O Último Chá do General Yen (1933): Ancestralidade e cultura chinesa seduzem o Ocidente em filme esquecido de Frank Capra
Por
Regina Guedes
Filme de Frank Capra sobre uma missionária (Barbara Stanwyck) que vira prisioneira/hospede de um general chinês, após ser deixada para trás por seu noivo. Com script de Sternberg e Edward Paramore e adaptado por Grace Zaring Stone, autora do livro publicado em 1930. O próprio governo da China pré-revolucionária odiou o filme. Lançado nos anos de 1920 em meio ao conflito entre comunistas e nacionalistas na China, o filme teve pouca bilheteria e acabou ficando esquecido, algo que os produtores definiram como "reação racista" ao enredo
Assista o filme ao final deste artigo
Corresponde a chamada era "pré-codigo", uma curta época antes da adoção do som em 1929, e também antes dos códigos de censura, chamados "Hays code" até mais ou menos 1934. Permitindo fazer filmes com temas normalmente censurados, como a temática de China. O filme foi criticado por abordar um romance entre inter-racial, quando ainda vigorava nos Estados Unidos leis específicas contra isso. Já na China o filme foi censurado por outros motivos, por uma acusação de xenofobia.
Isso ocorreu durante o processo de Guerra civil em Shanghai, alguns missionários receberam na sua casa convidados para o casamento do Dr. Robert Strike, um amigo missionário e Megan Davis, sua namorada de infância para fazer o casamento deles. Ele não a vê por três anos antes disso. Esses missionários são retratados como pessoas aterrorizadas com o oriente e seu "barbarismo".
O comentário assinado por General ninguém é: "esse idiota prefere a guerra civil do que os braços amorosos de sua noiva". |
Se baseando em uma novela de Grace Zaring Stone, sua terceira com mesmo nome do filme. Enquanto vivia na China com seu marido, Capitão Ellis Stone, comandante militar.
O diretor resolveu colocar uma meia de seda em frente a tela da câmera para dar o efeito de sonho ao filme. |
No livro é mais uma referência de debates existenciais entre uma garota inglesa típica das famílias mais puritanas, e filha de um reitor universitário, e um general de guerras chinês, o General Yen. Já no filme o contexto do romance é inegável. Seu noivo no livro é filho de pastor episcopal e é médico e doutor missionário na China na região próxima de Shanghai de Sunkiang.
A autora não gostou da escolha da atriz, mesmo sendo ela que realizou a adaptação, e também não gostou nada de não ter sido um chinês a interpretar o General Yen. O conselheiro de finanças o adverte em certa altura do filme, "não esqueça que ela é uma mulher branca", como referência disso, e ele responde: "mas eu não tenho preconceito.
A novela é mais sobre um debate de visões de mundo, entre a visão judaico cristã de Megan contra e educação, sabedoria e pouco sentimental filosofia do General Yen. No filme há uma abordagem maior em torno de uma visão mais romântica dos dois. Frank Capra também utilizou de truques na fotografia do filme de Joe Walken, como utilizar meias de seda para dar um olhar difuso e romântico para a película.
O Dr. Robert Strike resolve cancelar o casamento de última hora em meio ao conflito da Guerra civil, e Megan insiste para acompanhar ele nessa missão que ele tem de levar órfãos com o salve conduto do General Yen, segundo o que os missionários, esse generais eram "quase bandidos".
Mas Megan ao cumprimentar o General Yen na rua conversa com ele e parece ficar impressionada com o fato dele ter modos "tão ocidentais", fato que é desmentindo por uma das convidadas que fala frases racistas para se referir ao General chinês.
Enquanto o noivo pede um papel de permissão ao General para conseguir passar, ele não percebe que o clima de revolução era maior que sua aparente missão. Enquanto na mansão todos parecem alheios a revolução conversando sobre o casamento de Robert e Megan que é cancelado sugere a narrativa por conta da atitude bunda mole puritana de Robert, que é retratado como um "humanitarista" e "engajados", como Megan também.
Nessa parte o filme é muito conservador por retratar o medo dos missionários com a revolução por serem estrangeiros com uma forma de racismo bem explícita e explorada abertamente pelo filme, que em vários momentos demonstra os ocidentais estrangeiros como incrivelmente racistas.
O filme é diferente também exatamente por isso, retratar a figura de um nacionalista chinês, longe de ser comunista, alguém que por fim a história ensinaria na melhor lição do filme, que perdeu o poder por conta de um contexto de revolução social muito maior do que ele. Como se o o tempo e a tradição dele tivesse acabado na metáfora da última cena do General Yen.
