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Asteroid City (2023): Filme discute as relações entre mídia, ciência e cinema para refletir contradições entre representação e realidade na sociedade atual


Asteroid City é um filme de comédia-drama americano de 2023 escrito, dirigido e produzido por Wes Anderson. O enredo metatextual simultaneamente retrata os eventos de uma convenção de Astronomia Júnior em uma versão retrofuturista de 1955, encenada como uma peça em um programa de tv, que adapta um romance fictício. Na peça, uma convenção de astronomia juvenil é realizada na cidade fictícia do deserto de Asteroid City. Além de uma homenagem a cultura UFO de maneira geral, o filme reflete a ciência atual e as mais recentes produções de Hollywood


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Esse é um dos filmes mais simples já realizados por Wes Anderson. Ele possui uma estrutura não linear, que faz com que a compreensão total do filme passe por entender as camadas que o compõe. Primeiro, a explicação para tornar tudo mais claro: Asteroid City é, na verdade, Hollywood e o filme é sobre, principalmente, o mundo do cinema e suas relações na sociedade. Em muito, o filme me lembrou o filme nacional Bacurau (2019), onde diria que até mesmo parece uma resposta ao filme.


Em primeiro nível, é um programa de TV, apresentado pelo Bryan Cranston (de Breaking Bad). Esse programa de diversidade, em preto e branco e ao melhor estilo anos 50, que está contando a história do livro de um autor. Eventualmente, o autor (Norton) também é um personagem do programa de TV mas em nível anterior ao da trama principal do filme. Na trama principal, é onde vemos de fato "o filme", mostrando a cidade de Asteroid City, seus personagens e relações. Ou seja, são 3 níveis: o do programa de TV, o do autor e da cidade, que é a história do romance do autor.


Aqui temos a primeira "crítica" do filme, uma vez que pela hierarquia do discurso, é como se, na era das séries, a televisão mandasse em tudo. A televisão adapta e conta história do autor. E o cinema, o filme em si, estaria em um nível inferior da narrativa, uma história dentro da história. 


Com a excentricidade, ironia e mimética típica dos filmes de Wes Anderson, somos introduzidos microcosmos dessa sociedade que é impregnada pela visão extravagante visualmente e nas cores dos cenários e roupas, assim como nas personalidades estereotipadas de seus personagens. Esse detalhes tornam clara a intenção de Anderson, que é fazer uma sátira da sociedade que está representando e seus ecos com a sociedade atual.



Em outros filmes, o diretor já havia utilizado os efeitos especiais para fazer fundos e cenários impactantes. Porém, nada como dessa vez, onde ele usou o efeito para ressaltar o seu lado "escroto". Se antes, como em Hotel Budapest, o diretor usou esses efeitos para aumentar a sensação histórica, aqui ele usa para basicamente construir cenários que parecem casas da boneca Barbie. Os personagens também se comportam como bonecos, dando um caráter impessoal, de maquete, que geralmente seus filmes não possuem. Ou seja, são personagens que o diretor menos simpatiza até hoje. 


O plot principal, segue o o fotojornalista de guerra, Augie Steenbeck, que está chegando na cidade para a convenção Junior Stargazer com Woodrow, seu filho adolescente intelectual e suas três filhas mais novas. Quando o carro deles quebra, Augie liga para seu sogro, Stanley, pedindo sua ajuda. Stanley, que não gosta do genro, o convence a contar aos filhos sobre a morte recente de sua mãe, que Augie havia escondido. 



Nesse meio tempo, vemos ao fundo explosões de teste da bombas atômica, que são registradas por Augie em sua câmera. Aqui, ficou uma referência indireta a Oppenheimer, que projetou e coordenou os projetos da bomba atômica e está sendo adaptado pro cinema atualmente. Na visão do filme, os testes da bomba são um absurdo ridicularizado pela estética do filme, mas que acontece distantes de todos: Só importa para a pequena cidade, que representa como dissemos, a Hollywood atual. 


Augie e Woodrow conhecem Midge Campbell, uma atriz famosa, mas cansada do mundo, e sua filha Dinah, que, como Woodrow, será homenageada na convenção científica para jovens super dotados. 



Augie e Midge, e Woodrow e Dinah, gradualmente se apaixonam ao longo da peça. Os outros participantes da convenção chegam: o general cinco estrelas Grif Gibson, o astrônomo Dr. Hickenlooper, três adolescentes homenageados adicionais (Ricky, Clifford e Shelly) e seus pais (JJ, Roger e Sandy), um ônibus cheio de crianças do ensino fundamental acompanhadas pela jovem professora June Douglas e uma banda de cowboys liderada pelo cantor Montana. Um motel local oferece acomodações para todos. 


