penal ou ressocialização com trabalho. O problema é a forma como ele é tratado por todos como retardado por ser considerado também "criminoso" ex detento em relocação. 


Claire acusa Michael vocalmente de ter um caso com Marlene, apenas para encontrar os festeiros, incluindo Marlene magoada e humilhada, esperando na sala ao lado. Claire, agora cautelosa, começa a suspeitar da participação de "Peyton" em todos esses incidentes e sugere a Michael que eles deveriam tirar férias com a família sem "Peyton". 


Sra. Mott invade a casa e bate em Michael com uma pá, derrubando-o escada abaixo e quebrando suas pernas. Ela então tenta cumprir seu verdadeiro objetivo: levar Emma e Joey para si, mas depois de ver a Sra. Mott agredir Claire, Emma engana a Sra. Sra. Mott escapa e encontra Solomon no sótão, ajudando a fuga das crianças. Ela tenta matar Claire, mas para depois que Claire parece estar tendo outro ataque de asma, o que levou a Sra. Mott a zombar cruelmente dela. 


Enquanto ela tenta levar Joey, Claire se levanta, tendo fingido seu ataque de asma, e ataca violentamente a atordoada Sra. Mott, e Solomon a distrai o suficiente para Claire empurrá-la para fora da janela, empalando-a na cerca e matando-a. Comovido com a forma como Solomon arriscou a vida para proteger sua família, Claire o recebe de volta e todos eles deixam o local.


O filme lucrou $7.7 milhões no seu fim de semana de estreia!,  se tornou um dos principais filmes da época capturando bem o espírito de Bill Clinton no governo e os problemas da "social democracia democrata" se podemos dizer assim. Os problemas de se envolver com outras mulheres, enquanto a mulher dele seria do meio político ao estilo Evita começaram a gerar uma semiótica do "escândalo político" e essa atmosfera se encontra presente no filme, quando um casal padrão escolhe denunciar o modelo de médico abusivo republicano (da esposa loira troféu), mas eles mesmos não são pessoas bacanas e isso é colocado no filme o tempo todo, é só reparar bem. 


A ex namorada do marido consegue identificar a babá pelo sino que ela havia dado de presente, a personagem de Julianne Moore observa que o sino que a babá deu para a Claire era o mesmo que tinha na foto da casa do médico que ela estava vendendo, o mesmo médico denunciado por Claire.



A única crítica feita no filme é a forma de contratar uma babá sem checar referências, algo que ninguém faria na vida real, até concordo com isso, mas é tudo no fim uma grande metáfora biológica da relação de criar filhos, ou contratar babás e empregadas, é uma forma de exteriorizar e terceirizar a criação para terceiros que vão formar vínculos afetivos com essa família, isso aqui é toda a premissa e o debate do filme, como a babá loira perdeu sua vida perfeita de esposa troféu, ela vai fazer de tudo para substituir em um sentido sinistro biológico e evolucionista  a mãe da casa, a Claire (que fez a denúncia contra o marido da babá que se matou). 


O filme ainda tem um lado de atualização pensando que atriz foi uma das atrizes que denunciou os estúdios da Miramax por práticas abusivas dos produtores com as atrizes. Annabella Sciorra (que também foi amante de Tony Soprano, Gloria, em Os Sopramos) foi uma das testemunhas no julgamento de estupro do famoso produtor da Miramax (o produtor de Pulp Fiction) Hervey Weinstein, acusando ele de uma situação ocorrida no apartamento dela em 1993. Sim, esse filme é polêmica na veia. A atriz também fez Tulsa King e o filme Jungle Fever de Spike Lee, a atriz se marcou pelo arquétipo da apaixonada e dona de casa extremamente passiva em seu atuação. 




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