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Machado de Assis X Aluísio de Azevedo: A clássica briga da literatura nacional que não te contaram na escola

 


Os dois literários entraram para o dia-a-dia das escolas e para o senso comum da literatura. Só que Machado de Assis virou deus da literatura nacional, cultuado hoje em dia no estrangeiro e Aluísio de Azevedo, por grande contradição da história, logrou um lugar subalterno no estrangeiro em relação a sua obra, quando tudo que fazia na época era tentar imitar as referências estrangeiras. Naturalismo versus realismo brasileiro. Quem veste a camisa do Brasil mais?


É por muito mais do que uma batalha de estilos que guerreamos na literatura,  lutamos pela possibilidade do imaginário representar a sociedade em questão, é uma batalha por ideologia e por mérito literário também, como também é uma batalha por uma construção de nacionalidade. Aluísio era bem racista em sua obra, até por ser um "branco puro da corte" e se sentia assim demais, se sentia mais que os outros por ter o diploma da academia de Belas Artes Imperial, passou a vida toda "criticando" a monarquia em termos e os clérigos através de seus desenhos e caricaturas, ao contrário de Machado de Assis, que foi praticamente um autodidata e não era bom aluno da escola, apesar de ter aprendido 6 idiomas praticamente sozinho. 


Esse anticlericalismo de Aluísio de Azevedo não evitou que suas estórias fossem contra o ideal nacional. A ideia de monarquia constitucional se materializou no Brasil em uma ideia de resgate aos ideais regionais e na criação de um passado mítico de união pacífica entre raças, as três predominantes, claro que era uma "ideia fora do lugar", porém a "solução" da crítica da representação da monarquia ser a crítica em si do povo é um fator que os centros universitários falharam em explicar em suas análises.


É de Machado traduções como a O Corvo de Edgar Allan Poe e Os Trabalhadores do Mar de Victor Hugo.  E não era somente Machado de Assis que se sentia assim em relação ao Aluísio, também o sociólogo Sílvio Romero e Raul Pompéia. 


Enquanto Brás Cubas de Machado de Assis incorpora uma crítica a ordem senhorial colonial brasileira da época e o consumo ávido por ideias de cientificidade vindas de fora, a erudição pela erudição e outras formas de mazelas da imprensa. Apesar de muito bonitas e técnicas as  caricaturas de Aluísio, ele também é responsável por uma visão pejorativa que foca nos pretensos "problemas" nacionais. 


ALUÍSIO AZEVEDO (1857-1913). “A propósito dos Trinta Botões”. Fonte: O Fígaro, n. 20 - 13/05/1876


Aluísio escreveu o livro "O Mulato", onde um homem mestiço é por fim morto por seu algoz que acaba casando com sua namorada Ana Rosa. Esse fatalismo da sua literatura naturalista busca enterrar o romantismo da primeira fase da escrita de Machado de Assis, mas sem sucesso. A segunda fase de Machado de Assis são estórias imbuídas quase de molduras cinematográficas que ficam na cabeça e suscitam debates até hoje. 

Para ser justa, é insuficiente classificar como faz a escola também a segunda fase de Machado de Assis apenas como realista. O seu realismo era o oposto do realismo europeu, sua visão não era de engrandecer a cientificidade e estabelecer uma verdade universal, a verdade da literatura machadiana é exatamente o questionamento de verdades universais! Como visto em Dom Casmurro, Memórias Póstumas de Brás Cubas e O Alienista, entre outros. Esse detalhe aqui faz a gente querer debater realmente o que aprendemos no automático da escola, e que podemos repensar um pouco depois de estudar mais. O realismo em machado apenas pode ser considerado realismo se percebemos que é um realismo 100% nacional e não apenas uma importação de tudo.

Sílvio Romero já falava em seu livro clássico História da Literatura Brasileira sobre isso, quando falava da obsessão de certos escritores com um pretenso "atraso brasileiro", uma ideia muito preconceituosa e que impregnava as "concepções científicas" da época, muito inspirado em teorias como as de Buckle (Autor de História da Civilização na Inglaterra).

O único livro de Aluísio que gostei foi "Filomena Borges", onde ele critica as exigências femininas frentes ao casamento como apenas materialidade, onde sua personagem é uma esposa que exige até mesmo empregados dela sejam brancos, além de um monte de outras exigências. Já em "O Cortiço", melhor livro de Aluísio há o mesmo desprezo velado aos pobres, escondido sob uma pesada pesquisa pra retratar uma certa cientificidade sociológica da pobreza dos cortiços do centro do Rio de Janeiro antes do bota abaixo e da demolição da fachada do centro do Rio de Janeiro antigo. Também é em "O Cortiço" que temos a primeira referência a homossexualidade na literatura nacional, o que é de fato importante em país conservador como o Brasil. 


