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The Warriors (1979): Filme mostra como o fim do estado de bem-estar jogou juventude à tribalização e no grupalismo

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The Warriors (1979) é diferente da maioria dos filmes americanos. No lugar das grandes produções, um filme underground e independente. No lugar de um Estados Unidos glamoroso e luxuoso, trens, violência, gangues e locais urbanos escuros e sujos. Esses elementos, atrelados a um roteiro primoroso, fazem do filme algo como um grafite feito com pincel. Polêmico e inclusive censurado na época de seu lançamento, o filme foi redescoberto como um clássico cult para as gerações seguintes


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Crítica do filme


O filme foi acusado de gerar uma onda de violência e vandalismo, com acusações de jovens estarem depredando salas de cinema, ruas e transportes inspirados no filme. Essa versão nunca foi provada, mas os produtores do filme reduziram sua publicidade e tempo de exibição nas salas.


Entretanto, críticos e membros da produção afirmam que o filme foi perseguido pelo seu teor político.


Primeiro, vamos as bases do filme. Originalmente The Warriors era um livro, escrito por Sol Yurick. Yurick era filho de país judeus de descendência russa e da classe trabalhadora, fazendo com que sua vida familiar em seus primeiros anos fosse baseada, nas palavras do escritor, em "Marx e Lenin, greves e manifestações, eram tópicos regulares de conversas à mesa".


Com o fim da segunda guerra, ele se formou na Universidade de Nova York, em literatura. Ele se formou e conseguiu um emprego no departamento de bem-estar da cidade de Nova York como assistente social, cargo que ocupou até o início dos anos 1960. 


Nesse período o escritor conheceu aquilo que chamou de "filhos de famílias de bem-estar social". A referência do escritor faz alusão as mudanças econômicas e sociais nos Estados Unidos na segunda metade dos anos XX, como o conhecido neoliberalismo, que levou ao empobrecimento das famílias americanas e a morte do "American Way Of Living", perante o aumento mundial do preço do petróleo, do custo de vida e do consumo de maneira geral. 


Isso fez com que as então novas gerações, principalmente dos anos 70, não vissem sentido no pacto social e política que sustentava aquele modo de vida americano.  Segundo Yurick, muitos jovens na época eram "então chamados de delinquentes juvenis. Muitos deles pertenciam a gangues de luta muito numerosas, eram verdadeiros exércitos. " Politicamente, Yurick estava envolvido com Students for a Democratic Society e com o movimento anti-guerra na época. Em 1968, ele assinou a promessa de " Protesto contra Impostos na Guerra de Escritores e Editores ", prometendo recusar o pagamento de impostos em protesto contra a Guerra do Vietnã.


Logo de cara, o primeiro romance de Yurick foi nada menos que  The Warriors, lançado em 1965. Segundo Yurick, sua história buscou referência em uma história clássica grega, Anabasis , com um relato fictício de guerras de gangues na cidade de Nova York.


O livro Anábase, escrito por Xenofontes, retrata a saga do Exército dos Dez Mil, um grupo de soldados mercenários contratados por Ciro, o Jovem, príncipe persa, que desejava tomar o trono do Império que estava em posse de seu irmão, Artaxerxes II. 


O desenrolar dos sete livros compostos por Xenofonte contam os fatos que levaram, construíram e desdobraram a Batalha de Cunaxa onde o enfrentamento entre os irmãos se concretiza. Nesse contexto, Xenofonte, a convite de Próxeno, acompanha o Exército ao lado de Ciro e partem, então, de Sardis. Na Batalha de Cunaxa, as forças do Exército dos Dez Mil derrotam o exército persa. Porém Ciro é morto durante o processo e a batalha, em um ato, descrito por Xenofonte como de arrogância do comandante grego Clearco, em não obedecer as táticas ordenadas por Ciro. Assim, mesmo com resultado favorável, não atinge seu propósito de destronar Artaxerxes II e coroar Ciro.


O filme e o livro são fortemente influenciados por essa narrativa, basta vero nome do líder dos Riffs que discursa no início da história: Cyrus. A história do filme inteira se dá em torno desse pronunciamento de Cyrus e sua fatídica morte. 


Cyrus Warriors


A princípio o enredo do filme é bem simples. Em um futuro não muito distante e sem data específica, Nova York foi reduzida uma cidade obscura e fragmentada, onde cada bairro é comandando por uma gangue diferente. Nesse cenário nem um pouco republicano, a poliarquia política e a disputa por território imperam e superam as barreiras da sociabilidade. 