O ponto da piada aqui é dizer que a ciência, a mídia e subsequentemente a televisão e o cinema, acompanham uma música que quem toca a batuta são os militares. Em tese, é sabido que os militares tem a missão constitucional de manter a segurança nacional, devendo seguir a ordem do presidente. Só que o filme mostra que, através de uma visão meritocracia, os eventos e premiações de reconhecimento servem como formas de intervenção ideológica ao passar valores a serem seguidos. É como se o liberalismo americano, da inovação, da pesquisa, da opinião pública, tivesse aqui o seu limite: aquilo que as instituições de Estado, como governo e no caso os militares, pensassem que são positivos. 



A ciência sabe de sua submissão, mas ela não consegue superar a estrutura como o filme mostra, por sua própria visão ser democrática. É assim que nasce o mito dos "jovens prodígios". Quantas vezes você já não viu na televisão ou em reportagens sobre alguma criança que começou a ler mais cedo ou falar algo mais cedo, ou sobre qualquer tipo de talento extraordinário que mostre "o meu filho é mais merecedor que o seu". Essa ideologia de festival de música de calouros contagia no filme toda a estrutura da sociedade, mostrando a intenção do diretor que é questionar o quanto todos não deixam se contaminar pela ideologia de campeonato e meritocracia dentro da própria democracia.



O filme mostra isso na sequência onde apresenta os jovens que estão concorrendo e seus projetos. O primeiro, é na área de aeronáutica, o que é clichê em sua ideia de jet pack. O outro, um projeto de raio desintegrador, ou seja, algo para guerra. O que chama mais atenção: o projeto da moça de fazer crescer mais rápido as plantas, o que infelizmente torna todas as plantas tóxicas, uma referência óbvia aos agrotóxicos, que tornam os frutos livres de pragas e fazem eles crescerem, mas tornam perigoso para quem trabalha com aquilo e em parte para quem consome. O outro é de criação de um elemento da tabela periódica através de um composto alienígena, ou seja. Por, último o projeto do filho de Augie, que é ironicamente representado pelo diretor como uma apenas reproduzir a bandeira dos Estados Unidos na lua. 


São todos projetos que podem ser questionados por serem no limiar da propaganda e da mentira, para reproduzir uma ideologia científica a favor dos militares e da ideologia de guerra. Por sua perspectiva histórica, é uma provocação interessante já que os anos 50 nos Estados Unidos, considerada a "era de ouro" do cinema e da economia dos baby boomers, foi uma era governada pelos republicanos, especificamente por Eisenhower. Ou seja, uma era de conservadorismo e retrocessos em diversos campos, como na ciência, mas foi vendido por Hollywood como uma era de ouro, por recuperar o escapismo do cinema dos anos 20 e dos anos 30, eras de crise econômica, só que agora com um estilo vendável e positivo. 


As melhorias nos equipamentos tecnológicos e cinematográficos também foram fundamentais nesse processo. Além da technicolor, foi a era da proliferação das televisões como bens de consumo. A família podia não ter uma TV, mas com certeza cobiçava ter uma. Tudo isso passava a noção cínica de que o consumo era a solução para os problemas sociais, assim investimentos em educação e ciência podem ser cortados. 


No filme, todo esse debate se resume ao seguinte sentido: o que é realmente sucesso? Muitas vezes a ideia de sucesso se confunde com a ideia de mérito, logo não sabemos se estamos fazendo aquilo por acreditamos naquilo que está na pesquisa ou pois apenas é aquilo que se espera de você. A mesma coisa pode valer para o cinema, que é a reflexão principal do filme. Na hierarquia narrativa do filme, o cinema estaria sendo usado como a detração que a televisão faz de um romance literário ficcional. 


Em um clima aparentemente irônico, esse é o filme mais cético e pessimista de Wes Anderson. Com a temática espacial, ele retoma com sutileza algo que explorou subjetivamente em seu primeiro filme, Bottle Rocket (Pura Adrenalina, 1996) e da própria infância e formação do diretor. Se em Bottle Rocket ele usou a temática apenas para marcar que a cultura da corrida espacial dos baby boomers levava um dos protagonistas cometer crimes por sua megalomania e desejo de grandeza. Aqui isso é explorado de novo, mas agora em termos maiores e misturados com a biografia do diretor, que veio de Texas e era considerado talentoso quando criança, tendo realizado filmes em tenra idade com a super 8 de seu pai. Porém, quando cresceu, se tornou apenas projecionista de cinema enquanto se tornou em filosofia na faculdade. Sua oportunidade no cinema veio de seu amigo de faculdade, o ator e humorista Owen Wilson, que estrela o primeiro filme.



Toda essa cultura do "rush" da corrida espacial, inspira até hoje as relações de mercado, familiares, científicas e de trabalho. Se responde a uma rotina de produção que tem valor por si própria, não pelo valor da importância dos assuntos. Um jornal continuará saindo todos os dias, mesmo que não haja notícias novas. Essa cultura do acontecimento, do publique ou pereça, é segundo o filme um veneno cultivado por todos na sociedade desde pequenos. 