Mas no mais, Machado de Assis está certo, a literatura que entrega fatalismo por fatalismo do naturalismo é um problema exatamente por querer colocar um "liberalismo fora do lugar", como também ideias literárias fora do nosso lugar. Quem era um excelente crítico de Machado de Assis era Roberto Schwarz. Por isso que seu trabalho, altamente detrator da pessoa individual de Machado de Assis, que foi acusado de tudo de ruim possível, até de "casar com uma branca". 

No fim da sua vida, o gênio latino de Machado de Assis mostrava que ainda incomodava o agora embaixador que chegou a abandonar a carreira das letras. O escritor era tão invejoso do sucesso e tão racista que nunca cansou de "apontar as falhas de Machado", segundo ele, "A gagueira, a "mulatice" e aparentemente sua pobreza de origem. Mas se escondia de crítico a tudo e todos e por isso passou para a história como uma literatura engajada com suas caricaturas que riam do povo e do império juntos, essa característica jocosa da forma como se desdenha do povo, do índio acabou entrando na história como exatamente o contrário do que fazia. 

Em termos de identidade social e racial, a crueldade da falta de respeito pela identidade das pessoas é enorme no Brasil. Não poderia ser o melhor escritor do Brasil vindo da miscigenação? Era um pensamento forte demais para a elite da época aceitar, mas mesmo assim, essas elites preferiam ler Machado falando mal delas, do que Aluísio falando mal dos índios e pobres. Comparo Aluísio de Azevedo com toda a tradição impressa de direita, que se seguiu depois Carlos Lacerda e afins. 


Hoje em dia, o tipo de humor de Aluísio está presente nas propostas , que se fingem de 'estética revolucionária' para entregar o naturalismo que desconfia e pune os pobres por eles serem "não vacinados", "não limpinhos o suficiente", e tudo isso é mascarado com o humor, soa até mesmo de esquerda ou progressista. É exatamente essa a piada por trás de A Missa do Galo, onde o jovem mancebo compara Conceição com uma personagem sedutora de "Os Três Mosqueteiros". A ilustração e o progresso puro, ou positivista aproveita da falta de consciência ou interpretação de texto das pessoas para vender uma narrativa "estamos mudando o mundo, pena que são todos tão incivilizados para entender isso".    


O primeiro efeito foi o que foi feito nos portas retratos e imagens da época, de "embranquecer" Machado, em pinturas, em comentários. Depois o efeito devastador foi querer caracterizá-lo como exclusivamente negro, como se ele não fosse atravessado por todo um contexto étnico próprio dele. Mesmo coisa é a crueldade com Lima Barreto, que morreu este sim pobre para depois ser alçado como "herói da república insipiente", mas a realidade é que nem mesmo a república foi inclusora por ter sido inicialmente uma "república das espadas", uma sequência de estabanadas intervenções militares que serviram para segurar as revoltas populares que aconteciam mesmo com o fim da monarquia. 

 Seu local final da vida como embaixador do Brasil provou esse ponto, que era para ele uma corrida. Ele foi servil em demasia com os moldes estrangeiros, abraçando como uma líder de torcida o realismo e o naturalismo sem saber fazer nos moldes brasileiros. A briga era muito mais do que uma briga estilística entre o naturalismo de Aluísio de Azevedo e o realismo brutal e não mascarado de Machado de Assis é uma verdadeira dádiva. O crítico literário Alfredo Bosi, por exemplo, descreve seu naturalismo como um mundo onde os fortes comem os fracos. e a natureza afigura-se-lhe uma certa selvageria.

 Esse fatalismo, típico das elites devassas encaixa como uma luva na ideia racista da influência da hereditariedade na formação dos indivíduos. O que é assustador é que ainda passamos nas escolas o trabalho de Aluísio sem a verdadeira reflexão do caráter danoso dessa forma de etnografia naturalista proposta do Aluísio de Azevedo. 