Depois de atingir o orfanato St. Andrews e resgatar as crianças, eles tem lidar com o roubo do carro deles. Robert e Megan são atingidos por uma pancada na rua, enquanto isso o General Yen, um poderoso senhor de guerras chinês que controla Shanghai a vê em apuros. Quando ela é resgatada é levada a concubina Mah-Li do General Yen.
Quando acorda no palácio de verão de Yen, ela conversa com o consultor financeiro ocidental, o americano senhor Jones, contando que ele tinha reunido 6 milhões de dólares em um carro. O General Yen é mostrado como um apaixonado por dinheiro e riquezas, sempre falando sobre algum importado ou de joias. Talvez uma referência ao intenso comércio de especialidades que a China sempre usufruiu. O General Yen representa essa noção de descoberta da China enquanto lugar milenar e berço da civilização, por mais que ocidentais e europeus em geral tendem a esquecer isso. O filme pode ser acusado da mesma coisa, mas certamente possui uma perspectiva original.
Megan repara na rotina de crueldade do General e passa a querer converter ele para sua visão de mundo, começando uma interação de debate filosófica, onde ela parece emanar uma visão democrata de progresso e humanitarismo. Ao mesmo tempo que estranha a crueldade do General Yen, também começa a se interessar por ele de maneira contraditória.
Depois disso Megan tem um sonho com o General Yen, onde ele aparece vestido com garras e maquiagem extra para dar uma ideia de que na mente racista de Megan, o General Yen era como um monstro. Mas ao ser salva por um homem vestido de "roupas do ocidente", ela tira a sua máscara e se surpreende de ver o rosto do mesmo General.
Depois de alguns dias ela dorme observando a festa dos soldados, assim ela cai em sonho profundo, quando entra no quarto dela o Yen, mas com orelhas pontudas e grandes unhas fazendo Megan gritar de medo. Para os críticos uma cena ridicularizando o racismo de Megan com os chineses. Quando chega o seu "protetor" e ele se revela através da máscara é o próprio General Yen, dessa vez vestido em roupas americanas.
Depois disso, ela aceita jantar com ele, ao mesmo tempo que continua se dizendo contra as atitudes do General Yen, ela também começa a se vestir com as roupas de seda chinesa e a gostar de festas locais próximas ao palácio.
Depois quando Mah-Li, a concubina, é pega por ser uma espiã, Megan tenta interferir para que ela não seja morta. O General Yen pergunta filosoficamente, se ela trocaria sua vida pela de Mah-Li, e ela aceita. Depois disso, Mah-Li o trai e passa informações sobre o dinheiro dele. Tudo isso graças ao "humanismo cristão" de Megan.
As coisas ficam como um jogo por controle entre Megan e Yen, enquanto sua província começa a ficar descontrolada. Então pergunta Jones para ele "O que está fazendo? e ele responde: "Estou convertendo uma missionária".
O que essa parte sugere é que o humanismo de Megan serviu para fazer o General cair, perdido em seu amor por Megan, ele não foi cruel e por isso perdeu sua província, que ele compara em certa parte, perguntando qual era a diferença entre a conquista de uma província e a conquista do amor de uma mulher. Enquanto todos os abandonam, soldados e criados, Megan se veste como se fosse uma concubina com as roupas que ele tinha dado e declara amor ajoelhada na frente do General Yen chorando dizendo que nunca poderia deixá-lo.
Incapaz de fazer nada sobre perder tudo, General Yen toma o chá amargo, referência a um dos principais pontos em comum entre o ocidente e o oriente. Quando ela diz que não pode abandoná-lo, ele sorri e bebe o chá amargo envenenado.
Megan e Jones, o consultor de finanças americano estão em um barco de volta para Shanghai enquanto discutem a beleza e a tragédia da vida do General Yen, para confortar Megan, ele diz que um dia ela estará com ele em outra vida.
Apesar disso, o motivo de sua censura nos Estados Unidos e de todo o império Britânico porque o filme falava sobre o envolvimento de Megan, uma missionária cristã e um senhor das guerras chinês, ou seja, um asiático.. Acredito que o filme não era exatamente racista, mas retratava o racismo contra os chineses. A escolha do cineasta por colocar o General Yen (Nils Asther) como par romântico de Megan irritou muitos, mas é estudada como uma primeira vez por parte do cinema americano, mesmo o ator sendo suíço e não chinês.