Logo, nos sentimos culpados ser pouco produtivos ou estar "de fora" dos principais acontecimentos, pois o espaço e a velocidade dos assuntos se confunde para criar um universo dos assuntos mais comentados, porém que ninguém sabe o motivo original de estarem sendo comentados. Como quando uma série ou filme ganha uma continuação, mesmo que ninguém tenha pedido por isso. Isso é em parte fruto da publicidade, mas também é refém dessa lógica, uma vez que pode estimular a pauta, mas apenas dentro daquilo que já é em parte interesse das pessoas por um jogo de valores que é social e econômico. 


Vale destacar a elaboração dos recursos técnicos nesse filme, principalmente a trilha e efeitos sonoros. Eles funcionam como uma orquestra que toca constantemente ao fundo dos acontecimentos do filme, com marcações sonoras nos momentos que quer enfatizar momentos marcantes da narrativa. O estilo meio chapado de Wes Anderson de colocar a câmera sempre de maneira centralizada, continua lá. Mas agora ele parece ter aberto para certo mimetismo sincronizado, como num balé, que ironiza sua própria linguagem. O uso dos arquétipos para marcar a narrativa também é interessante, em um elenco que muito rico mas não tão bem aproveitado no filme. Eles estão lá mais para reforçar a piada. Ou como na cena que mostra os bastidores do programa de tv e vemos o ensaio dos atores, como se fosse o próprio bastidor do filme.





Entretanto, o filme não é perfeito. Alguns elementos ensejam que o filme foi lançado as pressas, pois por causa da greve dos roteiristas não há muita coisa sendo lançada, como o volume das falas mal mixado entre as falas. O final do filme também pareceu mal acabado, uma provocação que o próprio filme explorou ao colocar uma plateia onde todos estavam dormindo, e quem prestou atenção ressaltou o óbvio. Um final em aberto, que pareceu subjetivo demais. 


No final é um bom filme, muito engraçado e reflexivo em alguns momentos. Uma das melhores coisas em um ano de poucos lançamentos relevantes. Entretanto, não é o melhor trabalho de Wes Anderson. Foi mais pela ironia do que pelo rigor. Mas pela temática pesada e pelos tempos mais pesados ainda, sua leveza cômica e suavidade garantiram para mim o sucesso do filme. Um filme corajoso, pois em um período onde todos estão preocupados em bilheteria, o filme se preocupou em fazer pensar e refletir, algo bem raro nos dias de hoje. 



História por trás do filme


Em setembro de 2020, foi relatado que Wes Anderson escreveria e dirigiria um filme de romance, que ele produziria com Jeremy Dawson da American Empirical Pictures e Steven Rales da Indian Paintbrush.


Em fevereiro de 2021, Michael Cera e Jeff Goldblum entraram em negociações para estrelar; o filme foi então descrito como sendo sobre um "grupo de adolescentes inteligentes". Tilda Swinton foi a primeira pessoa a se juntar oficialmente ao elenco, em junho de 2021. 



Em maio de 2023, Anderson falou sobre como a pandemia de COVID-19inspirou o filme e sua história, dizendo: "Não acho que haveria uma quarentena na história se não a estivéssemos vivenciando. Não foi deliberado ... Escrever é a parte mais improvisada de todo o processo. Baseia-se em não ter nada." 



A fotografia principal, originalmente planejada para Roma , ocorreu na Espanha entre agosto e outubro de 2021, com as precauções de segurança COVID-19 em vigor. Vários cenários foram construídos em Chinchón , incluindo um vasto diorama semelhante a uma paisagem desértica com a cidade homônima de Asteroid City, incluindo sua estação de trem, uma lanchonete, uma garagem e um observatório. O membro do elenco Fisher Stevens disse que o filme incluiria "o elenco mais selvagem desde A Ponte do Rio Kwai " e que o elenco e a equipe "estavam todos reunidos em um hotel, que era um antigo mosteiro ". 



O título do filme foi revelado por Bill Murray como Asteroid City no BFI London Film Festival em outubro de 2021. Alexandre Desplat compôs a trilha sonora, sua sexta colaboração com Anderson. O figurino foi de Milena Canonero, ganhadora de vários prêmios da Academia. Em julho de 2022, foi anunciado que a Focus Features distribuiria o filme, reunindo-os com Anderson após Moonrise Kingdom (2012). Também foi revelado que Murray não estaria no filme como inicialmente relatado,  como resultado da contratação do COVID-19.antes que ele pudesse filmar suas cenas. 


Asteroid City se passa em uma cidade deserta do Arizona em 1955, e sua trilha sonora contém 17 canções country e western que foram originalmente gravadas e lançadas durante esse período. O supervisor musical Randall Poster afirmou que "Wes [Anderson] e eu nos divertimos muito montando a música do filme ... Para Asteroid City , estivemos 'caçando e coletando' por um ano antes do início das filmagens."



A trilha sonora também inclui seis canções originais de Alexandre Desplat e duas canções originais de Jarvis Cocker — ambos já haviam sido apresentados na trilha sonora de The French Dispatch de Anderson — e Richard Hawley .


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