A época de publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas coincide com a obra de Aluísio O Mulato, eles disputavam o público leitor da época e não podiam ser mais diferentes um do outro. Aluísio acabou a vida como embaixador e teve que engolir Machado se transformar no "Gênio latino" enquanto a ele era logrado um lugar transversal de imitador de Émile Zola, o que é contraditório. Já que Zola era conhecido por defender pautas humanistas, e Aluísio de Azevedo adaptou o naturalismo para uma certa "estética do lixo" usada na verdade para ir contra pessoas populares. Como o caso de seu livro "O Cortiço" que foi sucedido por reformas urbanísticas para "civilizar" aquela população. O que aconteceu sem nenhum preparo para as classes mais baixas. A Reforma Pereira Passos foi um verdadeiro bota abaixo, e a primeira década do século XX veio para garantir um Rio de Janeiro mais galante e burguês. 

Machado de Assis nunca afrontou Aluísio de frente, mas fez uma baita crítica ao realismo das elites ao estilo de Eça de Queiroz (autor de "O Primo Basílio"). Machado falou sobre esse realismo estrangeiro, meio "fora do lugar" no Brasil. Ele está criticando exatamente o ethos de formação nacional que segue formalmente tudo que o poder monárquico queria. 

Apesar do irmão de Aluísio, Artur, autor de peças de teatro se rum grande admirador e amigo de Machado. Para Machado essa literatura ao estilo de Eça de Queirós era uma "visão de sogra" em uma crônica da série "A Semana", publicada dia 29 de setembro de 1895, elogiando o tal "livro de sogra", ou seja, fala sobre essa forma de "literatura de aconselhamento moral", ao estilo "cuidado com a bruta realidade da vida". 


Esta é a citação da crítica de Machado sobre o livro O Primo Basílio, do português Eça de Queiróz:


"Tal me parece o livro do sr. Aluísio Azevedo. Como ficou dito, é antes um tipo novo de sogra que solução de problema. Tem as qualidades habituais do autor, sem os processos anteriores, que, aliás, a obra não comportaria. A narração, posto que intercalada de longas reflexões e críticas, é cheia de interesse e movimento. O estilo é animado e colorido. Há páginas de muito mérito, como o passeio à Tijuca, os namorados adiante, o dr. César e d. Olímpia atrás. A linguagem em que esta fala da beleza da floresta e das saudades do seu tempo é das mais sentidas e apuradas do livro."


Aluísio divulgou sua opinião em favor do realismo em 1878 na revista Comédia Popular. Seu trabalho como produtor de charges foi feito na sua vida depois de se formar na faculdade de Belas Artes do Império, mas contraditoriamente, os estudos historiográficos sobre sua pessoa tentam o encaixar em um "crítico" da monarquia, sim acreditem se quiser. Fazer charge do povo faminto, e ainda fingindo ser crítico a posição monárquica que já ocupava. 

Em uma das charges acima, ele critica a relação vulgar entre a monarquia e a política frente a abolição, pensando um pouco que aquele papo de "a abolição não foi suficiente" pode ser a mesma opinião de Aluísio em fazer graça com a abolição. Pensar que atacar todo mundo pode não fazer exatamente de você um cara democrático, ás vezes era como ele mascarava seus preconceitos. 


José de Alencar e Machado de Assis eram alvo de caricaturas, junto com o imperador. Havia uma certa crítica aqui enraizada, Alencar e Machado eram mais pró nacional e românticos possíveis e tentavam não atacar frontalmente a monarquia, pois isso poderia ser visto como uma postura que favorecia a própria monarquia de vida. É o velho, fale mal mas fale de mim.  


José de Alencar, por exemplo, aparecia como o melhor interpretador do todo nacional e de pautas ligadas ao indigenismo e a venda da ideia do brasileiro comum ou da própria formação do carácter e da identidade nacional, na figura literária de um Ubirajara, ou de O Guarani. Machado de Assis, apesar de toda sua brutalidade narrativa não achava que eram as luzes que nos salvariam, como Aluísio de Azevedo. O escritor, apesar de ter muito mérito em muitas páginas de seus livros, peca por achar que o problema do Brasil é o pobre, o étnico, o negro, o pardo, esse é seu maior crime. 


Apesar de jogar críticas em geral para todos, é em cima da noção de anomia e anormal que ele tece todas as suas críticas. Criticava o Império, mas por isso ganhava a moeda de troca necessária para poder para charges sobre Jose de Alencar e Machado de Assis, ou lhe dirigir "cartas abertas" de repugnação sobre seu carácter, vontade e estilo.  


ALUÍSIO AZEVEDO (1857-1913). “As três idades do Brasil”. Fonte: O Mequetrefe, n.94 - 19/03/1877


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