Esse foi um filme do começo da era de ouro e obra de Frank Capra. Ao tentar um prêmio na academia, falavam para Capra que o tipo de comédia romântica que fazia era mal visto para ganhar o Oscar, dizendo que a academia gostava das "porcarias artísticas", por isso a opção por uma história exótica. Foi o filme que ele fez com um salgado, com pouco orçamento mesmo. Apenas um milhão de dólares. Pouco para uma grande produção. Chegando a dizer depois que esse filme era um "filme de mulher".
Apesar de ser um filme esquecido do diretor, depois dele, ele se tornou um dos queridinhos de Hollywood. É surpreendente que seja até hoje um filme que não foi lançado para dvd. Frank Capra fez esse filme para ser "material de Oscar" , mas não deu certo, ficando apenas como um filme que serviu de credencial para ter mais investimento futuro; No início de 1930 tanto a Columbia quanto Capra estavam consolidando o sucesso de suas produções, tinham a ambição de ganhar um Oscar de melhor filme para ter esse reconhecimento.
Apesar da indicação não ter vindo, ele se consagrou como grande diretor, foi o filme que ele fez que ficou esquecido, mas que de certa maneira o tornou famoso.
Contexto histórico do filme - Guerra civil nos anos 1920 e o conflito entre nacionalistas e comunistas na China
Considerado uma ideia liberal capitalista e também pode ser criticado por uma visão muito fatalista do processo de Guerra Civil na China naquele momento posterior a Revolução dos Boxes, e que pôs fim a dinastia Qing em 1911, o que fez unir os generais do centro político capitalista e os comunistas momentaneamente entre 1899 e 1900.
O governo na China era do Partido nacionalista Kuomitang, do presidente da China na época Chiang Kai-shek. A missão do filme era retratar a visão do mundo dos centralistas da China antes deles serem tirados do poder. O General Yen pode ser colocado facilmente como esse tipo de pessoa.
Os comunistas da China queriam tirar o modelo republicano dos generais, e isso tem tudo a ver com o filme, pois é sobre um general de guerras tradicional da China que resgata uma mulher de um ataque nas ruas enquanto ela tenta tirar crianças de orfanato. O que significava que ela e o noivo estavam na China sendo missionários puritanos.
Em 1932-33 é eleito como presidente dos Estados Unidos o importante Franklin Delano Roosevelt, então podemos ver o filme como uma tentativa de abertura pelo contexto histórico dos Estados Unidos com os ideais mais progressistas.
O governo das províncias na China eram anteriormente de domínio intermediário dos generais que tinham sido associados aos comunistas, significa que eles se sentiam uma forma de nova monarquia, o que os comunistas eram contrários devido ao processo revolucionário. Nos Estados Unidos é a primeira vez que um presidente irá usar mecanismos heterodoxos de interferência direta na economia através do Estado. Era um clima de "tudo pode" que durou pouco, mas marcou os Estados Unidos.
Parecia que o General Yen não teria falsas esperanças de ganhar o amor de Megan, cometendo suicídio. Capra também reforçou o sentimento de atração de Megan pelo general em todos os pontos, zombando do racismo da personagem na sequência do sonho. A identificação feita no filme por parte do diretor parece flutuar entre os dois personagens, tanto o general fatalista, quanto a humanista Megan. Esse senso de empatia com o general veio da representação de um chinês culto e exótico, implacável com os inimigos.
Os comunistas eram portados como os inimigos da civilidade, enquanto os generais das províncias e linhagens de guerra são demonstrados como "civilizados" por uma extensa cultura e hábitos de consumo de bens, riquezas, joias e importados gerais. Possuindo uma representação de uma forma bem racista ao demonstrar a China como um lugar de barbárie e que vidas humanas não importariam.
O filme retrata o sentimento de conhecer a ancestralidade da cultura chinesa e se impressionar com isso, como o próprio ocidente em si. O filme foi censurada na América por mostrar um romance com miscigenação, e na China foi censurado pelo governo através do vice consul que queria alterar partes do filme, que se irritou com a narrativa de que os chineses seriam bárbaros. Enfim, apesar disso, o filme foi redescoberto como uma joia perdida pela censura e contexto histórico. Um tipo de filme e história que não se vê todo dia retratada por Hollywood.
Assista o filme aqui:
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Labels:
CINEMA
Cinema anos 1930
CRITICAS
Location:
Shanghai, China
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