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Hostis (2017): Como filme foi de uma interessante crítica a opressão dos nativos americanos a um dos piores faroeste já feitos


Hostis é um filme de drama e faroeste americano de 2017, escrito e dirigido por Scott Cooper, baseado em uma história de Donald E. Stewart. O filme é estrelado por Christian Bale, Rosamund Pike, Wes Studi e Ben Foster. A história se passa em 1892 e acompanha um capitão do exército americano (Bale) que deve escoltar um chefe da tribo Cheyenne (Studi) e sua família de volta para suas terras em Montana, enfrentando vários conflitos e perigos

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O filme teve sua estreia mundial no Festival de Telluride em 2 de setembro de 2017 e foi lançado nos Estados Unidos pela Entertainment Studios em 22 de dezembro de 2017. O filme recebeu críticas geralmente positivas dos críticos, mas arrecadou apenas $35,7 milhões mundialmente.


Fica claro que a ideia era que Hostis fosse originalmente um filme que explorasse os temas da violência, do preconceito, da redenção e da humanidade. O filme busca mostrar como os personagens são afetados pela brutalidade da guerra e como eles tentam superar seus traumas e seus ódios, questionando a legitimidade da expansão americana através da opressão dos povos indígenas. Mas não é isso que o filme entrega. 


Na verdade, desde a cena inicial que é bizarra, vemos um roteiro ser deturbado através de uma direção que esteticamente valoriza a violência e estética, assim glamourizando as opressões que supostamente buscava denunciar. A dica que eu sempre dou é: desconfie de filmes que gostam de expor e estetizar o "mundo cão", ou seja, mostrando as opressões supostas como parte de uma realidade fatídica e inevitável. 


A moral do filme é que a convivência pacífica entre diferentes culturas é possível, mas requer respeito, compreensão e perdão. Mas leia-se: perdão dos oprimidos, no caso os índios, aos seus opressores, o que é totalmente bizarro, uma vez que explora que o homem branco, violento e opressor pode ser um herói. O filme é uma reflexão sobre a história e a identidade dos Estados Unidos, que busca vender como positivo o pior do tipo ideal do estadunidense. Logo, não são os aspectos positivos que são explorados, ou uma crítica ao aspectos negativos desse traço colonizador, mas um elogio justamente a negatividade do processo de colonização de maneira a reescrever a história de maneira apaziguadora.


O filme questiona a legitimidade da expansão americana ao mostrar as consequências negativas para os povos indígenas e para os próprios soldados, mas os equipara no mesmo patamar. 


O filme sofre de um “white savior complex” (complexo de salvador branco), ou seja, a ideia de que os brancos são os salvadores dos indígenas e que eles precisam de sua ajuda para sobreviver, uma vez que de um cenário "selvagem", o homem branco trouxe a civilização que facilitou a vida de todos, por exemplo, com a medicina. O problema é que o filme não explora isso, mas sim manipula a opinião da audiência através de uma estética que faz referência a essa ideologia do salvador como positiva, algo que o diretor provavelmente aprendeu com os filmes e personagens de Clint Eastwood. Assim, foca mais na perspectiva do capitão Blocker (Bale) do que na dos personagens indígenas, que são retratados como vítimas passivas ou selvagens violentos, enquando o capitão seria o "mal necessário", mas o diretor não sabe construir isso, parecendo que ele é apenas preconceituoso.


O filme romantiza a violência e o sofrimento, ao usar uma estética bela e poética para retratar cenas de morte e dor. E isso é consciente pois usa sabidamente uma fotografia trabalhada e uma trilha sonora emocionante para criar um contraste entre a beleza da natureza e a brutalidade dos homens, estetizando o horror para manipular as emoções do espectador: é absurdo mas é bem feito e esteticamente bonito.


A trama também ignora outros grupos étnicos e sociais que também foram afetados pela expansão americana. O filme se concentra apenas nos conflitos entre os brancos e os cheyennes, mas não mostra outras tribos indígenas, nem os negros, os mexicanos, as mulheres ou os imigrantes. 


O filme não explica como o capitão Blocker (Bale) e o chefe Yellow Hawk (Studi) se tornaram inimigos, nem como eles conseguem se comunicar em inglês e cheyenne. Também não mostra como Blocker mudou de opinião sobre Yellow Hawk e passou a respeitá-lo, apesar de ter matado vários de seus homens no passado.


Não é mostrado como Rosalee Quaid (Pike) sobreviveu ao ataque dos comanches, nem como ela se recuperou tão rapidamente de seus ferimentos e de seu trauma. Também não explica como ela se apaixonou por Blocker e como eles planejaram ficar juntos no final.


O filme tem alguns erros de continuidade, como a mudança na posição dos personagens ou dos objetos em algumas cenas. Por exemplo, na cena em que Blocker e Rosalee conversam na cabana, a tigela de pipoca que está entre eles muda de lugar várias vezes. Outro exemplo é na cena em que Blocker e seus homens encontram o sargento Wills (Foster), que está preso por matar um civil. Na primeira tomada, Wills está sentado em uma cadeira com as mãos algemadas atrás das costas. Na tomada seguinte, ele está de pé com as mãos algemadas na frente do corpo.


Entretanto, o pior do filme é que ele não é historicamente correto e sofre de problemas de ética ao tratar questões políticas. É uma visão limitada e parcial da história americana onde o gênero faroeste só serve como uma capa para vender ideologias políticas da atualidade.


Até possui o elemento histórico, pois se passa no Oeste americano no final do século XIX e envolve personagens típicos desse gênero, como cowboys, índios, soldados e bandidos. O filme também explora temas comuns ao faroeste, como a violência, o conflito entre civilização e selvageria, a busca pela justiça e a conquista do território. O filme usa uma estética visual que remete aos clássicos do gênero, com paisagens áridas e desoladas, figurinos característicos e uma trilha sonora que mistura música folk e música mexicana.