Buscando uma referência no sociólogo Michel Mafesolli, no universo de The Warriors a sociedade americana e o individualismo se fragmentaram em um extremo tribalismo e grupalismo. A noção de indivíduo é diluída na noção cultural de pertencimento. Logo, se você estiver com o símbolo de outra gangue, seu sujeito simplesmente não existe, e é aplicado a você o tratamento previamente estabelecido contra tal grupo, geralmente hostil.


O filme não explica, mas é nesse universo que acontece Warriors. Várias partes do livro, como por exemplo o sequestro de Swan e a morte de outros membros do grupo, foram subtraídos do filme. São fatores assimilados de maneira atmosférica na estrutura do filme, já que seriam quase impossíveis de se representar visualmente com pouco orçamento. 


Daí a genialidade da cena inicial da roda gigante, dos trens, dos mapas para mostrar os territórios e suas gangues, até a grande reunião. As roupas chamativas e estilosas, acessórios como o icônico colete dos Warriors, a pintura facial dos Furies e seus tacos de beisebol e outros elementos estéticos, como filmar ângulos estranhos e escuros de locais urbanos comuns, constroem uma sensação fotográfica de estranhamento e distópia. 


O filme utiliza uma técnica que muitos filmes B fazem: um início chamativo e grandioso para chamar a atenção do público. Por isso, tudo que se sabe já aconteceu e tudo que está por vir é inesperado, e logo deixa o espectador vulnerável. Impressiona a quantidade de figurantes na cena inicial. 


A direção é de Walter Hill, que tem vários filmes analisados aqui no blog. Hill é marcada por um estilo visual vibrante e estilizado, que mistura elementos de quadrinhos, mitologia grega e cinema exploitation. Hill usa cores fortes, iluminação dramática e enquadramentos dinâmicos para criar uma atmosfera de fantasia urbana, onde as gangues se vestem com trajes extravagantes e têm nomes como The Baseball Furies, The Lizzies e The Orphans. O filme também se destaca pela trilha sonora composta por Barry De Vorzon, que combina música eletrônica, rock e funk para criar um clima de tensão e urgência.


A direção de Hill também explora os temas da violência, da lealdade e da identidade nas ruas de Nova York. O filme retrata a cidade como um território dividido e perigoso, onde as gangues lutam pelo poder e pela sobrevivência. Ao mesmo tempo, o filme mostra a solidariedade e o código de honra dos Warriors, que enfrentam os obstáculos com coragem e determinação. O filme também questiona a legitimidade da autoridade policial, que é vista como corrupta e ineficaz.


Em resumo, a direção de Hill em The Warriors (1979) é uma obra-prima do cinema de ação, que cria um universo fascinante e original, ao mesmo tempo em que reflete sobre a realidade social e política da época. O filme se tornou um clássico cult e influenciou diversas obras posteriores no cinema, nos videogames e nas histórias em quadrinho


O filme também possuí uma sutileza sociológica tanto na diversidade dos personagens, seus trejeitos e características, como nos inimigos e gangues, assim como na forma que eles terão que lidar. Por exemplo, com os Orphans eles tiveram que falar grosso. Já com os carecas e os Furies não teve diálogo. Isso dá a sensação de ambiente vivo ao filme. 


Walter Hill Warriors 1979


Também é muito simbólica, a cena onde já quase no fim da aventura a gangue se choca com um grupo de jovens, mais ou menos da mesma idade dos Warriors, mas bem arrumados e risonhos, parecendo terem saído de um baile. Um cena onde as diferenças sociais e de realidade se chocam, e vemos exposta a metáfora perfeita das duas Américas: uma pobre e marginal, e outra polida e social democrática que vemos na maioria dos filmes americanos. Quando Swan pega as flores e oferece para Mercy, a metáfora se completa: enquanto uns se divertem, aquela noite de trauma e realismo foi o baile deles. Todo romance que se pode ter.


Em termos técnicos, o filme é muito bonito visualmente. A fotografia suja e escura, dando destaque a certos elementos, com uma iluminação que combina tons de cores, dão um charme independente e autoral ao filme. A atuação da maioria dos atores não é genial, mas eles compensam nas cenas de luta. Para se ter noção, a cena de luta com os Punks no banheiro levou 5 dias de gravação até que o diretor achasse convincente. 


A cena do líder dos Rogues gritando "Warriors, come out to play" chacoalhando garrafas coms os dedos, foi improviso do ator e entrou para o hall das cenas mais icônicas do cinema.


Warriors come out to play


Os personagens são muito bem trabalhados, dando a impressão de serem conhecidos próximos, algo geralmente mais comum nas séries, algo que aliás a Warriors merecia ter. Existe ainda o game de PS2, que inspirado na cena inicial do filme que foi cortada, se passa antes da grande reunião e atentado contra Cyrus.




Se você gosta de cinema, não tem como: Warriors é um filme obrigatório para ver antes de morrer. 

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