No entanto, fica claro que o diretor não sabia tanto assim o que estava fazendo. Ele até viu alguns faroestes clássicos, mas seu erro foi os colocar lado a lado em técnica e visualidade, quando os filmes de faroestes as vezes se opõem. Por exemplo, High Noon e Rio Bravo são clássicos, mas ambos se opõem em estética e tese.


Hostis também pode ser visto como uma subversão ou uma crítica ao gênero faroeste, o que é bizarro vindo de um filme de faroeste,, pois questiona alguns de seus mitos e estereótipos. Não apresenta uma visão idealizada ou heroica do Oeste americano, mas sim uma visão realista e sombria, que mostra as atrocidades cometidas contra os povos indígenas e os traumas causados pela guerra. O filme também não celebra a expansão americana como um destino manifesto ou uma missão civilizatória, mas sim como uma invasão violenta e injusta. Mas nada disso é aberto, apenas referenciado visualmente a maior parte do tempo, surfando na estética do faroeste e sua popularidade para divulgar seu filme que pouco entende de historia factual, assim como das técnicas de western.


É difícil afirmar com certeza se o filme é baseado em fatos reais ou não. O filme não se refere a nenhum evento ou personagem histórico específico, mas sim a um contexto histórico geral. O filme se passa em 1892, um ano após o massacre de Wounded Knee, que marcou o fim das guerras indígenas nos Estados Unidos. Hostis retrata a situação dos índios cheyennes, que foram forçados a viver em reservas no Oklahoma após assinarem um tratado com o governo americano em 1868. Só que você só entende isso se pesquisar no Google, pois o filme não explica.


A direção do filme é de Scott Cooper, um cineasta americano que também escreveu o roteiro baseado em uma história de Donald E. Stewart. Cooper é conhecido por seus filmes que abordam temas sombrios e complexos, como Out of the Furnace (2013) e Black Mass (2015). 



Cooper até consegue criar uma atmosfera envolvente e imersiva, usando uma fotografia bela e realista, que capta as cores e as texturas do Oeste americano. O filme também tem uma trilha sonora marcante, composta por Max Richter, que combina música clássica e música folk. 


No entanto, Cooper comete muitos erros em sua direção, como a falta de profundidade e desenvolvimento de alguns personagens secundários, que são pouco explorados ou esquecidos pelo filme. Por exemplo, o personagem do sargento Wills (Ben Foster), um criminoso que é escoltado por Blocker e que tem uma relação conflituosa com ele, é introduzido no meio do filme e depois desaparece sem muita explicação. Outro exemplo é o personagem do soldado DeJardin (Timothée Chalamet), um jovem recruta que é morto pelos comanches logo no início do filme, sem ter muita relevância para a trama: sensacionalismo puro.


Outro erro de Cooper é a falta de equilíbrio e coerência em seu tom e em sua mensagem. Assim, Hostis oscila entre momentos de violência extrema e momentos de sentimentalismo excessivo, sem conseguir criar uma harmonia entre eles. O filme parece querer ser ao mesmo tempo um faroeste tradicional e um faroeste revisionista, mas não consegue se definir nem diferenciar os dois em aspectos técnicos. O aspecto histórico é um pano de fundo, que o filme pega emprestado mas não busca explicar e nem é o foco do filme. Por esses motivos, o filme é sem graça, previsível e uma verdadeira propaganda enganosa. Se você ver os posters, trailers e sinopse do filme vai achar que o filme é no mínimo assistível. Mas na prática é um filme revoltante e frustrante, que nem mesmo diverte, pois fica preocupado o tempo todo de fazer o ambiente do faroeste ser desconfortável, fazendo, na verdade, um filme desconfortável e quase inassistível. Não recomendo.



História por trás do filme


A ideia da produção do filme surgiu a partir de uma história escrita por Donald E. Stewart, um roteirista que faleceu em 1999 e que foi indicado ao Oscar por Missing (1982). Stewart era um fã de faroestes e escreveu a história de Hostiles como uma homenagem ao gênero. A história ficou guardada por anos até que o produtor John Lesher a encontrou e a enviou para Scott Cooper, que se interessou pelo projeto e decidiu adaptá-la para o cinema.


A produção do filme foi realizada entre julho e agosto de 2016, com um orçamento de $39 milhões. O filme foi rodado em locações no Novo México, no Arizona e no Colorado, usando cenários naturais e históricos. O filme contou com a consultoria de especialistas em história e cultura indígena, como o ator Wes Studi, que é da tribo Cherokee, e o linguista Chris Eyre, que é da tribo Cheyenne. O filme também teve o apoio de algumas tribos locais, como os Navajos e os Utes.


Christian Bale teve que aprender a falar cheyenne para o filme, assim como alguns outros atores que interpretaram personagens indígenas. Bale disse que foi um dos maiores desafios de sua carreira e que levou meses para dominar a língua. Ele também teve que aprender a montar a cavalo e a atirar com armas de época.


Rosamund Pike teve que filmar a cena do ataque dos comanches logo no primeiro dia de filmagem. Ela disse que foi uma experiência intensa e traumática, mas que ajudou a criar uma conexão com seu personagem. Ela também disse que se inspirou em sua própria maternidade para interpretar uma mãe que perde seus filhos.


Timothée Chalamet teve uma participação pequena no filme, mas disse que foi uma honra trabalhar com Scott Cooper e Christian Bale. Ele também disse que aprendeu muito com eles sobre atuação e direção. Ele também revelou que sua cena favorita do filme foi a do enterro do soldado DeJardin, seu personagem.


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